Correio da Cidadania

Pichação como protesto contra o agronegócio desmatador

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Recebi, no último dia 14 de outubro, dois vídeos interessantes e complementares. O primeiro vídeo, gravado por membros da Via Campesina, mostra o protesto que manifestantes fizeram no escritório de Brasília da Aprosoja, a Associação dos Produtores de Soja do Brasil, cujo presidente é alvo de investigação da Polícia Federal por participação nos atos antidemocráticos do dia 7 de setembro. Trata-se de um registro muito simbólico e interessante. Os manifestantes cantam em coro as palavras “ocupar, resistir, produzir” enquanto atiram bolas de tinta sobre a fachada do escritório. Nada muito diferente de protestos pacíficos equivalentes que acontecem com frequência em países democráticos em todo o mundo.

O segundo vídeo, gravado e narrado pelo Sr. Fábio de Salles Meirelles, presidente da Federação de Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo, por outro lado, é criminoso e serve como prova contra seu autor. Daí a importância de que este vídeo não caia no esquecimento e de que as declarações golpistas e milicianas do senhor Meirelles sejam de amplo conhecimento de membros do Judiciário. Por isso me dei ao trabalho de transcrever as falas. Para não me restringir a simplesmente reproduzir suas palavras, reproduzo abaixo uma versão comentada com as observações e as respostas que julgo pertinentes e, entres colchetes, descrições do que se vê nas imagens do vídeo.

[Paredes pichadas são os únicos sinais do protesto no interior do prédio. Reproduzo as palavras escritas nas paredes à medida que as pichações vão aparecendo no vídeo. Não se vê qualquer outro sinal de bagunça ou depredação]

Nós estamos aqui na sede da APROSOJA que, hoje, [“Fora Bolsonaro”] às 7:30h da manhã, um grupo do MST [“Bolsonaro se alimenta da nossa fome”], mais outros grupos integrantes [“APROSOJA é fome, Bolsonaro é morte”], invadiram a sede [“Agro é morte”] da APROSOJA, da ABRASS, Canal Rural.

Entraram dentro (SIC) do prédio, como vocês estão vendo. Fizeram todas as pichações, como vocês estão vendo aqui. Agora, é muito sério, porque é uma invasão a todas as entidades [Vê-se logotipos das organizações usuárias do prédio e sofás e objetos de decoração arrumados e intactos] que fazem parte desse prédio. São entidades privadas. A pichação é geral [Paredes do laguinho da área externa, vazio, manchadas de várias cores]. A invasão…

Não sabemos o que motivou isso [Não sabem? Eles não sabem da paralização total dos processos de reforma agrária no atual governo? Da gigantesca proliferação de agrotóxicos liberados a uma taxa de mais de um novo por dia, do trabalho escravo, da desindustrialização do país, das tempestades de areia? Da fome do povo em um país exportador de alimento? Da devastação na Amazônia, no Cerrado, na Mata Atlântica, no Pantanal? Não é possível que não saibam o que motivou “isso”].

Tudo indica que é uma agressão ao presidente da República e não a outra questão porque o ataque é direto ao Presidente da República [Ele só é citado nas pichações por ser o presidente da república serviçal desse agronegócio tóxico e assassino que o senhor também defende]. Então, vocês vejam que em pleno dia de semana às sete e pouco da manhã do dia 14 de outubro nós temos aí mais uma agressão contra a República Federativa do Brasil na pessoa do seu Presidente da República e não existe providencia de nada. Ninguém foi preso, a polícia está aqui apenas tirando fotografia, cumprindo a sua função técnica [Não houve flagrante, então a polícia fez exatamente o que tem que fazer].

Porque eles foram muito rápidos. Aproximadamente 60, 70 pessoas. Eu cheguei a presenciar. Trouxeram corta-metal, alguns equipamentos para forçar abertura das portas. É uma invasão notória, violenta [Foi uma ação meramente simbólica. Nada que um pintor com duas latas de tinta não recupere com um dia de trabalho. Nada comparado aos dois campos e meio de futebol de florestas tropicais que foram devastados pelo agronegócio durante o curto tempo de pouco mais de dois minutos em que o Sr. Fábio Meirelles gravava o seu vídeo golpista. Florestas, nunca é demais lembrar, lotadas de árvores centenárias e alguns milhões de seres vivos, entre vegetais, animais de pequeno, médio e grande porte], agressiva. E não acontece nada. Então o país tem que ter novo alinhamento [Opa! Explique-se melhor aqui, sr. Fábio: o que o senhor quer dizer com isso? Percebam que aqui começa a linguagem cifrada]. Tem que um... A indignação é muito grande. A vontade que dá vocês sabem qual que é né? [Não sei, sr. Fábio. Nos diga por favor. Qual é? Ou não tem coragem de fazê-lo? Esse é o ponto específico que considero criminoso. Ele não fala, mas está claro que a “vontade” é de fazer justiça com as próprias mãos através de suas milícias armadas] Mas nós não podemos andar armados...[Estão armados até os dentes, cada vez mais] Nós não podemos fazer uma série de situações [Novas ameaças veladas. E que forma estranha de se falar: “Fazer uma serie de situações”? O que isso quer dizer? Típico dos códigos usados por criminosos]. Não podemos nos defender porque temos aí grupos dentro dos nossos... dentro do setor judiciário que possivelmente apoiam isso [Sério que estão atacando a justiça? Dê nomes! O ataque é ao STF?], porque não é possível....[aqui a gravação é interrompida].

Especialmente simbólico é um mapa do Brasil que se vê no vídeo dentro do escritório com os poucos estados em que não há cultivo significativo de soja destacados em verde (Rio de Janeiro e Espírito Santo, boa parte do Nordeste, Amazonas e Acre). Entre eles uma imensa mancha amarela com uma imagem poeirenta de um campo de soja dominando quase todo o país. Esse é o plano da Aprosoja: transformar o Brasil em um enorme fazendão.



Os companheiros do MST e da Via Campesina nos fizeram o favor de pichar um X sobre este mapa. Os defensores de vidraças (que pelo que vi nem foram estilhaçadas nesse protesto) e paredes brancas certamente estão indignados. Mas as consequências do descaso do setor econômico que este senhor representa já são visíveis em toda parte serão sentidas cada vez mais forte pelas próximas gerações. À humanidade pouco importa se nessa quinta-feira as paredes da Aprosoja amanheceram pichadas, mas a destruição da maior floresta tropical do mundo será sentida para todo o sempre em todo o planeta.

Rodolfo Salm

PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, formou-se em Biologia pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Atualmente é professor da Universidade Federal do Pará.

Rodolfo Salm
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