Brilha uma estrela, cresce a esperança
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- Rodolfo Salm, Danilo Di Giorgi e Rogério Grassetto Teixeira da Cunha
- 17/01/2023
O ano de 2023 começou em 30 de outubro de 2022. Neste dia derrotamos, por um triz, o pior presidente, talvez o pior político, certamente uma das piores pessoas já nascidas neste país, junto com sua horda de seguidores nazifascistas odientos e que nutrem um ódio especial pelo meio ambiente e os povos indígenas. Gostaríamos de nunca mais ter que falar dessa figura abjeta, a não ser como uma triste lembrança do passado, mas isso ainda será inevitável por algum tempo. Poucos dias depois de sua vitória, Lula nos presenteou com um maravilhoso discurso na conferência mundial do clima, no Egito.
Com aura de pop star, Lula assumiu compromissos com a preservação dos vários biomas brasileiros e também cobrou os países ricos sobre temas ligados à conservação. Com isso, encheu, não só a nós, mas ao mundo todo, de esperança.
Esperança essa que logo se transformou em apreensão. Na tal conferência do clima também estavam três postulantes ao ministério do Meio Ambiente: Marina Silva, a preferida dos ambientalistas, junto com os terríveis Carlos Minc, o dissimulado, com seus indefectíveis coletes, e Isabela Teixeira, a implacável, ambos com as mãos sujas pela construção da hidrelétrica de Belo Monte. Marina Silva está longe de ser perfeita, mas enquanto a resistência ao nome dela baseou-se em uma suposta radicalidade, nós vemos o contrário.
Quando ministra, ela cedeu demais nos processos ligados à construção das hidrelétricas do Madeira e na autorização para a conclusão da pavimentação da BR-163. Esta última talvez parecesse inevitável, mas hoje transformou-se num dos principais focos de desmatamento da Amazônia e de criminalidade do país. Isto ficou claro nos protestos antidemocráticos golpistas que aconteceram após as eleições, quando um grupo de terroristas criminosos expulsou a bala policiais rodoviários que tentavam desobstruir uma estrada em Novo Progresso, um dos municípios paraenses que mais deu votos a Jair Bolsonaro no segundo turno.
Marina também errou ao adotar uma visão neoliberal da preservação ambiental, que incluiu vastas concessões de florestas públicas para atividades madeireiras, que vêm destruindo árvores centenárias e degradando ainda mais florestas já afetadas pelo aquecimento global. Ainda assim, ela era nossa melhor opção entre os possíveis nomes. A demora do presidente eleito para confirmar o seu nome mostra a força das pressões contrárias por parte daqueles que a consideram uma ecologista radical demais. A esquerda detém parte da responsabilidade pelo fato de a floresta amazônica ter chegado tão próxima do ponto de não retorno.
Por ora, o importante é que a tensão se desfez nos últimos momentos com a confirmação do nome da herdeira política de Chico Mendes, conhecida internacionalmente pelo seu compromisso com a preservação ambiental. Também ficamos felizes com a indicação de duas mulheres poderosas para cuidar dos povos e das terras indígenas, Sônia Guajajara, no ministério dos Povos Indígenas, e Joênia Wapixana, na Presidência da FUNAI. As indicações foram uma golfada de ar fresco para uma área que vinha sendo dominada por militares corruptos envolvidos com garimpeiros sedentos pelo ouro das terras sagradas dos povos originários.
A cerimônia de posse do presidente Lula foi magnífica. Sua imagem subindo a rampa, junto com o cacique Raoni Txukarramae, e outros populares altamente significativos, representantes do povo brasileiro, além de um cachorro vira-lata adotado enquanto o presidente estava preso injustamente em Curitiba, foi capa dos principais jornais do mundo, será lembrada por muitos anos e tem uma força simbólica poderosíssima.
Igualmente poderoso foi o discurso de Lula na Câmara dos Deputados, quando reafirmou seu compromisso com a preservação de todos os biomas, com ênfase na Amazônia e nas Terras Indígenas. Difícil não se emocionar a ponto de ir às lágrimas com tão linda festa de nossa libertação, após quatro anos de cativeiro e sofrimento mental nas mãos de governantes psicopatas.
Nós três, que assinamos este texto sobre as perspectivas ambientais para 2023, não chegamos aqui ontem. Acompanhamos de perto a política de meio ambiente e escrevemos sobre o tema há mais de duas décadas, e sabemos que os desafios não serão pequenos. Sabemos que Lula só foi eleito porque teve a benção de parte do capital, que não respeita nada e é indiferente ao futuro trágico da humanidade decorrente da degradação ambiental. A questão é que é impossível viver sem o mínimo de esperança. O governo anterior quase triplicou as taxas de desmatamento da Amazônia em relação os melhores períodos dos governos anteriores do PT. Mas aquelas taxas não eram nem de longe aceitáveis. Significavam apenas que demoraríamos três vezes mais tempo para chegar no mesmo lugar, que é a destruição da floresta e a quase inviabilização da vida humana tal qual conhecemos na superfície do planeta.
Boa parte dos golpistas que fecharam estradas inconformados com a eleição de Lula, que ainda acampam na frente dos quartéis enquanto escrevemos este texto, foi financiada pelo agrobandido que quer seguir devastando com a mesma fúria que fez durante o governo anterior, sem qualquer controle. A este caldo podemos somar criminosos mais explícitos ainda, como os mineradores, caçadores, pescadores e madeireiros ilegais. Esses criminosos não desaparecerão por milagre e seguirão tentando desestabilizar o novo governo, o tempo todo.
O desafio mais urgente na área ambiental, e um dos mais complicados, será a retirada das hordas de mineradores que estão invadindo as terras indígenas. São dezenas de milhares deles em toda a Amazônia. Estima-se que há cerca de 20 mil apenas nas terras dos índios Yanomami. Uma ação eficiente de retirada exigiria a participação do exército. Isto porque apesar do termo garimpeiro, ainda usado por parte da mídia, esses criminosos nada tem da imagem bucólica de homens solitários com uma bateia nas mãos. Para minerar ilegalmente na Amazônia são necessários investimentos da ordem de vários milhões de reais, com pistas de pouso, aviões para abastecimento ou construção de longas estradas clandestinas rasgando a mata, tratores caríssimos, equipamentos, muita mão de obra, uma logística muito complexa etc. Os reais criminosos não são os pobres coitados que estão lá na linha de frente vendendo barato sua saúde, e sim gordos “empresários” que vivem em cidades gerenciando o crime.
Mas como isso poderia se dar se o novo ministro da Defesa, José Múcio, que já assumiu ter votado em Bolsonaro nestas eleições, é um aliado daqueles que facilitaram a invasão das terras? O ministro da Justiça, Flávio Dino, ao invés de falar em remoção imediata dos garimpeiros, em entrevistas dadas já no período antes da posse, tergiversou, com um discurso sobre criação de alternativas econômicas à mineração, como se fosse possível que tais alternativas pudessem competir com a exploração aurífera altamente lucrativa. Certamente teremos algum progresso nessa área. Mas a remoção dos criminosos e sua punição exemplar deve ser total e imediata.
Também nos preocupa o “compromisso” do presidente Lula em zerar o desmatamento até 2030 (!), quando ele já não será mais presidente. Um compromisso em um horizonte tão distante qualquer um faz, até o próprio Bolsonaro já fez. Não significa nada. Quem quer mudar de verdade, muda agora, já.
A mineração, que já causou e segue causando inúmeros prejuízos ambientais, incluindo catástrofes monumentais, também é um monstro difícil de controlar. A escolha de um ministro das Minas e Energia com um histórico de financiamento eleitoral de mineradoras, como é o caso de Alexandre Silveira, nos parece desastrosa. O governo anterior facilitou, através da figura do seu vice-presidente, o general da reserva Hamilton Mourão, a instalação de empresas estrangeiras que pretendem explorar ouro em boa parte do médio e baixo Xingu, com consequências terríveis para o meio ambiente e as populações locais. Inúmeros projetos de mineração estão sendo planejados para toda a região Amazônica, com destaque para a bacia do Tapajós, onde se pretende construir um monstruoso projeto ferroviário, denominado Ferrogrão, que, além de grãos, carregará ouro e minério, desmatando e trespassando uma imensa área de floresta cheia de biodiversidade e terras indígenas, como já descrito em artigos neste Correio pela nossa colega Telma Monteiro (clique aqui e aqui).
Outra obra que merece nossa atenção no futuro próximo é o projeto de pavimentação da BR-319, que pretende ligar Manaus a Porto Velho, fazendo uma conexão rodoviária entre a capital do estado do Amazonas com o resto do país. Essa estrada foi aberta décadas atrás, no período da ditadura militar, mas foi rapidamente engolida pela floresta e ainda é intrafegável. O grande problema é que ela corta uma parte extremamente bem preservada da floresta, em sua área central, repleta de povos indígenas e unidades de conservação, algumas com fisionomias vegetais raras de campos e savanas amazônicos. A simples promessa de sua pavimentação já causou uma explosão nos desmatamentos em todo o sul do Amazonas.
Em uma entrevista concedida ainda no período eleitoral, Lula se manifestou favorável à conclusão da obra desde que ela fosse feita “com todo cuidado”. Não podemos esquecer que esse “com todo cuidado” também foi invocado em governos anteriores do PT, na época da pavimentação da BR-163 e da construção das hidrelétricas do Madeira e de Belo Monte, e o resto é história. A pavimentação da BR-319 é uma promessa recorrente de todos os políticos do Amazonas e a oposição a essa obra será uma das grandes lutas do movimento ambientalista neste ano.
Os agrotóxicos são um capítulo à parte. Bolsonaro liberou em média quase um novo agrotóxico por dia em quatro anos de governo. Substâncias que não são toleradas em vários países desenvolvidos são despejadas quase que sem controle em nosso território. Os níveis considerados aceitáveis de substâncias tóxicas no Brasil, muitas delas cancerígenas ou teratogênicas, chegam em alguns casos a ser 5000 vezes superiores àqueles permitidos na Europa. É como se a vida do nosso povo não valesse nada.
Paradoxalmente, a contaminação por agrotóxicos e nosso descaso com o meio ambiente em geral, Amazônia em particular, ameaça até a confiabilidade do nosso agronegócio e frequentemente nossos produtos são vistos com maus olhos no mercado internacional. A água, o solo e nossos alimentos estão cada vez mais contaminados. A ex-ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ficou conhecida como Miss Veneno. Ironicamente, é o mesmo governo que levantava suspeitas infundadas sobre a segurança das vacinas. Todas essas autorizações precisam ser revistas, porque nós merecemos pelo menos o mesmo nível de proteção que os povos dos países ditos desenvolvidos exigem para si.
Preocupados com os problemas globais, reconhecemos que muitas vezes damos mais ênfase as questões ligadas à floresta Amazônica que ao resto do Brasil. A extrema-direita fascista, através de seu antiministro do Meio Ambiente, um ecocida, dizia que os grandes problemas ambientais estão nas cidades. Mas esse governo também não investiu em saneamento nem fez qualquer esforço para resolver esses problemas. O fato é que estas questões também merecem toda a atenção e a situação é desesperadora, como se vê refletido na piora generalizada da qualidade da água das praias de todo o país. Falta arborização urbana, que vem sendo degradada dia a dia, faltam praças, espaços de convivência para esporte e lazer. Longe da natureza, tornamo-nos doentes e infelizes, dependentes de remédios, álcool e drogas.
Lula, meio brincando meio falando sério, prometeu que em seu governo todo mundo ia namorar. Vamos cobrar mais praças e mais flores para inspirar e presentear os casais. Mais áreas de convivência e menos dependência do Tinder para nos socializar, para cumprir a promessa romântica do nosso presidente. Certamente teremos um período de lutas, com muitas decepções, mas esperamos que as alegrias sejam ainda maiores.
Derrotar o fascismo nas últimas eleições foi fundamental para que nos permitíssemos voltar a sonhar. Escrevemos esse texto cheios de esperança. A própria estrela brilhante, que é um dos símbolos do PT, precisa de um céu sem a fumaça das queimadas ou da poluição dos carros para ser vista. Seguimos sem medo de sermos felizes.
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