A Amazônia tem dono?
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- Danilo Pretti Di Giorgi
- 27/06/2008
Fazer como o Lula fez, batendo no peito como um gorila e gritando "a Amazônia tem dono!", como resposta às novas investidas de defesa da "internacionalização da Amazônia", é tão fácil quanto inócuo. Eu gostaria mesmo era de ver nosso presidente mostrar-se, com decisões políticas corajosas e ousadas e com resultados, digno de ter sob sua tutela uma região tão importante para o futuro da humanidade.
"A Amazônia é importante demais para ser deixada aos brasileiros", metralhou um editorial do periódico inglês "The Independent", logo após a demissão de Marina Silva. Pouco tempo depois, matéria do norte-americano "The New York Times" levantou a velha questão da soberania brasileira na região, lembrando a famosa frase de Al Gore: "ao contrário do que pensam os brasileiros, a Amazônia não é propriedade deles, e sim de todos nós".
A princípio, acredito que esses colegas estrangeiros responsáveis pelos textos citados sejam, sim, movidos pela vontade de fazer o bem e não por interesses econômicos escusos. Afinal, no fundo, somos todos seres humanos com sentimentos (alguns bem no fundo mesmo). Então, esse sujeito, urbano, que trabalha dentro de uma redação, em Manhattan ou em Londres, almoça. E, depois do almoço, é capaz de dar uma escapada para caminhar no Central Park ou no Hyde Park para ajudar a digestão. Lá – e principalmente se for um dia de primavera – ele sente-se bem, renovado, feliz, relaxado, como freqüentemente acontece com os humanos quando em contato com a natureza. O problema é que, no meio desse passeio delicioso, vem à sua memória a notícia que leu pela manhã na Agência Reuters sobre o desmatamento da Amazônia. Imediatamente, ele se dá conta de que nos 45 minutos em que esteve passeando desapareceu da última grande floresta tropical da Terra uma área equivalente ao tamanho do Hyde Park (ou cerca de 200 campos de futebol). Ele olha em volta, vê os passarinhos, as árvores, ouve a água correndo em algum riacho próximo e chega à conclusão de que precisa fazer alguma coisa para impedir esse desastre.
O que pode fazer por uma boa causa um jornalista influente de um dos maiores jornais do mundo? Escrever para influenciar pessoas. Mas escrever o quê? Como ajudar a floresta em risco? É possível que alguns de seus velhos professores considerassem automaticamente inferiores os cérebros de quem nasceu abaixo da linha do Equador - pensamento, aliás, que impera aqui também, do lado de baixo: crescemos dentro de uma visão eurocêntrica (e, pode-se dizer, "norte-americanocêntrica" também) tão arraigada que muitas vezes é difícil de ser abandonada.
Seguindo esse raciocínio básico, o "inimigo" que ameaça o seu sonhado e distante paraíso tropical de repente faz-se claro em sua mente: o povo brasileiro! Ignorante, selvagem, bárbaro. Claro! A solução é tomar o comando da situação. Tirar a floresta das mãos deles! Ou pelo menos não deixar tudo nas mãos deles. Afinal, aquela floresta é fundamental para a sobrevivência de todo o planeta, inclusive dele e de seus filhos. E assim, na volta para a redação, nasce um editorial polêmico.
Imaginando que a "internacionalização da Amazônia" realmente se concretizasse, no sentido de tornar-se um espaço transnacional, é muito claro para mim que os europeus ou norte-americanos não seriam capazes de resolver o problema e zerar os desmatamentos, como gostaríamos que acontecesse. E isso não apenas pelos graves problemas culturais resultantes de uma ocupação estrangeira, a começar pelas dificuldades de idioma. O real motivo do insucesso seria que, apesar de terem parques belíssimos no meio de suas capitais e reservas bem administradas do pouco que sobrou da natureza selvagem em seus países, sua forma de lidar com os recursos naturais é essencialmente a mesma que a nossa. Ou pior.
Não há como salvar a floresta e o que resta da biodiversidade do mundo sem uma mudança radical na forma como o homem relaciona-se com a natureza. E a forma como o homem ocidentalizado faz isto (intrometendo-nos nos fluxos circulares do planeta e criando artificialmente, para a nossa sociedade, um fluxo linear, como destacou Rogério Grassetto Teixeira da Cunha em seu último artigo nesta coluna) sempre envolve degradação contínua. Isso porque tal relação está ancorada no crescimento econômico infinito e na ampliação ilimitada do mercado consumidor e do consumo em si. Enquanto não compreendermos que essa forma de gerir o mundo significa a ruína da nossa espécie, a Amazônia continuará sendo devastada, seja nas mãos de administradores brasileiros ou não. Não conseguiremos sair do atoleiro. Pior, nos afundaremos nele até nossa extinção.
Com a questão amazônica, o Brasil e nossos principais líderes temos à nossa frente a chance de criar novos paradigmas e de apresentar ao mundo respostas para grandes dilemas pós-modernos. Podemos nos transformar em uma das principais lideranças neste novo caminho que se apresenta, onde defuntos ainda não enterrados – como o pensamento eurocêntrico, por exemplo – deverão ser finalmente substituídos por novos valores, mais humanos e indicadores de uma evolução espiritual que já vem se tornando clara em muitos lugares. É premente a adoção por parte de nossos líderes de uma política que realmente demonstre - não apenas no discurso, mas na prática - preocupação com o valor não-monetário da floresta.
Uma política que não olhe seus espetaculares rios apenas como fontes de energia elétrica para abastecer um sistema condenado ao fracasso. Uma política que não enxergue apenas pasto, bois e soja onde há floresta. Uma política que veja a floresta como vida, e não como metros cúbicos de madeira. Para isso é preciso muita coragem e estar preparado para enfrentar muitas forças contrárias. Mas o momento é único e a vitória é certa, uma vez que não há outro caminho a seguir.
Os meios de comunicação têm uma função primordial nesse novo desafio para o qual todos estamos sendo chamados. Então, você, caro colega jornalista que passeia pelas alamedas do Hyde Park e que quer ajudar, precisa entender que a forma mais inteligente de fazer sua parte para salvar a Amazônia não é defender que a área se torne território neutro. Preciso te dizer que dá um pouco mais de trabalho do que isso. Você deve, isso sim, aproveitar as preciosas páginas de seu influente jornal para defender, sabendo que isso vai exigir de você muita perseverança e paciência, uma mudança geral de pensamento dos homens (dos seus leitores em primeiro lugar), fazendo-os refletir sobre o sentido do consumismo. Para abrir mais espaço para a discussão de novas idéias e modelos de sociedade. Para exigir das companhias com sede em seus países que respeitem o meio ambiente no exterior. Para estimular a reflexão sobre causas primeiras do desequilíbrio ecológico, que estão muito além das pressões para construção de hidrelétricas na Amazônia ou do pensamento de figuras como Blairo Maggi.
Essas causas estão, sim, inseridas nas atitudes cotidianas de todos nós, a começar pelos europeus e norte-americanos, os mais ricos e mais consumistas do mundo. Deve ainda usar seu jornal para incentivar formas genuínas de cooperação para a preservação, sem atitudes arrogantes nem paternalistas. Isto nos obrigaria a olhar também para o nosso próprio umbigo, a nos envergonharmos dele e a tomarmos também atitudes reais e efetivas, não bravatas inócuas.
Danilo Pretti Di Giorgi é jornalista.
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