Autocrítica
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- Rogério Grassetto Teixeira da Cunha
- 27/04/2007
Um leitor não gostou da idéia que propus do PEC, o Pacote Ecológico de Crescimento (uma série de alternativas ao PAC nas áreas de energia elétrica, transportes e agricultura que permitissem ao país crescer, mas sem produzir os impactos ambientais deste). Ele criticou-me por eu não ter me posicionado contrariamente à própria lógica do crescimento. Embora a minha intenção fosse justamente tentar ver o que seria possível e viável dentro do sistema e da atual conjuntura, o leitor não deixa de ter razão, uma vez que esta estrutura é inviável já no médio prazo.
Praticamente todos os analistas e planejadores econômicos possuem uma visão de curtíssimo prazo: olham apenas como as economias podem crescer o máximo possível de um ano em relação ao anterior; no máximo planejam um período de 5-10 anos, mas sempre sob a ótica da necessidade quase esquizofrênica de crescimento (quando não apenas para o enriquecimento próprio ou de um grupo a que pertençam). Pouquíssimos são capazes de dar um passo atrás e olhar o quadro geral e as consequências futuras deste comportamento.
Mas é preciso sim fazer tal análise e criticar a lógica inerente à economia da sociedade contemporânea, que está baseada na necessidade de crescimento contínuo e no aumento do consumo pelo consumo. Isto porque, pensando no assunto um pouco, a conclusão a que se chega é tão simples quanto óbvia: não há como crescer indefinidamente e, a continuarmos assim, o sistema está fadado ao colapso. A razão é que, para crescer, precisa-se sempre de mais matéria-prima e oferta de energia. Ambas são finitas, logo o sistema tem um limite estrutural. Pode-se argumentar que há algum espaço para crescimento por aumento de produtividade ou via aumento de valor agregado, mas ambas as formas são limitadas, e para a segunda há também a necessidade de mais energia, embora não de matéria-prima.
O limite do petróleo e das fontes de energia e matéria-prima não-renováveis é óbvio. Um dia acabarão, mais cedo ou mais tarde. Mas mesmo as energias e matérias-primas renováveis têm um teto - que ainda está longe de ser atingido, é verdade, mas é um limite de qualquer forma. Mesmo que represemos todas as quedas de água de todos os rios, que destruamos toda a vegetação do mundo para produzirmos energia de biomassa ou que cubramos toda a superfície terrestre de placas solares e geradores eólicos, haverá um ponto final, pois não haverá mais nem quedas e nem espaço para geradores e plantações. E é justamente por isso que boa parte dos ambientalistas critica tanto a lógica do sistema, pois até que o mundo se dê conta deste limite óbvio, poderemos ter feito um estrago muito maior que o que já fizemos, talvez irreversível.
Um outro aspecto extremamente triste do nosso modelo é que mesmo este crescimento econômico não tem trazido justiça social na proporção do aumento de riqueza global. Assim, não há distribuição de renda e a disparidade entre ricos e pobres diminui muito pouco, quando não aumenta.
Contudo, mesmo sendo ambientalmente inviável e socialmente injusto, sempre há algum ganho social com o crescimento, nem que seja um aumento na quantidade de papelão disponível aos catadores (ou para servirem de cama aos moradores de rua). Mesmo em termos menos dramáticos, a sociedade como um todo ganha qualidade de vida com o crescimento, embora a disparidade social seja mantida. É aí – e considerando que na atual conjuntura não há muito espaço para uma forte mudança na estrutura das sociedades, o que só aumenta a necessidade de ficarmos insistindo em sua importância – que se situa a minha proposta com esta série de artigos sobre o PEC que encerro aqui, sempre com a esperança de que seja um crescimento socialmente mais justo.
Olhando-se todas as alternativas que me esforcei para compilar, fico com um sentimento ambíguo de entusiasmo e desânimo. Entusiasmo por saber que há possibilidades concretas e viáveis, as quais inclusive poderiam trazer uma série de benefícios extras, e que há muitas pessoas preocupadas e pesquisando seriamente estas alternativas. No campo da energia elétrica e da agricultura, o número de publicações especializadas sobre o assunto é imenso, e em inúmeros casos os pesquisadores e técnicos descem a níveis de detalhe impressionantes, analisando a viabilidade econômico-financeira das alternativas, apresentando sugestões de políticas públicas bastante específicas, ou descrevendo as barreiras a serem vencidas. Desânimo por sentir que não só o governo, mas todo o rolo compressor e formador de opinião, composto pelo empresariado brasileiro e a grande mídia corporativa, farão de tudo para que usinas hidrelétricas como Belo Monte, no Xingu, e Jirau e Sto. Antônio, no rio Madeira, saiam do papel o mais rapidamente possível. E isto a que custo seja, mesmo que atropelando as leis, o IBAMA e a ministra Marina Silva, que, aliás, está tornando-se cada vez mais meramente decorativa (embora pudéssemos estar até muito piores sem ela). As recentes declarações de Lula atestam bem para o fato. Porque tal insanidade se perpetua em nossa sociedade? Uma boa resposta foi dada por Al Gore em seu filme, “Uma verdade inconveniente”: “É impossível fazer alguém entender uma coisa, se este alguém é pago para não entendê-la”.
Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews.
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