Correio da Cidadania


Rio Madeira vivo

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Vale a pena visitar, dentro do sítio “Viva o Rio Madeira Vivo: diga não às hidrelétricas do Madeira”, a página www.riomadeiravivo.org/cenario.htm, uma apresentação muito bem feita contra a construção das duas mega-usinas naquele rio (Jirau e Santo Antônio), apoiada por imagens de satélite do programa ‘Google Earth’. As imagens são combinadas com legendas que convidam o visitante a uma viagem espacial interativa: “Olá, estamos a 51 km de altitude sobre o norte do estado de Rondônia”. Assim começa o passeio virtual. E por aí vai...

 

A primeira imagem compara a área ocupada pela cidade de Porto Velho com uma enorme mancha escura adjacente, de quase 20 km de largura, o lago artificial da usina hidrelétrica de Samuel, no rio Jamari, de proporções semelhantes a toda a capital do estado de Rondônia. A formação deste lago pelas barragens da usina causou o deslocamento de mais de 600 famílias, que perderam suas terras e ainda vivem em acampamentos organizados pelo Movimento dos Atingidos por Barragens - o sítio destaca ainda que já há 1 milhão de brasileiros nesta situação e que 70% destes nunca receberam indenizações.

 

Mas isso não é nada perto do que está por vir. Como mostra a imagem seguinte, o rio Madeira é muito maior e mais largo, tendo pelo menos 16 vezes o volume de água do Jamari. Segundo Furnas/Odebrecht, os lagos das hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau terão 120 km e 80 km de comprimento, respectivamente. Quanto à largura, não há mensuração! De toda forma, pelo menos 3 mil pessoas serão deslocadas das áreas inundadas.

 

Na seqüência, destaca-se uma imagem que revela a distância ridiculamente pequena que separa o local previsto para a construção da barragem de Santo Antônio do centro da cidade de Porto Velho: apenas 7 quilômetros! Isso, por si só, já é um risco para a sua população. Segundo especialistas (sempre de acordo com sítio da campanha), se há condições mesmo que mínimas de controle do volume de água do lago da hidrelétrica de Santo Antônio (mais próxima a Porto Velho), na época das cheias é impossível controlar ou prever o comportamento do imenso volume da água do reservatório de Jirau, rio acima - um problema que se agravará ao longo dos anos com o imenso depósito de sedimentos oriundos da cordilheira dos Andes (o rio Madeira é o mais barrento da região amazônica).

 

Os sedimentos ficarão retidos no lago a montante, reduzindo a vida útil de Jirau, que em poucos anos se transformará em um imenso lamaçal, invadindo o território boliviano e criando para o Brasil um problema internacional. Esta carga de sedimentos faltará rio-abaixo, alterando toda a dinâmica do Madeira e seu sistema de lagoas adjacentes, prejudicando a reprodução de espécies de valor pesqueiro.

 

Mas não é preciso recorrer ao risco de acidentes para antever os sinais de uma tragédia anunciada. Como destacou a campanha, a capital de Rondônia tem cerca de 370 mil habitantes e apenas 1,8% dos seus domicílios contam com tratamento de esgoto (isto mesmo, leitor, 1,8%). Durante a época das chuvas de 2005, houve 50 mil casos de malária e a rede de saúde existente foi absolutamente incapaz de lidar com esta demanda. O que se pode esperar deste quadro quando o lago da usina de Santo Antonio reproduzir uma cheia permanente a tão poucos quilômetros da capital do estado? Para os mosquitos será certamente uma maravilha. E isso quando a malária, depois de quase extinta, ressurge explosivamente com quase uma centena de casos no estado de São Paulo e a dengue alastra-se e ganha força pelo país, assumindo formas mais agressivas até então raras. E mais, como a cidade de Porto Velho comportará as mais de 100 mil famílias extras que devem ser atraídas à cidade em função destas mega-obras? – indaga o nosso guia virtual.

 

Para que os desenvolvimentistas não crucifiquem o ambientalismo, como têm feito recentemente, alternativas há, além das grandes hidrelétricas e das usinas nucleares (ao contrário do que diz o nosso presidente), como mostramos nesta coluna em diversas ocasiões. Recentemente, até a grande imprensa tem destacado que a quantidade de energia desejada pelo PAC até 2010 pode ser suprida de uma forma muito mais rápida, barata e sem inundar um centímetro quadrado sequer. Trata-se da repotenciação de usinas hidrelétricas com mais de 20 anos, que, a um custo baixo (aproximadamente igual ao custo apenas das linhas de transmissão para trazer energia até os centros consumidores), podem fornecer de forma quase imediata mais de 8 mega-watts adicionais ao sistema elétrico nacional.

 

Apresentações semelhantes (apoiadas em imagens de satélite), sobre as hidrelétricas do Xingu e outras obras prioritárias para o governo federal com impactos profundos sobre a região amazônica, devem ser feitas com urgência e amplamente divulgadas pela Internet. Só campanhas como estas podem contrapor-se à estratégia dominante, desenvolvimentista, de ridicularizar a questão ambiental. Papel lamentável a que se prestou o presidente Lula, quando da piada que teria feito sobre o “bagre” que lhe teriam jogado no colo, referindo-se à dourada (Brachyplatystoma rousseauxii), um peixe que pode alcançar mais de dois metros de comprimento e cuja sobrevivência, segundo estudos de impacto ambiental, é ameaçada pelas hidrelétricas do Madeira. Detalhe: aquela espécie de peixe é extremamente importante na dieta das famílias ribeirinhas da região.

 

O problema não é o “bagre”, senhor presidente, é um desastre ecológico e social de proporções previsíveis e gigantescas, mais outras tantas conseqüências imprevisíveis.

 

A estratégia adotada pelos idealizadores da campanha popular “Viva o Rio Madeira Vivo” é fundamental para que se tenha uma perspectiva melhor da dimensão dos problemas associados a estas obras, que não devem apenas passar por uma adequação (porque não se trata de questões técnicas pontuais, como querem nos fazer crer), mas serem suspensas por completo.

 

 

Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi.

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