2010: um ano de incertezas
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- Rogério Grassetto Teixeira da Cunha
- 06/01/2010
É um exercício difícil e arriscado tentar imaginar a pauta ambiental e tentar prever eventos importantes para o ano que se iniciará sem cair na tentação de antecipar o que inevitavelmente acontece, e cada vez mais: mais desmatamentos, secas e chuvas catastróficas, lixo e poluição.
Porém, 2010 apresenta uma dificuldade adicional: trata-se de um ano eleitoral, situação em que o tabuleiro do jogo político e as regras mudam constantemente. Gostaria que a temática ambiental entrasse nas agendas dos candidatos como "nunca antes na história deste país". Isso pode até ser possível dado o constante (mas ainda muito aquém do necessário) crescimento da conscientização ambiental da sociedade, e a entrada de Marina Silva no jogo. Com o impulso adicional da conferência do clima em Copenhague, esta tendência poderá reforçar-se, mesmo que a maioria das pessoas ainda desacople suas preocupações de suas atitudes no dia-a-dia.
Nos debates que antecederão a disputa eleitoral, imagino que a candidata governista irá sempre situar-se em uma delicada corda bamba. Mãe do PAC, adepta fervorosa do desenvolvimentismo a qualquer preço e considerando o meio ambiente como um entrave, Dilma Rousseff é vista com desconfiança pelos ambientalistas. Não sem razão, dadas as suas declarações ao longo dos tempos e suas posições políticas. Aliás, estes foram um dos principais elementos que resultaram no processo de saída da outra candidata, Marina Silva, do cargo de ministra do Meio Ambiente.
E, bem recentemente, seu ato falho em Copenhague, quando deixou escapar que considera o meio ambiente um entrave: "o meio ambiente é, sem dúvida nenhuma, uma ameaça ao desenvolvimento sustentável. Isso significa que é uma ameaça para o futuro do nosso planeta e dos nossos países", disse.
Aliás, a postura do governo nesta reunião, tentando vender um cenário panglossiano ao mundo, de otimismo desmesurado, mostra bem qual é (e qual será, caso Dilma vença) a abordagem oficial dos nossos gravíssimos problemas ambientais. Além disso, dado o já consolidado namoro de Lula com o agribusiness, a candidata terá que continuar mantendo posturas e declarações favoráveis ao setor. No Brasil, visto que os grandes proprietários de terra ainda encontram-se no século XIX em suas práticas e posturas ideológicas, isto significa sempre um crescimento de impactos ambientais negativos. Por outro lado, justamente devido a este presumido aumento de conscientização, além de ser um tema mundialmente em pauta, a candidata oficial terá que, ao menos na aparência, dedicar parte de seu discurso ao tema ambiental.
Então, imagino que ela adotará algumas estratégias. Uma será falar de temas amplos, com pouca oposição, apresentando medidas geralmente genéricas e largamente inócuas. Estamos referindo-nos especificamente ao tema do aquecimento global. A segunda estratégia será distribuir alguns "docinhos" aqui e ali, em temas de menor relevância. O terceiro será usar, a torto e a direito, a expressão "desenvolvimento sustentável", oca de sentido, mas que dá a impressão de poder agradar a todos. Ela vai também usar a política de exaltar os "feitos ambientais do governo Lula", como, por exemplo, a criação de muitos parques sob Marina Silva, a "queda" no desmatamento, as hidrelétricas do bem com o tal do fio d’água etc., prometendo "fazer muito mais, assumindo o protagonismo mundial na questão". Obviamente vai citar muito aquela meta mandrake de reduzir entre 35% e 38% o desmatamento e a meta de redução de emissão de gases de efeito-estufa
Já o principal candidato oposicionista deverá adotar uma tática apenas ligeiramente distinta. Serra também empregará as mesmas três primeiras estratégias, mas, escondendo a face do lobo, procurará usar uma pele de cordeiro e adotar um discurso pretensamente mais "verde". Usará para isto alguns de seus feitos reais, como a adoção de medidas contra o aquecimento antes de Lula, por exemplo, além da confortável posição de franco-atirador. Se lembrarmos que a senadora Kátia Abreu, do ex-PFL, é um dos nomes cogitados para a vice-candidatura, vemos o quão de fachada é e será seu discurso. A senadora está na linha de frente da bancada ruralista no Congresso Nacional e tem repetido algumas das piores posições que este setor vem defendendo no Brasil nos últimos meses.
Resta-nos então quem parecia ser a terceira via, Marina Silva. A senadora, assim que assumir que é candidata, irá usar uma estratégia diferente. Primeiro, procurará enfatizar ao máximo o que conseguiu fazer à frente do ministério (verdade seja dita, lutando contra forças titânicas).
Ressaltará os números de redução do desmatamento, sempre atribuindo os crescimentos a impulsos econômicos e as reduções às suas ações... Ela usará, muito mais ainda do que os outros candidatos, a expressão "desenvolvimento sustentável", algo que tem sido a tônica de suas declarações, justamente por ser oca de sentido e poder ser interpretada de múltiplas formas.
Triste será vê-la usar todo o seu real conhecimento da causa ambiental, mas esquivar-se de posições claras e inequívocas a respeito de temas seríssimos, como as hidrelétricas nos rios amazônicos, em especial Belo Monte. Crendo que terá chances reais, terá que adaptar seu discurso e fazê-lo mais light.
Um ponto poderá ser positivo: quem sabe sua simples presença na disputa, uma personagem ligada umbilicalmente à questão ambiental, irá forçar os outros candidatos a levar mais a sério a questão. Além das críticas que ela fará às posturas dos outros dois candidatos principais, sua candidatura por si só vai forçá-los a posturas talvez um pouco mais ousadas do que gostariam.
Mas, com menores chances reais, ela prestaria um serviço muito maior ao país se realmente rompesse com estas tentativas de discurso dúbio, expusesse a cru nossas mazelas ambientais e tomasse posturas realmente firmes. Perderia as chances, mas talvez colocasse mais ainda os candidatos contra as cordas.
Enquanto isto se desenrola no plano político, no mundo real imagino que poderá haver um aumento de desmatamentos. Como ninguém quer desagradar ninguém em ano eleitoral, a fiscalização poderá ser relaxada, incentivada pelas medidas de anistia de Lula aos desmatadores de ontem, e já renovadas para além do pleito.
Agora voltando ao mais óbvio que acontece todos os anos, imagino ainda que, a confirmar-se esta tendência de um verão extremamente chuvoso, veremos novas catástrofes ambientais, a la Santa Catarina no ano passado. Basta termos uma seqüência de chuvas e uma frente fria estacionada em algum local da Serra do Mar e pronto, nossas ocupações irregulares de encostas irão encarregar-se do resto.
Previsões pessimistas? Nem tanto. Disse acima que a consciência ambiental vem crescendo, e é aí que deposito minhas esperanças. Quando cada vez mais pessoas estiverem realmente conscientes dos problemas e começarem, elas próprias, a mudarem seus comportamentos e atitudes, sem esperar apenas o resultado de ações governamentais e reuniões internacionais espetaculosas, aí sim as coisas tenderão a melhorar. É por isto e para isto que nós nesta coluna escrevemos nossos artigos.
Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é docente da Universidade Federal de Alfenas-MG.
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