Correio da Cidadania


Belo Monte e as eleições presidenciais

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Há uma infinidade de problemas importantes, para todos os gostos, no país e no mundo. Mas a minha perspectiva de ecólogo me indica que a grande marca do nosso tempo é a destruição da maior floresta tropical do planeta, a Floresta Amazônica. As gerações futuras sofrerão as conseqüências desta devastação e uma grande parcela de culpa cairá sobre nós, os brasileiros de hoje, que apesar de termos conhecimento sobre a importância dessas florestas seguimos indiferentes na marcha destrutiva. Escrevo isso tudo para dizer que o ano de 2010 foi absolutamente desastroso para o meio ambiente. Aqui no Xingu foi ainda pior, principalmente pela aprovação da obra de Belo Monte e a derrota da oposição nas eleições presidenciais.

 

Refiro-me especificamente aos resultados das eleições, pois foi Dilma Rousseff, como ministra da Casa Civil que, levando à condição de principal objetivo do governo federal uma obra semi-esquecida, derrotada pelas manifestações dos índios no fim dos anos 1980, nos colocou à beira desta situação catastrófica. Ao contrário do que muita gente boa pensa, não interessa o que ela fez ou deixou de fazer na juventude no tempo da ditadura, nem se ela foi ou não uma boa aluna na Unicamp.

 

O que interessa é que a sua carreira política mais recente foi construída com base em alianças com os articuladores de um dos maiores golpes da história recente do nosso país, que seria a construção dessa barragem no Xingu. Sua relação com o engenheiro gaúcho Valter Cardeal, diretor de Planejamento e Engenharia da estatal Eletrobrás e um dos principais defensores de Belo Monte, vem do tempo em que Dilma era secretária de Energia do Rio Grande do Sul e Cardeal diretor da Companhia Estadual de Energia Elétrica daquele estado. Ele é acusado de todo o tipo de corrupção. Mas seu maior golpe sobre o povo brasileiro ainda está por vir.

 

Dilma foi levada à Casa Civil por indicação do ex-ministro Antônio Palocci, irmão de Adhemar Palocci, que é o atual diretor de Planejamento e Engenharia da Eletronorte, também importante defensor de Belo Monte e também acusado de corrupção. E, passadas as eleições, uma das primeiras decisões de Dilma foi reconduzir Edison Lobão ao Ministério das Minas e Energia. Para quem não sabe, Lobão é o braço direito de José Sarney, o grande mentor de Belo Monte, dentro do governo. É nada menos que o organizador da trupe que comandará toda a corrupção associada à obra faraônica, tecnicamente ruim, injustificada economicamente e um desastre ambiental e social.

 

Por algum tempo acreditei que os escândalos ligados a esta obra poderiam derrubar a candidatura de sua idealizadora. Não aconteceu. Mas havia potencial para tanto. E o Serra sabia disso. Tanto que nos últimos meses de campanha, o momento em que melhor se saiu nas pesquisas foi justamente quando apontou a corrupção no caso de Erenice Guerra, a substituta de Dilma na Casa Civil, e que levou as eleições ao segundo turno. Aquele ministério virou um balcão de negócios escusos. Mas o maior de todos os planos que armaram foi justamente o projeto Belo Monte. Serra chegou a ensaiar algumas críticas à obra, mas que infelizmente não foram direcionadas à essência do projeto, mas sim à sua condução.

 

Nesse sentido, o posicionamento mais inteligente foi o de Plínio de Arruda Sampaio, que no debate da Rede Bandeirantes foi claro e direto: "Nós somos contra Belo Monte porque ele é um absurdo econômico". Marina Silva, como sempre, se acovardou, enrolou ou passou ao largo do debate.

 

Na manhã do dia 4 de outubro, com 99,99% das urnas apuradas, e já sabendo que haveria segundo turno, parte dos 0,01% das urnas faltantes estava aqui na Volta Grande do Xingu – região habitada por povos indígenas e por uma gente que veio para essa região na década de 1970 com a abertura da Rodovia Transamazônica, que fez a sua vida plantando em suas roças de cacau. E que com a com a construção da usina seriam transferidos sabe-se lá para onde. Brasileiros dos mais isolados e que por isso têm o poder de adiar o término das apurações, mas que, infelizmente, não têm força nenhuma sobre o resultado final das urnas.

 

A essa altura eu ainda tinha alguma esperança de que o escândalo de Belo Monte pudesse mudar as eleições no segundo turno. Na TV, a campanha da Dilma escondeu totalmente a obra. Ela nem era citada no horário político. O processo de licenciamento ambiental parou por uns meses para que o assunto esfriasse. No debate de 17 de outubro, na Rede TV, Serra citou rapidamente Cardeal e o irmão do Palocci. Mas infelizmente foi muito sutil, porque a barragem não foi abordada diretamente.

 

Será que alguém entendeu direito a questão da Erenice na Casa Civil? E exatamente qual era a denúncia de Serra contra Valter Cardeal? E o que uma coisa tem a ver com a outra? Se entenderam, foram poucos, porque não foi citado o grande fato que os une, que é Belo Monte. E por que o problema de Belo Monte não foi citado pelo candidato do PSDB? Para não desagradar aqueles que pensam que toda obra de engenharia, todo projeto, deve ser executado independentemente de qualquer coisa.

 

Todas as obras do PAC serão executadas, José Serra afirmou categoricamente no horário eleitoral. Certamente ele também não queria entrar em conflito com os políticos locais do seu partido, que lutavam pela reconquista do governo do estado. Esses políticos são todos, sem exceção, barrageiros, uma vez que estão ligados aos pequenos negócios locais.

 

Serra veio a Altamira. Quando eu soube que viria a esta cidade antevi o desastre. Até então ele estava indo bem com as críticas a Belo Monte (apesar de muito sutis e focadas apenas em parte do problema). Mas como poderia ser coerente com as críticas que fizera estando ao lado de gente como o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), que defende explicitamente o desmatamento, dizendo que, uma vez que desmatamos mais de 90% da Mata Atlântica, os paraenses poderiam fazer o mesmo com seu pedaço da Amazônia?

 

"Serra promete resolver problemas de Belo Monte, mas não diz como", foi a manchete que ficou em relação a esta visita. E, diga-se de passagem, os seus pretensos aliados locais, no final das contas, ainda o abandonaram, não queriam seus nomes associados a ele, excluíram-no das propagandas, e veladamente fecharam com a Dilma.

 

Nas urnas que funcionaram na UFPA de Altamira, Serra venceu com boa margem. Eu soube que no Parque Indígena do Xingu ele também ganhou de lavada. Mas não foi o suficiente. O que une Sarney, Erenice e Cardeal? Belo Monte. Faltou explicar. Ninguém entendeu. Perderam-se as eleições.

 

Há quem diga que as relações entre os políticos e seus orçamentos milionários de campanha com as empreiteiras são tão estreitas que tanto faz Dilma ou Serra eleita(o); tentariam avançar com a obra do mesmo jeito, para atender a esses interesses. Sem dúvida, teríamos mais chances contra alguém que não é tão visceralmente ligado à idéia.

 

Mas de fato nunca saberemos. E agora, esta luta está perdida? Prefiro pensar que não, mesmo porque isso só nos paralisaria. Mas não há dúvida de que 2011 será um ano difícil. Um dos mais duros dos últimos tempos por aqui.

 

Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é professor da UFPA (Universidade Federal do Pará) e faz parte do Painel de Especialistas para a Avaliação Independente dos Estudos de Impacto Ambiental de Belo Monte.

 

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