2011: um ano para se esquecer?
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- Rogério Grassetto Teixeira da Cunha
- 04/01/2011
Ano passado, o prognóstico anual desta coluna analisou o que parecia o principal elemento do ano que entrava, as eleições. Depositava então esperanças em Marina Silva em termos de influência no peso das questões ambientais nas eleições. Errei. Embora tenha sido a grande vedete das eleições, mostrou-se titubeante em vários aspectos cruciais (como a falta de uma crítica inequívoca e contundente a Belo Monte) e abusou do emprego de lugares comuns e expressões vagas. Por isto, contrário a muita gente, não creio que fará muita diferença neste ano, embora certamente será convocada pela mídia a palpitar sempre que isto mostrar-se um oportunidade de cutucar Dilma.
Neste exercício prognóstico, tentarei fugir do óbvio. É chover no molhado, literalmente, dizer que haverá vários locais ao longo da costa entre Santa Catarina e Espírito Santo que sofrerão com chuvas torrenciais, ainda mais em ano de La Niña. Elas acontecem todo ano e só servem para nos escancarar a estupidez de políticos ligados ao agronegócio que querem destruir o Código Florestal, confirmando que a mata cumpre serviços ambientais importantíssimos ao homem. As eternas queimadas de agosto a novembro, que acontecem todos os anos (mas cada vez estendendo-se mais), também mostrando como queimamos nosso futuro, ao enxergarmos apenas o lucro de amanhã, tampouco merecem que gastemos o tempo do leitor. No geral, o que mais me preocupa no cenário nacional de curto prazo são dois duros golpes que o meio ambiente poderá sofrer: o início da construção da hidrelétrica Belo Monte e a desconstrução do Código Florestal.
Quanto ao primeiro, nesta coluna e em diversos veículos de comunicação alternativos (e outros nem tanto) já foram escritos inúmeros artigos mostrando a inviabilidade técnica, financeira, ambiental e social da obra. Isto fora todos os meandros de corrupção que a envolvem. Seguiremos criticando e batalhando com nossas armas limitadas contra a obra e ainda temos esperança. Mas racionalmente sabemos que será muito difícil conter esta insanidade. Dilma Roussef é a principal mentora por trás da ressuscitação da obra (que, creio eu, seria reavivada ou tocada por Serra também, e Marina no máximo conseguiria empurrá-la com a barriga por algum tempo). Diversos dos co-autores deste crime contra a humanidade (incluindo parcelas do PMDB, o grande vitorioso das eleições) ocuparão cargos no futuro governo. E a obra interessa a muita gente.
Tenho visto que o movimento articulado contra a usina ainda não conseguiu galvanizar forças internas e estrangeiras suficientes sequer para arranhar a obra, mesmo com James Cameron e Sigourney Weaver dando uma forcinha. E a despeito da tramitação do licenciamento ter claramente sido feita com diversos elementos ilegais. Pelo que tenho visto, a resistência à usina não conseguirá atrapalhar o início das obras. E a opinião pública brasileira não se sensibilizará, pois o contra-argumento falso de que será bom para o desenvolvimento do país ainda cola com a maioria. Uma parcela ínfima da opinião pública internacional poderá até esbravejar um pouco, mas Dilma ainda surfará na boa imagem internacional que o Brasil goza atualmente. Tenho esperança em algum elemento surpresa, que consiga reunir mais forças em uma última tentativa e, quem sabe, adiar o cronograma da obra.
Internamente, que Dilma não conseguirá manter a popularidade de Lula parece certo. Mas não creio que isto afetará o andamento da obra. A grande imprensa certamente baterá duro no atacado, e ela não conseguirá resistir tão bem, posto que não tem o carisma de seu cabo eleitoral. Mas, como a imprensa também é comprometida com interesses econômicos aos quais a obra interessa, não fará deste aspecto específico um ponto de ataque. Deixará sair nas páginas um ou outro artigo mostrando alguns aspectos negativos. Mas será só. Infelizmente.
O segundo aspecto é algo que, racionalmente, penso que as chances de sucesso são maiores, mas emocionalmente prefiro ficar cauteloso. Faz cerca de dois anos que o agronegócio politicamente articulado começou uma campanha mais forte contra o Código Florestal, com ataques em diversas frentes. Basicamente, querem mais liberdade para desmatar. As palavras usadas são bonitas: fala-se em flexibilização, substantivo da moda, em necessidade de plantar alimentos (como se os ambientalistas fossem meninos maus, contra gerar comida aos famintos), em inviabilidade de expansão do setor (como será que ele tem crescido tanto nos últimos anos??!!) e outras balelas que até convencem os mais incautos. Mas que carecem de qualquer substância.
Nesta luta, as ONGs e a sociedade civil têm mostrado maior poder de articulação, conseguindo frear diversas das tentativas de ataque. E os acadêmicos recentemente se juntaram às fileiras mostrando, em simpósios e diversos artigos científicos, que vários dos argumentos utilizados são completamente ocos. Têm demonstrado ainda que as mudanças pretendidas seriam um duro golpe contra a biodiversidade brasileira, com a extinção de inúmeras espécies e a depauperação geral dos ecossistemas. Mais, as mudanças (como de resto dito há muito tempo) teriam conseqüências negativas no longo prazo para o próprio agronegócio (e também sobre outras atividades humanas), pela perda de inúmeros serviços ambientais que a natureza nos presta de graça (por exemplo, regulação climática e hídrica, polinização, estabilidade de solos, controle de pragas, entre diversos outros).
Há quem diga que o Código é tão desrespeitado (o que é verdade), que a luta não teria maiores conseqüências concretas. Discordo. Primeiro porque as tentativas de mudança incluem anistia contra criminosos. Segundo, porque é como dar carta branca a quem está só esperando a deixa. Seria como diminuir a pena por roubo, por exemplo. Terceiro, porque não julgamos as regras apenas pelo seu grau de descumprimento, mas sim pela sua pertinência e relevância. E, por último, as mudanças podem disparar mais degradação em zonas já historicamente muito depauperadas, como todo o Centro-Sul Brasileiro.
Prova de que não devemos esmorecer é que, recentemente, os deputados ruralistas tentaram, no apagar das luzes, dos mandatos e do ano, acelerar a tramitação das mudanças no Código. Não conseguiram, mas isto sinaliza que continuarão tentando e de todas as formas possíveis. Temos que ser cautelosos. Muito. A combinação de forças dos dois governos de Lula permanece aproximadamente a mesma com Dilma. E neste eclético caldeirão encontra-se a bancada ruralista, com quem Lula namorou durante seus oito anos. Dilma prosseguirá com o noivado. É certo que tais táticas serão empregadas.
Foquei muito este artigo perspectivo em dois temas caseiros. Na esfera internacional, o tema que mais atrai as atenções é o aquecimento global. Mas vou deixar este tema de lado. Já estou muito descrente das Conferências das Partes, que têm mostrado muito pouco avanço. Cada vez mais são eventos espetaculosos, caros e em locais bonitos, servindo mesmo para quase nada. Tudo indica que a COP 17 na África do Sul será a mesma coisa. Torço e luto para que meu título esteja errado.
Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é docente da Universidade Federal de Alfenas-MG.
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