A Terra em risco iminente
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- Rogério Grassetto Teixeira da Cunha
- 30/06/2007
“Emissões recentes de gases do efeito estufa colocam a Terra perigosamente próxima de mudanças climáticas dramáticas que poderiam fugir de controle, com graves perigos para os seres humanos e outras criaturas”. Não, a notícia acima não faz parte de um panfleto de algum grupo ambientalista. Na verdade, é o alerta de um estudo científico publicado no conceituado periódico “Philosophical Transactions of the Royal Society” por seis especialistas dos EUA e divulgado para o grande público pelo jornalista Steve Connor no jornal britânico “The Independent”.
No artigo, os cientistas (quatro do Instituto Goddard para Estudos Espaciais, da Nasa, e os outros dois de prestigiosas universidades norte-americanas) analisam dados de climas do passado geológico da Terra, de mecanismos de alterações bruscas do clima, da emissão de gases causadores do efeito estufa e chegam a conclusões alarmantes. Eles acreditam, por exemplo, que a elevação do nível do mar até 2100 poderá ser de vários metros, ao invés dos 40 centímetros previstos no relatório do Painel Inter-governamental sobre Mudança Climática (IPCC) - os quais, aliás, já causariam grandes problemas em regiões costeiras. Em outras partes do texto, algumas lembranças algo desconfortáveis: mudanças dramáticas do clima da terra já ocorreram diversas vezes e estão ligadas a extinções; uma dessas mudanças envolveu aquecimento global, liberações extensivas de carbono para a atmosfera e um processo de extinção em massa.
Mas, perguntará o leitor, já não constava do tal relatório do IPCC, elaborado por uma enorme equipe de cientistas, que a temperatura do planeta vai aumentar, que o nível do mar vai subir e que eventos climáticos extremos como secas, inundações, temperaturas recordes e vendavais serão mais freqüentes e intensos? Sim, mas este artigo mostra que não há unanimidade quanto à magnitude dos efeitos. O pior é que as vozes discordantes (de respeito) prevêem efeitos mais catastróficos que aqueles geralmente aceitos.
Por isto, os pesquisadores não economizam nos adjetivos. “Perigo iminente”, “mudança climática dramática” e “cataclismo” são algumas das expressões empregadas no artigo. Repita-se, aquele é um texto científico publicado em uma revista internacional, ou seja, rigorosamente avaliado ponto a ponto por qualificados cientistas da área atuando como revisores anônimos, e não um manifesto de ambientalistas convictos e apaixonados (como os autores desta coluna). Os autores referem-se especificamente à possibilidade de derretimento generalizado nas gigantescas coberturas de gelo da Groenlândia e da Antártica, causado por alguns mecanismos de “feedback positivo” (termo que se refere a situações nas quais um determinado processo gera conseqüências que estimulam este mesmo processo, e assim sucessivamente, numa espécie de espiral crescente, um efeito cascata), os mesmos responsáveis por pelo menos uma das mudanças catastróficas anteriores, acreditam eles.
Acontece que aquelas regiões abrigam uma quantidade inimaginável de gelo. E é por isso que os tais cientistas não estão para brincadeira. Simplesmente sugerem que, a continuarmos do jeito em que estamos, a própria civilização está em risco real. Ao lembrar que as mudanças produzirão um planeta diferente (pior) daquele em que a sociedade se desenvolveu e no qual a nossa infra-estrutura foi construída e que o desenvolvimento da sociedade e da infra-estrutura ocorreu sob um clima bastante constante, sugerem que podemos não estar preparados para o que está por vir.
Mas antes de nos desesperarmos, enfatize-se que ainda há esperanças, embora o relógio esteja andando rápido e não vá esperar. E o que eles sugerem? Medidas draconianas (segundo palavras do líder da pesquisa, em entrevista ao jornalista britânico) para reduzir a emissão de CO2 e as influências de outros gases do efeito estufa (metano e óxido nitroso principalmente). Sugerem ainda que talvez devêssemos empregar também meios de extrair estes gases da atmosfera, por meio, por exemplo, de sua captura em termelétricas e armazenamento. Injeção de CO2 abaixo do assoalho oceânico também é mencionada. Segundo os cálculos deles, o limite da quantidade de gás carbônico na atmosfera antes que os mecanismos de “feedback” fossem acionados de forma praticamente irreversível seria de 450-475 ppm (partes por milhão), sendo que já passamos de 380 e a taxa não pára de crescer. Para se ter uma idéia, o valor anterior à revolução industrial situava-se em torno de 280 ppm, cresceu para 300 por volta de 1918, pulou para 326 em 1970, ultrapassou os 350 na década de 80 e tem crescido constantemente.
O que a humanidade fará a respeito deste e de outros avisos igualmente sérios que vêm sendo continuamente feitos pelos cientistas vai determinar o futuro da vida no planeta (ou de parte dela).
Há vários caminhos que podem ser seguidos. Um é desqualificar os cientistas, tentar encontrar brechas nos argumentos ou tentar provar que há outras interpretações possíveis dos dados. Este é o caminho adotado por algumas empresas petrolíferas que estão financiando estudos que apontem falhas no relatório do IPCC. E é conveniente para quem quer seguir o resto dos seus dias com o mesmo padrão de consumo a que está acostumado e sem sofrer de culpa por isto.
Outro é acreditar, meio cegamente e com pouco fundamento, que conseguiremos resolver o problema com base em uma crença genérica e difusa na capacidade humana de solucionar suas dificuldades por meio da tecnologia.
Este parece ser o posicionamento de parcela da mídia brasileira, com alguns veículos, como o jornal “O Estado de São Paulo”, por exemplo, adotando uma perspectiva dúbia sobre o tema, ora informando, ora criticando levemente, ora recorrendo a tal crença. É o popular “um no cravo, um na ferradura”. Também é conveniente para o consumidor convicto da necessidade de seus hábitos.
Um terceiro é reconhecer que há um problema sério, mas, acreditando que ninguém nem governo algum farão nada de significativo para resolvê-lo, não ligar para nada e agir o mais egoisticamente possível. É a tática avestruz.
Por fim, pode-se agir para reverter o problema em longo prazo, tanto em nossas vidas particulares quanto cobrando atitudes mais firmes e radicais de nossos líderes. Cada um escolha a sua. Em jogo: o futuro de nossos descendentes e da nossa espécie.
Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews.
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