A SBPC no vazio científico da Amazônia
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- Rodolfo Salm
- 13/07/2007
A falta de investimentos em pesquisa científica na Amazônia foi a principal denúncia da 59ª reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que aconteceu de 8 a 13 de junho em Belém, e cujo tema foi “Amazônia: Desafio Nacional”. No discurso de abertura, o então presidente da sociedade científica, Ennio Candotti, lamentou que 70% de toda a produção científica sobre a Amazônia seja publicada por pesquisadores estrangeiros em revistas estrangeiras. Mas deixou claro que esta não deveria ser vista como uma observação xenofóbica, dada a irrelevância da especificidade da nacionalidade do pesquisador. O que interessaria de fato é que estivessem efetivamente trabalhando na Amazônia junto a instituições de ensino e pesquisa nacionais. “Melhor seria se 70% desta produção de conhecimento fossem feitos no Brasil, e os outros 30% por instituições de fora”, completou, ao clamar pela multiplicação acelerada do número de cientistas nesta região. Candotti observou ainda que, apesar de todo o debate recente sobre a importância da região, o peso que ela tem hoje no panorama da pesquisa científica nacional é o mesmo dos anos 1980.
Fora isso, é impossível fazer um apanhado geral do encontro no espaço deste artigo, dada a sua magnitude. Aproveitando-se da estrutura metálica do hangar do antigo Parque da Aeronáutica, e recortado por um magnífico jardim e um espelho d’água salpicado de aningas e vitórias-régias, o recém inaugurado Centro de Convenções da Amazônia (um dos maiores e mais modernos do país), foi visitado diariamente por milhares de pessoas. Circulando por centenas de conferências, simpósios, debates, grupos de trabalho e mini-cursos (muitos deles simultâneos), lembravam passageiros no saguão e salas de embarque de um aeroporto internacional. Assim, se eu conseguir reproduzir uma ínfima parte do que foi dito, acho que já terei cumprido, por esta semana, com minha obrigação junto com os leitores desta coluna. Para tal, selecionei a palestra do professor Charles Roland Clement (estudioso de um assunto que considero interessantíssimo, que é o processo de domesticação da única espécie de palmeira neotropical domesticada, a pupunha, cujos frutos muito nutritivos são importantes produtos de subsistência e cujo cultivo para a produção de palmito é um agronegócio em expansão), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). O professor Charles Clement dissertou sobre as várias formas de se valorar uma floresta:
Antes de tudo, há o valor econômico, que é a manifestação direta dos produtos da floresta no Produto Interno Bruto do país. É a única valoração universalmente aceita, e no caso da floresta amazônica não é lá grandes coisas. Apesar da Amazônia corresponder a mais da metade da área do Brasil, a região contribuí com apenas 7% do PIB nacional e descontando-se a agropecuária, a mineração e a exploração madeireira, economias baseadas em produtos florestais não-madeireiros como a da borracha, da castanha e mesmo do açaí (um recente, e possivelmente único, caso de grande sucesso de produto florestal), corresponderiam a ínfimos valores, depois da vírgula e alguns zeros.
Por outro lado, o valor dos “serviços ecológicos” prestados pela floresta amazônica é altíssimo e mais difícil (mas não impossível) de ser colocado em números. Por exemplo, um destes serviços seria o fornecimento de várias das chuvas que caem sobre o estado de São Paulo, decorrentes de mecanismos de circulação atmosférica ligados à transpiração da floresta. O professor Clement observou que a Amazônia, se não é o “pulmão do mundo”, é certamente o “ar-condicionado”, “pelo menos da América do Sul” (parênteses meu: em tempos de aquecimento global não é prudente detonar o ar-condicionado por mixaria como a indústria madeireira ou os interesses dos sojicultores do Mato Grosso). Uma característica dos “serviços ecológicos” é que todos se utilizam deles (de forma desigual, é claro), mas ninguém paga por isso. O professor citou ainda um artigo de Robert Constanza, da Universidade de Maryland, EUA, e colaboradores, publicado na revista Nature. Nele, os autores calculam o valor dos principais serviços ecológicos prestados pelos grandes ecossistemas componentes da biosfera em 33 trilhões de dólares por ano (isto mesmo, não houve erro de digitação), enquanto o produto interno bruto global era de US$ 18 trilhões. Ou seja, concluiu o professor Clement, o “mercado” não tem como dar conta da problemática ecológica.
Há ainda o valor estético, relativo ao prazer de observar, ou de simplesmente saber, da existência e continuidade da natureza preservada, que nem todos apreciam da mesma forma, mas novamente ninguém paga por ele. E o valor ético, pois a floresta não pertence somente a nós, mas também às gerações futuras que precisarão dela para sobreviver. Além desta visão antropocêntrica (natural), felizmente hoje é amplamente aceito que todas as espécies têm o direito inato de existir independentemente de terem ou não qualquer utilidade, de modo que a sua extinção pelos desmatamentos é um crime em si.
Finalmente, há o “valor das oportunidades”, relativos aos “muitos milhões de dólares” que podem ser ganhos no futuro com a sua preservação a partir de utilizações que ainda não são possíveis por falta de conhecimentos técnicos e científicos, como, por exemplo, a cura de várias doenças que pode estar escondida em alguma espécie vegetal ou animal sem que saibamos disso. O professor chamou a atenção para mais uma contradição: se a região amazônica corresponde a 59% do território brasileiro, tem 12% da população e 7% do PIB, por que recebe apenas 4% dos investimentos federais para suas universidades e institutos de pesquisa?
A CAPES comemorou recentemente a meta de formação de 10 mil doutores, por ano, em todo o país. Mas sete mil terminaram o ano desempregados. A região amazônica tem hoje pouco mais de dois mil doutores atuando em universidades e institutos de pesquisa, enquanto que a SBPC defende que este total deveria ser, pelo menos, dez vezes maior. Infelizmente, sou testemunha da imensa dificuldade de estabelecer-se academicamente na Região Norte nas atuais condições. Por exemplo, no início deste ano tive uma bolsa de pós-doutorado do CNPq não-renovada, não por problemas de mérito pessoal ou do projeto, mas simplesmente porque a pós-graduação do departamento de botânica do museu Goeldi, relativamente nova, ainda não atingiu os níveis de produtividade exigidos (de acordo com a avaliação da CAPES), para que seus pós-doutorandos tenham o direito a pleitear um segundo ano de bolsa, como acontece na USP, UNICAMP ou UFRJ. Casos similares a estes são comuns na região. É, sobretudo, para o “valor das oportunidades” que estiveram voltadas as maiores preocupações dos participantes deste encontro da SBPC. Esperamos que não se torne rapidamente demais o “valor das oportunidades perdidas”, pois, nas instituições de pesquisa da Amazônia, estamos praticamente paralisados diante da tarefa homérica de estudar e preservar a biodiversidade, principalmente pela falta de recursos humanos.
Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi.
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