Correio da Cidadania

Antropóloga lança livro com mitos do povo indígena Madja

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Foto: Rose Padilha/ arquivo pessoal

Com o título Ima Bote Madjacca: Mitos Madja, a antropóloga Rosenilda Nunes Padilha (Rose) lançou um livro com mitos do povo Madja (também conhecidos por Kulina). O livro foi todo escrito em língua Madja e em português. Para tanto, contou com a participação dos próprios Madja: Zuao Kulina, Jacinami Kulina, Macari Kulina, Dsomo Kulina e contou ainda com importantíssima contribuição de Walter Sass, antropólogo missionário que viveu por vários anos com os Madja. O livro foi publicado pelo Cimi - Conselho Indigenista Missionário, Regional Amazônia Ocidental.

Em clima de muita festa o lançamento ocorreu na Aldeia Estirão, no Rio Eirú, no município de Eirunepé no Amazonas durante assembleia do povo. Rose, como prefere ser chamada, fez questão de fazer o lançamento na própria aldeia como parte de um projeto que visa valorizar a cultura Madja e promoção da autoestima do povo que passa por uma crise de desestrutura social.

Em entrevista exclusiva para o Pravda.ru, a antropóloga fala sobre a luta do povo e sobre seu trabalho junto ao povo. Leia a seguir.

Qual tem sido seu trabalho junto ao povo Madja?

Nos últimos anos tenho priorizado viagens ao povo Madja. É nas aldeias que ouço os seus clamores, pedem a retomada de assembleias e reuniões com eles. Pedem uma equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Conselho de Missão entre os Índios (Comin) na região do Médio Juruá, especificamente na região de Eirunepé. Esse povo passa por dificuldades, apesar de ter em torno de 150 anos de contato com a nossa sociedade, eles nunca assimilaram o capitalismo de nossa sociedade. São 100% falantes de sua língua materna. Mulheres e crianças não sabem falar português.

Quando vêm a cidade não se misturam com os “não índios”, ficam acampados no outro lado do rio nas beiras dos barrancos. Argumentam que perambulam na cidade em busca de tirar seus benefícios sociais. Não conseguem ter acesso porque os comerciantes retêm os seus cartões de benefícios e sacam o seu dinheiro. Os Madja não tem muita familiaridade com os números. Na visão Madja, eles contam somente até três.

“Eles argumentam que ninguém lhes escuta quando encaminham as suas demandas, preferem ingerir álcool, e depois de ingerir têm coragem de colocar corda no pescoço” afirma Tunumam Kulina. Outra denuncia feita por Tunumam que na cidade de Envira (AM), quando estão deitadas no chão as pessoas urinam em suas cabeças. Dali é um pulo para o suicídio.

Eu ainda estou aprendendo a trabalhar com os Madja, aprendendo a língua, a história e a cultura desse povo. Entender a organização deles entre si é fundamental. Em cada aldeia que chego dos Madja aprendo algo novo. Admiro pela sua capacidade de não colocar alumínio na cobertura de suas casas. Sempre digo que sou uma privilegiada, por eles permitirem a minha entrada no meio deles. Participar da sua vida, de suas realidades de exclusão, marginalização e sofrimento. A convivência com eles tem sido um momento de muita escuta, partilha de vida e das esperanças desse povo.

Como surgiu a ideia de publicar um livro sobre os mitos Madja?

Conversando com Walter Sass, alemão de nascimento, brasileiro de coração. Walter é pastor ligado à igreja luterana. Depois de três papos diretos sobre a situação desse povo, sua espiritualidade, seu ethos Madja, chegamos a conclusão que era necessário fazer algo, além das assembleias, além das reuniões. Era necessário fazer algo que mexesse com a memória coletiva do povo. Quando se fala de Tamaco e Quirá, dois grandes irmãos e seres mitológicos que criaram esse povo. Quirá é o mais extrovertido sempre descobrindo algo novo. Nessa espiritualidade aparece Massosso, os Madja tem medo dela.

Eles têm uma espiritualidade muito forte. Então surgiu a ideia de se trabalhar o livro. É uma construção coletiva de vários autores. Eles ficaram contentes com o lançamento do livro na assembleia deles. Vamos lançar em outros momentos também no Rio Purus, como também em São Bernardo no Peru.

Quais as maiores dificuldades enfrentadas pelos Madja?

O abandono do puder publico. Nas aldeias da região de Eirunepé, não há escolas, não há professores contratados, nem material didático, formação de professores, nada. Alegam que não conseguem ter acesso ao cartório para tirar documentos. Quando chegam nas repartições públicas não há um interprete que possa auxiliar. Reclamam também da Sesai que no quadro de funcionários a maioria nem sabe quem é o povo Madja, o interesse maior é o salário.

Argumentaram a invasão de seus territórios, no Boca do Igarapé Piranha, afirma Zuila Kulina que “jogam bombas e matam os peixes de todos os tamanhos”. Argumentam também a ausência do Cimi e Comin na região. Antes essas entidades viviam com eles, auxiliando nas suas demandas. “Nós fizemos a auto demarcação de nosso território com apoio do Cimi e Comin”, afirma Macari em tom de desabafo.

Quais as saídas você vê para que o povo Madja supere essa crise que está vivenciando neste momento?

Alguns passos já estão sendo dados. Em meados de 2021, foi criada uma rede em prol da vida Madija. Faz parte dessa rede muitas entidades, como O Ministério Público Federal, Conselho Indigenista Missionário, Secretaria Especial de Atenção à Saúde de Saúde (Sesai), Fundação Nacional do Índio (Funai). É um espaço de discussão, socialização e aprendizagem. Porém ainda é muito pouco diante dos problemas deles. É necessário e urgente uma campanha em prol da vida Madija. Uma campanha de cidadania para que eles possam ter acesso aos seus documentos.

Defendo uma equipe composta pelo Cimi e Comin para que possam atuar na região e ajudar os Madija auxiliando em suas demandas, concepção e prática. Sei que é difícil encontrar pessoas e recursos, mas não é impossível, se tem uma região que os indígenas que estão bem, caminhando com suas próprias pernas, por questão de justiça social, devemos fortalecer os trabalhos em região de maior vulnerabilidade social.

O que você diria para a sociedade em geral?

Crescer com as diferenças. “Somos responsáveis pelas injustiças sociais que acontecem em nosso meio.” Cada comerciante deve devolver os cartões dos Madja. O poder público tem que atuar, pois, ter acesso a educação, a documentos e à vida, enfim, é um direito do povo.

A entrevista foi publicada originalmente no site Pravda.Ru e tem a autorização da autora para publicação no Correio da Cidadania.

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