Correio da Cidadania

COP-27: Brasil volta ao jogo geopolítico global

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Marcio Astrini (@MarcioAstrini) / Twitter
Marcio Astrini / Arquivo Pessoal

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, pediu cooperação financeira e, em contrapartida, prometeu “neutralização climática” do Brasil em conferências do clima. No entanto, desde quando assumiu o poder em janeiro de 2019, organizações governamentais e ambientalistas denunciam o negacionismo de Bolsonaro, a recusa em demarcar terras indígenas com suas promessas de abri-las para exploração por madeireiros e mineradores, entre outras violações dos direitos humanos e demais crimes ambientais, além do desmantelamento das estruturas de fiscalização, como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis (Ibama), da legalização da grilagem, da posse indiscriminada de terras públicas, entre outros abusos.

Em 2021, durante “A Cúpula de Líderes” sobre o combate às mudanças climáticas, convocada por Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, um grupo de 36 artistas do Brasil e Estados Unidos publicou uma carta pedindo que Joe Biden rechaçasse qualquer acordo climático com o governo Bolsonaro. “Instamos o seu governo a escutar o nosso chamado – que não firmem nenhum acordo com o Brasil neste momento”, diz a carta aberta das celebridades, como o ator Leonardo DiCaprio, a estrela pop Katy Perry e os músicos Caetano Veloso e Gilberto Gil.

Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima e membro pleno do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, em entrevista, nos esclarece o que está em jogo no cenário da geopolítica ambiental com a Conferência sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU) que aconteceu na cidade de Sharm el-Sheikh, no Egito, de 6 a 18 de novembro de 2022.

Eis a entrevista:

Gostaríamos de saber mais sobre você, sua carreira e objetivamente quais são as diretrizes de seus projetos.

Sou ativista social e político no Brasil há muitos anos. Iniciei minha atuação no movimento estudantil. Dentro da área ambiental, comecei a trabalhar no Greenpeace, onde fiquei por mais de 13 anos, cuidando da agenda de clima e de Amazônia. Fui coordenador da campanha Amazônia e de políticas públicas. Além disso, sou membro do pleno do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Fiz parte da coordenação do Observatório do Clima (OC) por alguns anos e, em 2020, assumi a secretaria executiva.

A diretriz principal do OC é ser uma rede de trabalho de organizações da agenda socioambiental e climática no Brasil. Nosso maior objetivo hoje é fazer com que o país se torne, até 2045, um exemplo positivo na agenda de clima do mundo, sendo a primeira grande economia carbono negativo. Temos um projeto para isso, e esse é um dos pontos que une essa rede de trabalho, que conta com 78 organizações da sociedade civil.

Qual a situação atual de proteção do meio ambiente e das florestas no Brasil?

A pior possível: temos o pior governo para a área ambiental do Brasil. Todos os números da agenda socioambiental degringolaram nos últimos quatro anos. O desmatamento da Amazônia cresceu 73%; o do Cerrado, 17%. As invasões de áreas indígenas mais do que dobraram no período Bolsonaro. O atual governo promove o sucateamento da capacidade do Estado brasileiro de combater o crime. O Brasil aumentou emissões de gases a efeito estufa e diminuiu seus compromissos no Acordo de Paris. O país tem uma pessoa que se declara inimigo do meio ambiente ocupando a cadeira da Presidência da República.

Com o governo Bolsonaro, o crime ambiental tomou o Poder Executivo no Brasil e governou o país. É o pior dos cenários. Isso se percebe em número e em comportamentos. Além de produzir tragédia, é um governo que nega as alterações de clima e nega os números ruins que ele mesmo produz. Em suma, há crise de número, resultado e comportamento.

O governo Bolsonaro se escuda na defesa da soberania para criticar países que se manifestam sobre a destruição da floresta amazônica. Como as demais nações podem contribuir com a defesa desse patrimônio sem que o Brasil se sinta ameaçado?

O governo brasileiro usa o argumento de soberania para tentar justificar atrocidades que realiza na agenda ambiental. Porém, ao gerar a catástrofe ambiental é o próprio governo que coloca a soberania do país em risco. Soberania não se reclama, se exerce. No caso da Amazônia, o exercício da soberania é ter governança sobre a região, mas o governo entregou a região para o crime ambiental. Na boca de Bolsonaro, soberania não passa de uma palavra vazia. Temos muita ajuda internacional por meio de pressão de políticos e de tomadores de decisão. Um exemplo disso é quando investidores enviam cartas e alertas para políticos brasileiros, para que não aprovem leis de retrocessos ambientais.

Além disso, também há apoio da cooperação internacional com populações que são alvo de ataques do governo Bolsonaro, principalmente, populações indígenas, hoje ameaçadas no Brasil por proteger o meio ambiente e a floresta. A cooperação internacional sempre foi importante ao longo da história e é ainda mais em um momento como o que estamos vivendo.

O país tem algum projeto para reverter a situação atual?

O país tem projetos para reverter todo o estrago cometido por Bolsonaro. Sua derrota eleitoral foi condição-base para qualquer reversão do quadro atual. Nós do OC escrevemos um documento, o Brasil 2045, para a agenda de recuperação ambiental do Brasil. Ele é dividido em duas partes. A primeira conta com 72 propostas para serem implementadas nos primeiros 100 dias de governo Lula, de maneira a desfazer o legado de destruição de Bolsonaro. Temos também 74 propostas para os dois anos iniciais do próximo governo, de modo que o Brasil seja reconduzido para o lado correto e positivo da agenda de clima. Esse documento é público e foi entregue para os demais candidatos a presidente (https://www.oc.eco.br/wp-content/uploads/2022/05/2045-EN%E2%80%94VF.pdf).

O Brasil é o quinto maior emissor de gases de efeito estufa do planeta. As metas no Acordo de Paris são suficientes para diminuir as emissões brasileiras? E o país caminha para cumpri-las?

O Brasil é o 5º maior emissor do mundo e o 4º maior emissor histórico. Temos um dever e um setor a ser atacado de forma principal, isto é, precisamos zerar o desmatamento da floresta. Mesmo que inexistisse o problema de clima no planeta. O desmatamento traz prejuízos para o país, para o equilíbrio climático local e prejuízos sociais, uma vez que causa pobreza e miséria e não contribui com o desenvolvimento. Com o fim do desmatamento, conseguiremos cortar quase metade das emissões nacionais.

O OC tem uma visão de potencial do Brasil de redução de gases de efeito estufa, que poderia levar a um corte de 81% na linha base de emissões de 2005. Hoje, o governo tem uma meta de um pouco mais do que a metade dessa proposta do OC. Acreditamos que o Brasil pode avançar mais, principalmente na área de energia, agricultura e desmatamento. As duas últimas compõem a maior parte das emissões brasileiras de GEE.

Como o resultado da eleição pode impactar a proteção do meio ambiente e das florestas?

Foi essencial para começarmos qualquer mudança. Caso Bolsonaro fosse reeleito, o Brasil caminharia para aumentar ainda mais o desmatamento, suas emissões e se afastar dos objetivos do Acordo de Paris e de qualquer agenda positiva de clima. Um novo mandato do governo Bolsonaro poderia significar a entrada da Amazônia no seu ponto de colapso, o que colocaria os próprios objetivos de 1,5ºC do Acordo de Paris em risco.

Portanto, as eleições foram importantíssimas para o Brasil voltar a ser um ator positivo na agenda ambiental e de clima, e sair da linha da destruição climática, cenário estabelecido desde que Bolsonaro assumiu a Presidência da República. As eleições para o Parlamento também são extremamente importantes, uma vez que o Poder Legislativo tem uma parcela relevante nas decisões a serem tomadas. Dito isso, a eleição brasileira diz respeito a consertar os problemas internos do país, mas também foi central para a agenda climática global.

Amyra el Khalili é economista, ativista ambiental e colunista do Correio da Cidadania.
Publicado também em Pravda.

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