Correio da Cidadania

As bets, a política monetária e o desespero das famílias

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As bets, a política monetária e o desespero das famílias
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Desde que o Banco Central divulgou que brasileiros gastaram entre R$ 18 e 21 bilhões por mês em apostas com jogos de ambiente virtual nos meses de janeiro a agosto deste ano, o tema ganhou as manchetes de grandes jornais e tomou conta da agenda de autoridades. Só em agosto, 3 bilhões de apostas vieram de beneficiários do Bolsa-Família.

A ministra da Saúde Nísia Trindade afirmou que o país vive uma pandemia, pois o vício do jogo gera dependência e deveria ser tratado com o mesmo rigor com que se encarou o tabagismo. No entanto, ao contrário desse importante alerta, esse vício tem sido instigado por intensa propaganda, inclusive com a participação de famosas celebridades de distintas áreas, e facilitado pela disponibilidade para apostar anonimamente, via celular, na palma da mão, 24 horas por dia. Já considerada uma ameaça social sob vários aspectos, as bets alcançam também jovens estudantes que estão sendo vítimas do vício instalado no país, como noticiado , o que é gravíssimo.

Além disso, há que ser considerado o fato de que o nível salarial do povo brasileiro é muito baixo; muitas pessoas não conseguem se sustentar e acabam sendo levadas a tentar um ganho fácil com apostas que, na maioria das vezes, apenas servem para consumir parte de sua renda, que já é insuficiente para suprir necessidades básicas, aumentando ainda mais o drama familiar.

O governo tem acionado vários ministérios e anunciou que estaria estudando diversas medidas para tentar impor limites a essas apostas virtuais, modalidade criada pela Lei 13.756/2018 e regulamentada por meio da Lei 14.790/2023.

As empresas que operam esse tipo de apostas – conhecidas como “bets”, palavra do idioma inglês para “apostas” – teriam que preencher uma série de requisitos previstos em lei, no entanto, a imensa maioria opera de forma irregular. De um universo anunciado de mais de 3 mil operadoras de bets no Brasil, apenas cerca de 200 empresas, ou seja, menos de 7% do total, estariam devidamente registradas no Ministério da Fazenda.

Parlamentares já reconheceram que erraram na regulamentação. Na época, a justificativa era arrecadatória, embora a taxação estabelecida seja pífia. De acordo com a Lei 14.790/2023, “Do produto da arrecadação após a dedução das importâncias de que tratam os incisos III [prêmios pagos a apostadores] e V [imposto de renda sobre prêmios pagos a apostadores] do caput deste artigo, 88% (oitenta e oito por cento) serão destinados à cobertura de despesas de custeio e manutenção do agente operador da loteria de apostas de quota fixa e demais jogos de apostas, excetuadas as modalidades lotéricas previstas nesta Lei, e 12% (doze por cento) terão as seguintes destinações: (…) áreas sociais como educação, segurança pública, esporte, seguridade social”.

Ou seja, de tudo que as operadoras de bets arrecadam de apostadores, deduzem os valores dos prêmios pagos e o imposto de renda incidente sobre esses prêmios, e ficam com 88% da sobra. Apenas 12% dessa sobra são destinados a investimentos sociais. Assim, a arrecadação com essas apostas não é tão significativa assim, se comparada ao dano que têm provocado às pessoas, famílias e à economia.

Estudo da Confederação Nacional do Comércio (CNC) fez várias comparações que relacionaram a queda no consumo das famílias com o aumento no volume das apostas virtuais e comprovou que essas apostas têm provocado prejuízo bilionário ao comércio. O estudo evidencia que as pessoas estão deixando de adquirir bens de consumo e deixando de pagar suas dívidas para gastar com apostas.

Esse prejuízo ao comércio, comprovado pela CNC, afeta as contas públicas, tendo em vista que os tributos incidentes sobre o consumo também deixam de ser arrecadados. Prejudica também as famílias, tendo em vista que se o setor vende menos, empregará menos.

Por sua vez, o Banco Central (BC) tem monitorado os dados que relacionam o aumento da inadimplência com o crescimento acelerado do volume de apostas. Tem também monitorado os impactos inflacionários das apostas virtuais. O mais grave é que o BC tem usado esses componentes da inadimplência e da inflação para justificar insanas elevações de juros e, dessa forma, afeta de forma negativa todo o conjunto da economia.

Antes da divulgação dos exagerados volumes de apostas pelo BC, o governo justificava a regulamentação dessas bets dizendo que poderia arrecadar R$ 12 bilhões anuais. Porém, além de não computar os graves danos e prejuízos que essas apostas têm provocado, essa possível arrecadação de R$ 12 bilhões equivale a apenas 2 dias e algumas horas de pagamento de juros e amortizações da dívida pública federal, que tem sido um ralo constante de recursos públicos, direcionados principalmente para grandes bancos e corporações que usufruem dos mecanismos financeiros desse Sistema da Dívida, a exemplo da Bolsa-Banqueiro.

Os sucessivos governantes e parlamentares se negam a cumprir a Constituição e auditá-la, o que possibilitaria reduzir as desigualdades sociais e reforçar a função social do Estado, ao contrário do que fazem as apostas virtuais, que têm levado a uma degradação ainda mais profunda do tecido social no Brasil.

Em resumo, o exagerado volume de apostas tem significado um drama para famílias que lidam com o vício; tem provocado impacto negativo ao comércio, e, ao influenciar no patamar dos juros, prejudica toda a economia do país.

O sociólogo e professor da USP, Prof. José Pastore, afirma que a dependência a jogos já está consagrada na literatura psicológica, tal como a dependência a entorpecentes e drogas. Por isso, ele questiona: “As apostas devem ser regulamentadas (para arrecadar algum tributo) ou proibidas?”

Diante dos danos que vão do desespero familiar à política monetária do país, passando por graves desajustes que assumem distintos aspectos, as apostas virtuais deveriam ser urgentemente proibidas.

Maria Lucia Fattorelli é economista e presidente da Auditoria Cidadã da Dívida.
Fonte: Extra Classe.

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