EUA: com a fadiga da longa guerra na Europa, a paz injusta
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- Virgílio Arraes
- 04/12/2024
AFP
Sem guerras próprias no atual mandato, os Estados Unidos envolvem-se na passagem do bastão do comando de Joe Biden para Donald Trump em duas guerras sem perspectiva de encerramento à vista, malgrado a imensa devastação até agora: a desencadeada no leste da Europa durante a pandemia do vírus corona e a no Oriente Médio, a mais antiga, conquanto os meios de comunicação considerem como ponto de partida outubro de 2023.
A repercussão das confrontações é sem dúvida preocupante, ao ultrapassar sem dificuldades os limites de suas respectivas regiões quanto ao impacto humanitário, castrense e também material, por abarcar potências nucleares, ainda que uma delas sem reconhecimento oficial da comunidade internacional.
No conflito russo-ucraniano, o posicionamento do governo republicano deve modificar-se com relação ao do antecessor democrata. Em certa medida, a Casa Branca deve considerá-lo a partir de janeiro de 2025 como confronto interno, ou seja, ‘civil’, ao valer-se da noção histórica da composição territorial naquela parte do continente.
Em sendo avaliada a conjuntura desta forma, posto que de maneira controvertida Rússia, Ucrânia e Belarus (outrora, grafada como Bielo-Rússia) perfariam núcleo único, a partir da tradição, de sorte que a fragmentação corrente seria transitória. Diante disso, a revolução laranja de 2004 deveria ser contida por aversão a Moscou.
Portanto, a subdivisão oriunda do desastrado período de Boris Yeltsin anular-se-ia. A invocação original do Kremlin para provocar a desabalada marcha contra Mariyinsky, a de desnazificar o vizinho via ‘operação especial’, já não é considerada plausível.
Outra justificativa, mais abalizada, é a da temerária aproximação militar entre Kiev e Bruxelas, sob aplausos de Washington. Como resposta, Moscou havia advertido em dezembro de 2021 não aceitar tropas ocidentais próximas de suas fronteiras europeias e caucasianas.
Caso se termine a disputa entre as duas potências, mesmo de maneira bem gradativa, os parceiros norte-atlânticos poderiam compensar a Ucrânia de algum modo, ao menos de forma temporária, pela perda de um quinto da soberania.
Por conseguinte, a nação ucraniana permaneceria neutra, sem ingresso no curto prazo nas fileiras da Organização do Tratado do Atlântico Norte, porém com a esperança de auxílio financeiro e técnico com o fito de se reconstruir e proporcionar assim o retorno de milhões de expatriados, dispersos pela Europa em locais como Polônia e Romênia.
Acresça-se à perda atual a Crimeia, obtida em 1954 na época da União Soviética por iniciativa de Nikita Kruschev, e perdida em 2014. Com a invasão, a Rússia garantiu para si o acesso ao mar Negro e como desdobramento a utilização dos portos de Odessa.
A contrapartida do Kremlin, ao estender suas fronteiras na última década, seria a de conter o apetite por mais territórios contíguos, ao desistir de encraves observados como russos como o da Transnístria da Moldávia e os de áreas adjacentes à Kaliningrado, circundada pela Polônia e Lituânia.
Governos da Europa Ocidental e da Central, embora muito solidários ao drama diário da Ucrânia, sentir-se-iam aliviados com a suspensão da guerra, ao garantir à Rússia retomar o fornecimento de gás a países como Alemanha, Polônia e Eslováquia.
Logo, a discordância com a futura gestão em Washington poderia ser amenizada de via certa caso a paz, ainda que injusta para Kiev, seja estabelecida com Moscou. Seria o pragmatismo da União Europeia em função do andamento desfavorável a seus olhos da disputa, a despeito do seu socorro constante.
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Virgílio Arraes
Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.