A Ética e o jejum do Bispo
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- João Baptista Herkenhoff
- 20/12/2007
Não vou examinar neste artigo as questões técnicas relacionadas com a transposição das águas do Rio São Francisco.
Limito-me a refletir sobre aspectos éticos do jejum e oração a que se entregou o Bispo Dom Luiz Flávio Cappio, em protesto contra o projeto de transposição.
É ético jejuar, colocando a própria vida em perigo, em nome de uma causa? O jejum de Dom Cappio é um ato religioso ou um ato político? Se é um ato político, não estará o Bispo usando a força simbólica do solidéu para invadir esfera que não lhe compete, atitude que o colocaria em desacordo com a Ética?
Vamos tentar colocar pistas para o exame destas questões.
Expor a vida a perigo, na defesa de uma causa, não afronta a Ética. Mártires de todos os tempos ofereceram o próprio sangue em holocausto, por fidelidade à Fé. E não apenas nos arraiais do Cristianismo aceitou-se a idéia de que a causa pode sobrepujar a vida. Lembremo-nos do Mahatma Gandhi, apóstolo da resistência civil, que jejuou muitas vezes e ameaçou jejuar até a morte para conquistar a liberdade para seu povo.
O jejum de Dom Cappio é um ato religioso com repercussão na política. É um gesto extremo de dedicação, zelo, amor, compaixão por sua gente.
Os motivos que justificam a atitude do Bispo são motivos éticos. Segundo suas palavras, o projeto de transposição das águas do São Francisco é socialmente injusto. A água a ser transposta é destinada aos grandes empresários, vai passar muito distante das comunidades que realmente necessitam dela. É um projeto ecologicamente insustentável porque vai sacrificar um rio que precisa ser urgentemente revitalizado. Atenta contra a Ética porque transformará a água em objeto de compra e venda quando, na verdade, a água é um bem essencial que não se pode transformar em barganha de mercado.
Dom Cappio não está praticando um ato solitário. Caravanas e mais caravanas de nordestinos estão indo ao seu encontro para emprestar apoio a sua luta.
Como escreveu Gey Espinheira, professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal da Bahia, “a fome do bispo é a nossa fome de sinceridade, de liberdade, de justiça; a fome do bispo é a sede que todas as águas do São Francisco não saciarão”.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil está convidando as comunidades cristãs e pessoas de boa vontade a se unirem em jejum e oração a dom Luiz Cappio, em solidariedade à causa por ele defendida.
É contra a Ética que se faça a transposição sem ouvir as comunidades atingidas. Ajusta-se ao caso a consulta plebiscitária que a Constituição Federal prevê no seu artigo 14. As populações envolvidas é que devem dizer se querem a transposição, é que devem discutir as melhores alternativas de abastecimento hídrico para o Nordeste.
Fora disso é o primado do autoritarismo que o povo sepultou com a Constituição cidadã de 1988 e que não pode voltar por caminhos transversos e por razões nada éticas.
João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo – professor do Mestrado em Direito e escritor.
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