Cinema nacional como bem cultural brasileiro
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- Inês Virginia Prado Soares
- 28/02/2008
Em tempos de transmissão da festa do Oscar e premiação do filme brasileiro Tropa de Elite no festival de Berlim, algumas reflexões sobre o cinema brasileiro podem ser feitas a partir da ótica jurídica do cinema como bem cultural e, mais especificamente, do cinema nacional como patrimônio cultural brasileiro e das conseqüências jurídicas dessa consideração, principalmente em relação à exibição dos filmes produzidos nas salas de cinema do circuito comercial.
A atual Constituição diz, no art. 215, que o Estado garantirá a todos o acesso às fontes da cultura nacional e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. No artigo seguinte (art.216), há a definição dos aspectos que importam para consideração de um bem como integrante do patrimônio cultural brasileiro. Certamente, o cinema nacional é arte que se enquadra e se caracteriza como bem cultural imaterial brasileiro. Além disso, é um bem que, por ser intangível, necessita também da proteção jurídica de seu suporte físico como forma de garantia de sua veiculação. Por suporte físico, nesse caso, devem-se entender todos os equipamentos que integram o processo cinematográfico que permitem a fase final, que é a de exibição da película ao público.
Como bem cultural que deve ser fruído por toda a sociedade, o cinema é um bem de interesse público, submetido tanto às regras de direito privado (como, por exemplo, direitos autorais) como às regras de direito coletivo e difuso. Desse modo, com base nas regras de tutela coletiva, o bem cultural cinema tem uma proteção que permite a utilização de mecanismos e instrumentos jurídicos que fogem ao estritamente estabelecido para as relações privadas.
Assim, o sistema jurídico brasileiro possibilita que o Estado indique, por meio da ANCINE e de outros órgãos ou fóruns competentes, uma maior amplitude do acesso e fruição do cinema nacional pela sociedade brasileira, o que traz, como importante conseqüência, a necessidade de aprofundamento da discussão jurídica da função social da propriedade, principalmente em relação às salas de exibição dos filmes.
Com intuito de proteger as produções nacionais, já existe cota que deve ser atendida pelas salas de exibição. Porém, o cinema nacional, enquanto bem cultural brasileiro e bem de interesse público, pode ter muitos outros mecanismos jurídicos de âmbito coletivo que proporcionem regular desenvolvimento de todo processo cinematográfico: desde a criação até a distribuição das películas para venda/aluguel a particulares e exibição nas salas de cinema.
A perspectiva econômica desse bem cultural não afasta ou atenua sua característica intrínseca de bem de interesse público. Tampouco permite que as distribuidoras e as salas de exibição ajam sem atentar ao princípio jurídico da função social da propriedade. Este princípio, no caso, deve buscar o equilíbrio entre a exibição da produção nacional e estrangeira, para possibilitar o acesso e a fruição da sociedade ao cinema brasileiro, como forma de garantia de dignidade e justiça social, nos termos do art.170 da Constituição.
As breves notas aqui colocadas demonstram que existe um longo caminho jurídico a ser trilhado na defesa do cinema nacional. Porém, a base de sustentação para a proteção jurídica do cinema nacional é a Constituição, o que é bom. Tem como contraponto fortes interesses econômicos, que nem sempre podem ser compatibilizados com as idéias constitucionais.
Inês Virginia Prado Soares, doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é Procuradora da República.
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