O texto e a realidade
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- Claudionor Mendonça dos Santos
- 22/12/2008
Ataliba Nogueira, em obra clássica, assegura que o fim do Estado consiste na prosperidade pública, entendida esta como a obtenção do necessário por parte de cada um de seus membros, com a finalidade de atingir a perfeição física, intelectual e moral, metas que não podem ser satisfeitas nem pelo indivíduo, nem pela família isolada e nem por grupos sociais solitários.
O homem deverá, então, dispor do Estado para a consecução de seus objetivos, advertindo que o Estado serve ao homem e não o homem ao Estado.
Assim, dentre outros, a Constituição Federal determina ser direito social a segurança e dever do Estado, além de direito e responsabilidade de todos, para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
À primeira vista, a redemocratização do país, após a ditadura e a promulgação da Constituição Federal, levaria a sociedade ao paraíso. Paraíso de prosperidade, abundância e felicidade.
Contudo, uma série de eventos desviou o rumo em direção ao céu. Estabeleceu-se, equivocadamente, a idéia de que o Estado, agora democrático, seria o único responsável pela implementação dos direitos sociais.
Ora, dentre outras regras da democracia, a cooperação se destaca como fator imprescindível para a concretização de quaisquer direitos, individual ou social. Se o homem é um ser eminentemente social, a cooperação é indispensável para sua sobrevivência. É necessário, portanto, lembrar que, sendo a segurança direito social, é preciso que as pessoas o concretizem coletivamente. Já foi dito que no Estado Democrático de Direito o bem comum só pode ser produzido coletivamente, assim como sua distribuição.
Obviamente, em face da tripartição de funções, cabe primordialmente ao Judiciário o papel de garantidor, instrumento da defesa dos direitos, contra o arbítrio dos demais poderes e dele próprio, zelando por tal missão o Ministério Público, encarregado da defesa da democracia e dos direitos individuais ou sociais indisponíveis, além de guardião da ordem jurídica. Porém, o papel da sociedade não pode ser desprezado ou diminuído.
A realidade brasileira, sem o véu da hipocrisia, revela triste discrepância com o texto legal em vigor. As agruras pelas quais a população brasileira passa demonstram o abismo entre o texto e a realidade, sendo pública e notória essa vergonhosa situação. A trágica realidade brasileira, com suas mazelas, desde a prostituição infantil até o descuido com os idosos, revela a violação dos mais básicos direitos previstos em textos nacionais e internacionais.
A comercialização da educação, da saúde e da segurança demonstra a falência e a negação dos direitos sociais. Urge, assim, a incidência de providências objetivando desmercantilizar os direitos sociais.
A segurança, direito social, não pode ser alçada à condição de plataforma apenas em períodos eleitorais. Enquanto política social, sua discussão deve ser perene até que se atinja ponto suportável, indo além de promessa eleitoreira.
Em face de uma sociedade cruelmente desigual, com alto índice de exclusão, a questão da segurança, como política social, merece mais atenção, exigindo discussão e participação de todos, na busca de fórmulas para a efetivação de ações, de medidas voltadas para a superação desse triste quadro social, concretizando, assim, o que não passa de mero enunciado, sem qualquer reflexo no cotidiano da comunidade.
A declaração de direitos, após tenebrosa noite de trevas e autoritarismo, advém da conquista da liberdade que, por sua vez, deve levar à igualdade e à solidariedade.
Na luta pela perfeita harmonia entre o texto e a realidade, é de se sonhar com o eminente e sempre magistrado Alberto Silva Franco, exemplo de dignidade e sensibilidade: "a educação não será privilégio dos que possam pagá-la; a polícia não será a maldição dos que não podem comprá-la; ninguém será considerado herói nem idiota por fazer o que crê justo em lugar de fazer o que mais lhe convém".
Claudionor Mendonça dos Santos é Promotor de Justiça e membro do Ministério Público Democrático.
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