Correio da Cidadania

Estupro e aborto

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Em Recife, uma menina de nove anos foi estuprada pelo padrasto.

 

Franzina, pesando 33 quilos, com altura de 1 metro e 33 centímetros, a pequena violentada é, na verdade, uma criança.

 

Com o consentimento da menina e de sua mãe, o médico Sérgio Cabral realizou o aborto. Justificou sua conduta, não apenas no fato de que o aborto resultara de estupro, mas também noutra circunstância: o prosseguimento da gravidez colocava em perigo a vida da menina grávida.

 

O arcebispo de Olinda e Recife levantou-se furiosamente contra a mãe da criança e o médico impondo a ambos a pena que, no Direito Canônico, é denominada de excomunhão.

 

Gostaríamos de refletir sobre este episódio com as lentes do Direito, da Ética e da Fé Cristã.

 

Sob o aspecto jurídico, à luz do Direito Brasileiro, o médico Sérgio Cabral não cometeu crime.

 

Segundo estabelece o artigo 128, do Código Penal, não se pune o aborto praticado por médico, se a gravidez resulta de estupro e se a interrupção da gravidez é precedida de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

 

O caso da menina de Recife ajusta-se plenamente à hipótese definida na lei. A gravidez resultou de estupro e o aborto foi praticado com o consentimento da mãe da criança.

 

Socorrendo a licitude do ato médico há uma outra premissa que elide o crime. O aborto foi praticado porque a vida da menina correria perigo se a gravidez não fosse interrompida.

 

Quando exercia a função de Juiz, absolvi certa vez uma jovem acusada da prática do crime de aborto. Segundo as testemunhas, toda noite embalava um berço vazio, como se nele houvesse uma criança. Percebi que não era suficiente eximi-la do processo penal, mas libertá-la também do sentimento de culpa que a atormentava. Disse-lhe então que ela era muito jovem, sua vida não tinha acabado. A criança, que ia nascer, não existia mais. Entretanto, ela poderia ter filhos que alegrassem sua vida. Eu a absolvia se ela prometesse, como prometeu, não mais embalar um berço vazio.

 

Além desse ângulo do Direito, também sob o prisma da Ética, a conduta médica não merece qualquer censura.

 

Por Ética entendemos o esforço do espírito humano para formular juízos tendentes a iluminar a conduta das pessoas, grupos, comunidades, nações, segundo um critério de Bem e de Justiça.

 

Não pretendo afirmar que o aborto tem sempre o amparo da Ética. Não tem esse amparo geral, em todas as situações que se apresentem, porque o critério de Bem e de Justiça impõe que a vida mereça reverência. Trata-se de reconhecer que, no caso da menina pernambucana, o julgamento ético não condena a atitude do médico, nem condena a atitude da mãe da criança grávida. Sob a luz da idéia de Bem e de Justiça, o médico agiu corretamente decidindo pelo aborto, neste caso. É um gesto do Bem, inspirou-se no sentimento de Justiça a decisão que o médico tomou.

 

Finalmente, tentemos examinar a questão pelos ensinamentos da Fé Cristã. Embora eu não seja teólogo, aventuro-me a uma incursão nesta área, para fechar o artigo.

 

Na sua célebre Carta sobre o Amor, São Paulo diz que de nada vale vendermos todos os nossos bens e distribuir o produto da venda aos pobres, se não tivermos Amor. Nada significaria termos a capacidade de falar todas as línguas do mundo, se nos faltasse o Amor. Segundo Paulo, o Amor é paciente, prestativo, não é invejoso, não se ostenta, não se enche de orgulho, não é inconveniente, não é interesseiro, não se irrita, não guarda rancor, não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade, tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

 

Diante desta palavra do Apóstolo Paulo podemos concordar com a atitude do Arcebispo que excomungou o médico e a mãe da criança estuprada?

 

Certamente não dá para concordar.

 

O decreto de excomunhão seguiu o conselho de Paulo quando o Apóstolo diz que o Amor tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta, não se irrita, não guarda rancor?

 

A meu ver, não.

 

Na mesma cátedra onde hoje está sentado o Arcebispo que excomungou o médico, sentou-se um dia o inesquecível Dom Helder Câmara.

 

Veja que D. Hélder não entendia que defender a vida é apenas colocar-se contra o aborto. Via uma dimensão social na defesa da vida. Defender a vida é defender vida digna para todos:

 

"O verdadeiro Cristianismo rejeita a idéia de que uns nascem pobres e outros ricos, e que os pobres devem atribuir a sua pobreza à vontade de Deus."

 

D. Hélder tinha uma visão profunda de solidariedade e partilha:

 

"As pessoas são pesadas demais para serem levadas nos ombros. Levo-as no coração".

 

D. Hélder era um otimista, celebrava a vida como dom de Deus:

 

"Feliz de quem atravessa a vida inteira tendo mil razões para viver".

 

Não vejo que as mãos santas de D. Hélder Câmara brandissem a espada espiritual para excluir quem quer que seja do redil, ou para amaldiçoar pessoas, e muito menos condenar, num episódio triste como este.

 

Dom Hélder entenderia a angústia da criança estuprada e de sua Mãe e veria o gesto do médico como um gesto de fraterna caridade.

 

Dom Hélder soube amar e por esta razão até hoje é um guia para todos nós e uma estrela a apontar caminhos.

 

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo e magistrado aposentado. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. Homepage: http://www.jbherkenhoff.com.br/

 

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Comentários   

0 #11 To contigo Rosana!Ana 23-06-2010 14:01
Concordo plenamente contigo Rosana,este bispo que va se catar, imagina deixar um anjinho deste ter estes filhos fruto de uma covardia por parte deste animal,a pobrezinha ja vai carregar este trauma pro resto da vida, nao seria justo para ela ser mae com esta idade, ainda mais por ter sido estuprada,Deus nao tem nada a ver com isto, vamos deixar de hipocresia gente!!
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0 #10 É FACIL FALARRosana 22-02-2010 05:43
Á vcs que estao condenado a mae e o medico por terem tiradao a vida de duas crianças inocentes, se imaginem tendo uma filha estuprada covardemente por um infeliz no qual vc acreditava, e depois descobrir q essa desgrassa trouxe frutos!A meninna de 9 anos, nao merecia isso!!É um absurdo q ela tivesse esse filho!Uma menina de 9 anos, já irá carregar esse tralma p resto de sua vida, e ainda por cima com filhos, que lhe lembrariam tds os dias o ocorrido!É muito fácil conde - la, mas e se fossem vcs os estuprados e com um filho de um monstro desses no ventre aos 9 anos!!!Se eu fosse mae da menina teria feito o msm!E se o bispo condenou e achou ruim, o problema é dele!Afinal ninguem vai p inferno pq um ser carnal (bispo) quer q assim seja!...Nao foi ele o estuprado!Nao foi ele que engravidou de um ato de violencia monstruoso, ele nao sabe o que é passar por isso!Entao, se um dia ele nascer mulher, for estuprado aos 9 anos, e conseber dois filhos disso, ai sim ele pode até querer falar alguma coisa!Até lá, ele nao tem o direito de falar nada, simplismente pq é bispo!...E já q fala tanto, pergunte a ele, se ele pagaria piscólogos p/ ajudar essa menina com o trauma, pergunte se ele vai ajudar com as despesas de mais duas crianças indesejadas pela mae que é apensa uma criança e que nem se mantem!É muito fácil sentar numa cadeira d eouro, passar num tapete vermelho, e falar abobrinhas da vida dos outros, em nome de Deus!!Deus não quer o mal de ninguem!Se ela nao tivesse que abortar, ela nao abortaria!Podem ter certeza!Alguma coisa teria dado errado!E se é da vontade de Deus ou nao, ninguem tem nada a ver com isso!Nao tem nada que ir p televisao dando uma de apóstolo de Cristo, defendendo as leis dele!Em que isso vai ajudar?
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0 #9 bela reflexãoAlessandro Loiola 08-12-2009 07:05
inteligente, embasada, lúcida e, acima de tudo, extremamente humana.
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0 #8 abortojossyara liuys reis 20-11-2009 12:09
sou contra o aborto por que mata uma criança inocente
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0 #7 Perspectiva IIKaty 13-04-2009 14:41
Em tempo, é conveniente que se reflita que o aborto é tema de debate em saúde pública e não religião.
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0 #6 PerspectivaKaty 13-04-2009 14:39
"Sobre si e sobre o próprio corpo, o indivíduo é soberano", disse certa vez o filósofo John Stuart Mill. Uma grande verdade, embora isto não possa ser aplicado à mulher brasileira graças às pressões de uma religião que não acompanha a mudança dos tempos. Como mulher e não católica, acho o 'fim da picada' que nosso Estado "Laico" ainda tenha leis que não permitem o direito ao nosso próprio corpo. A mídia, como sempre, tomou o lado que lhe interessou, desde que nenhuma outra visão proveniente de outra religião foi exposta, exceto a do histérico bispo...
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0 #5 ñ sou contra quando o aborto ocorre pós lara eliote 06-04-2009 13:47
ñ sou contra o aborto quando ele ocorre pós estupro
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0 #4 VerdadeFelipe Sá 02-04-2009 13:52
De início, gostaria de parabenizar o conteúdo do artigo, pois de forma concisa conseguiu refletir a verdade. Jesus condenou a hipocrisia dos, então, mestres da lei e fariseus. Salomão disse que tudo o que aconteceu ontem, está acontecendo hoje e irá acontecer amanhã. Eu sempre me pergunto quem são os hipócritas de hoje e onde estão os falsos mestres e falsos profetas.
Paz a todos.
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0 #3 Estupro de menorDr. Fahed Daher 02-04-2009 02:10
Senti bem colocadas as referências do professor João Batista.
1- Não senti, do arcebispo, qualquer manifestação de apoio para a família aviltada pelo insanidade de um adulto, em termos de socorrer a familia ou propor ajuda para a menor grávida em caso de levar a gravidez a termo
2-Não senti da parte do arcebispo alguma manifestação de campanha de amparo e eliminação da prostituição infantil ou de menores desamparados.
3- Não senti da parte do arcebispo qualquer manifestação para a punição ou trabalho de recomposição mental do parente agressor.
4- A função do "representante de Deus," dentro do amor é socorrer e ajudar a impor o comportamento justo tambem orientando o equilibrio social.
Quem errou?
A criança aviltada?
A mãe que se fez atenciosa?
O médico na função do sacerdocio?
O arcebispo?
Dr. Fahed Daher
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0 #2 Todos batem palmas para a cultura de morBatista 01-04-2009 14:00
Sou totalmente contra sua reflexão. Primeiro porque ela é mentirosa. O Bispo Dom José Cardoso em nenhum momento ficou furioso com a mãe dos bebês que foram assassinados covardemente, sem poderem se defender, por médicos, que não eram especialista na questão. Por que, visto que a mãe não corria risco de morte no momento, chamar especialistas e ver se era possível ela suportar mais dois meses e no sexto mês fazer uma cesariana e salvar a vida de duas crianças indefesas? Por que tanta pressa em realizar um aborto em apenas 04 horas quando se soube da gravidêz? Embora o aborto de dois indefesos pudessem ser permitido pela lei brasileira, que lembrar que a Lei de Deus é maor do que a lei dos homens. Não Matarás! Piedade para os assassinos e todos que aplaudiram ou contribuiram para esse brutal assassnato.
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