Aborto decorrente de estupro: uma questão de humanidade
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- Tereza Cristina Exner
- 13/04/2009
A discussão a respeito do aborto é das mais tormentosas, já que envolve, para além de conceitos jurídicos, noções de fé, religião e, acima de tudo, a discussão sobre o direito à vida, quando ela se inicia e se pode ser em algum momento – e até quando? - interrompida.
Trata-se de tema polêmico que não sai de pauta, sendo que de tempos em tempos retorna com maior ênfase. Foi o que ocorreu recentemente em razão de notícia do aborto decorrente de estupro, realizado por uma equipe médica em uma menina de apenas 9 anos de idade, o que recebeu severas críticas de determinados setores, notadamente da Igreja Católica.
Sem pretensão de rediscutir tal assunto, já por demais abordado e explorado, e tampouco pretendendo efetuar defesa do aborto em sentido amplo, o objeto do presente artigo é enfocar o debate a respeito do aborto legal decorrente de estupro, cuja autorização se acha prevista no Código Penal em vigor, diploma legislativo dos anos 40.
É de se notar que mesmo naqueles tempos conservadores, o legislador houve por bem permitir o aborto decorrente de estupro, seguramente porque sensível à dor e desespero da mulher que, vítima de tão brutal violência, vê-se, ainda, na terrível contingência de carregar ao longo de 9 meses, 9 penosos meses, o fruto de um ato cuja lembrança e memória só podem gerar profunda dor.
Ninguém questiona a beleza da maternidade, que de todo modo não está associada a uma gravidez forçada, decorrente de violência e brutalidade.
Mais do que isso, esquecem-se aqueles que se mostram contrários a tal dispositivo legal, defendendo a retirada desse permissivo da lei, que não se trata de simplesmente enxergar o valor da vida humana para além de qualquer maldade, preponderando, assim, o valor do direito à vida do nascituro, ainda que fruto de estupro.
Afinal, contra tal direito colide outro de igual dimensão, que diz com o direito à dignidade da pessoa humana, o direito à intimidade, sendo que a permissão de se realizar aborto, em caso de estupro, objetiva dar tratamento respeitoso e digno à mulher, que, muitas vezes casada, já com outros filhos, com emprego, vida social, será submetida a novos e reiterados constrangimentos.
Continuará a ser impiedosamente punida em sua condição de vítima, tendo que renovar cotidianamente sua dor, explicando a amigos e conhecidos que sua gravidez prescinde de comemorações e cumprimentos, vergonha e horror que alcançarão maiores proporções diante dos próprios filhos. Como lhes explicar que aquela criança que traz em sua barriga – irmã/irmão dos demais rebentos - não é desejada? Pior ainda, como explicar aos filhos as razões desse comportamento materno, sem gerar neles próprios dor, sofrimento e eventualmente sentimentos contraditórios de rejeição e incompreensão? E o relacionamento com o marido ou namorado ao longo desses meses? Será que não restaria abalado? E como lidar com o seu próprio corpo transformando-se dia a dia, sem que isso lhe traga qualquer sensação de felicidade?
Ora, obrigar a mulher vítima de um estupro a abrir mão de sua vida pessoal, afetiva, social e profissional, gerando-lhe possíveis danos físicos, emocionais e psíquicos, soa desumano, sob qualquer ótica e perspectiva, equivalendo retirar dessa pessoa humana qualquer direito a valores como respeito e dignidade, sob o argumento de que o feto que traz em seu ventre – expectativa de vida futura - é mais importante e valioso que a vida já concretizada e plena de reconhecimento, afeto e inserção social consolidada da própria gestante.
Implica desconhecer, por fim, a angústia e o tormento que sempre acompanham a tomada dessa terrível decisão, razão pela qual o mínimo que se pode destinar a mulheres nessa trágica situação é a possibilidade de ver sua dor amparada pelo Estado. Daí porque entendermos que essa hipótese de aborto legal – como de resto a outra prevista no art. 128, do Código Penal - deve ser mantida na legislação em vigor, anotado que se trata de mera opção concedida a cada vítima de um estupro, de forma que ela – que já não teve condições de optar pela gravidez – possa, mediante menor grau de sofrimento, resultado do apoio estatal consubstanciado na lei que lhe retira o estigma de criminosa, tomar tão penosa decisão.
Tereza Cristina M. K. Exner é Procuradora de Justiça e integrante do Movimento do Ministério Público Democrático - MPD.
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Comentários
O legislador foi sabio ao deixar a criterio da mãe decidir o destino de algo que esta DENTRO DELA, o discurso religioso é lindo, quando não se esta carregando uma gravidez, fruto de uma violencia, acredito que antes de se posicionar sobre questão tão controvesa, as pessoas deveriam pelo menos imaginar como seria tal situação, homem, so opina se for favoravel, porque não consegue ter a minima dimenção d uma situação como esta. Destarte, deixemos de hipocresia do discursi politicamente correto e vazio, pois o que se dsicute é uma vda completa, com relacionamentos sociais, filhos, marido trabalho enfim uma vida que não poderá ser destruida por pensamentos mesquinhos e desprovido de sentimntos verdadeiros.
Antônio Batista, Profº de Embriologia do inst. de Biologia da UFBA.
A sua perspectiva, provém do lado feminino e tem razão e bons argumentos. Outros argumentos, também, como o de preservação da vida de um inocente, que não pediu para estar alí e não pode se defender de uma sumária execução por mutilação, também merece o seu louvor. O ser humano, de forma legal ou ilegal, irá tomar a decisão da manutenção ou não de uma gravidez indesejada (por estupro ou não), pois o que mais se vê hoje são abortos clandestinos.
Nós vivemos em uma sociedade democrática onde as leis que prevalecem são as da maioria, cabendo-nos, apenas, nos submeter a decisão que for tomada.
A questão que merece mais relevância, no meu entender, é como a sociedade reagiria a conduta da mulher que tomou uma decisão. Não existe uma resposta certa, a favor ou contra. O que existe é uma conduta humana de condenação prévia, mediante um pre-conceito pessoal.
Perdoar e não atirar a primeira pedra ainda é o melhor caminho.
Meus parabéns!
Seu artigo pode ser sintetizado em cinco palavras: inteligência, racionalidade, sensatez, humanismo e civilidade.
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