Povo de rua
- Detalhes
- Fernanda Leão de Almeida e Jaqueline Lorenzetti Martinelli
- 01/06/2007
O último censo sobre o povo de rua da cidade de São Paulo, realizado em 2003, contabilizava mais de dez mil pessoas nessa situação. Estimativas atuais dão conta de que, a cada ano, cerca de mil pessoas engrossam essa triste estatística, podendo-se concluir que mais de catorze mil encontram-se nas ruas desta capital.
Desde 2001, com a edição do decreto 40.232, que regulamentou lei municipal 12.316 de 1997, a cidade de São Paulo conta com regime jurídico específico que garante uma política de atenção à população de rua da cidade, por meio da oferta de serviços e programas garantidores de padrões éticos de dignidade e não violência na concretização de mínimos sociais e dos direitos de cidadania a esse segmento social.
Existe, assim, a obrigatoriedade do poder público municipal de prestar atendimento, discriminadamente, a essa população em estado de abandono e marginalização social.
Trata-se de legislação avançada que se constitui em autêntica ação afirmativa, ou seja, medidas de cunho especial tendentes a superar os efeitos iníquos, constantes e por vezes históricos, de desvantagens impostas indevidamente a determinados segmentos sociais. Sobretudo no campo das políticas públicas, o alvo das ações afirmativas são os que estão sujeitos a um padrão de inferioridade, vendo-se distantes das mínimas condições de equidade em relação a aspectos fundamentais do exercício da cidadania, como o acesso à educação, moradia, postos de trabalho, entre outras prestações indissociáveis de uma existência digna.
O regime legal protetivo das pessoas em situação de rua de São Paulo prevê que os serviços e programas incluirão desde ações emergenciais até atenções de caráter promocional permanente, garantindo-se a oferta de serviços e equipamentos com infra-estrutura compatível com um processo de contínua recuperação e progressiva inserção social.
A garantia da atenção à população de rua deve ser feita, no comando legal, para além de abrigos e albergues, incluindo programas que afiancem autonomia e emancipação, pela oferta de condições de frentes de trabalho, alimentação, higiene pessoal, cuidados ambulatoriais básicos e atividades ocupacionais, educacionais, culturais e de lazer. Avulta a importância, em derradeiro estágio de inserção social, da oferta de soluções habitacionais definitivas, incluindo auxílio moradia e financiamento de construções sob o regime de mutirão.
No entanto, apesar da legislação protetiva e garantidora de um progressivo processo de inserção social da população de rua do Município, as respectivas políticas públicas permanecem centradas na rede de albergues, o que leva a um estado de institucionalização dessas pessoas, cujos efeitos perversos já vêm sendo sentidos.
A tutela dos direitos da população de rua de São Paulo é uma das principais atividades do Grupo de Atuação Especial de Inclusão Social, criado recentemente pelo Ministério Público paulista, com fundamento nos objetivos constitucionais republicanos de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com a erradicação da pobreza e da marginalização social e principalmente a promoção do bem comum.
As lições apreendidas com o trabalho de tamanha relevância não deixam dúvidas de que a situação pode ser, a curto prazo, ao menos, amenizada. Basta que, efetivamente, inicie-se o cumprimento do regime progressivo de ações afirmativas previsto em lei. É, sem nenhuma dúvida, o que emana do respeito e garantia à dignidade de todo e qualquer ser humano, segundo contemplado constitucionalmente como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
Fernanda Leão de Almeida e Jaqueline Lorenzetti Martinelli são promotoras de Justiça do Grupo de Inclusão Social do Ministério Público de São Paulo e integrantes do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD).
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