Comissão Nacional da Verdade
- Detalhes
- Inês Buschel
- 04/02/2010
Em 21 de dezembro de 2009, o presidente Lula assinou o decreto nº 7.037, que aprovou o PNDH-III – Plano Nacional de Direitos Humanos – que contém resoluções finais deliberadas na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos. Para conhecer o inteiro teor desse Decreto federal basta clicar http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7037.htm .
Trata-se da terceira versão do PNDH, haja vista que em 1996 foi proclamado o PNDH-I e, em 2002, tivemos a segunda versão, o PNDH-II. Nessa atualização do Plano, ocorreram alguns avanços, por exemplo, no que diz respeito a dar prosseguimento ao atendimento de reivindicações da sociedade brasileira, que deseja obter esclarecimentos públicos sobre a repressão política praticada durante o período do regime militar instalado no país em 1964 e encerrado em 1985.
No PNDH-III prevê-se a instalação de uma Comissão Nacional da Verdade que terá como missão, investigar e trazer à tona a verdade sobre as graves violações de direitos humanos cometidas por servidores públicos durante todo aquele período ditatorial. Para conhecer o inteiro teor desse documento clique em http://www.mj.gov.br/sedh/pndh3/pndh3.pdf .
Soubemos, pelos noticiários da mídia de massa, que houve uma reação negativa por parte dos atuais comandantes de nossas Forças Armadas, quanto à redação dessa matéria no PNDH-III. Sempre segundo a mídia, foi o ministro da Defesa, Nelson Jobim quem declarou esse descontentamento e o desejo desses comandantes em se exonerar baseando-se nesse motivo.
As notícias veiculadas pela mídia não são bastante claras, todavia, ao que parece, o que incomodou mais aos militares foi a expressão "repressão política" contida no texto do Plano. Alguns integrantes do Clube Militar expressaram por escrito essa sua irresignação, conforme podemos constatar indo ao site/sítio: http://www.clubemilitar.com.br/site/suporte_arquivos/destaque/tortura.pdf .
Segundo algumas interpretações, isso induziria as pessoas a pensar que só houve violações por parte das autoridades governamentais e não por parte daqueles que se insurgiram contra o regime ditatorial. Mas o fato é que os insurgentes, em sua maioria, quando não foram mortos pela própria polícia durante a perseguição ou investigação, sofreram torturas inomináveis e também foram submetidos a processo judicial, tendo muitos deles cumprido suas penas.
A Presidência da República não alterou a redação dos atos já publicados, mas ao redigir o novo Decreto que cria o Grupo de Trabalho incumbido de elaborar anteprojeto de lei que instituirá a Comissão Nacional da Verdade, evitou usar a expressão criticada, fazendo menção apenas às violações de direitos humanos.
http://www2.oabsp.org.br/asp/clipping_jur/ClippingJurDetalhe.asp?id_noticias=20561 .
Este assunto é muito importante para toda a sociedade brasileira. Trata-se de saber a verdade histórica de um período bem recente e que foi muito violento. Houve muita agressão a pessoas inocentes. Sem sabermos inteiramente o que se passou entre nós, não poderemos evitar situações que nos levarão a repetir os mesmos erros cometidos anteriormente. De fato, temos a Lei da Anistia, nº. 6.683, de 28 de agosto de 1979, que pretendeu por um ponto final nesse assunto: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6683.htm.
Todavia, não podemos ficar apenas com a versão oficial dos fatos, dada pelas autoridades militares, e tampouco com as desencontradas informações publicadas pelos meios de comunicação de massa. Será preciso ouvir as vítimas que ainda estão vivas, bem como os familiares de pessoas mortas ou desaparecidas, como numa verdadeira justiça restaurativa. Além, é claro, de termos acesso a todas as informações sigilosas sobre os acontecimentos da época e que estão guardadas nos arquivos nacionais.
Restam, ainda, muitas pessoas desaparecidas e é preciso confortar seus familiares, que têm o direito de saber não só a verdade como também têm o direito aos restos mortais de seus parentes para poderem encerrar um processo de luto infindo.
A primeira Comissão da Verdade e Reconciliação que conhecemos ocorreu na África do Sul, no governo de Nelson Mandela (1994-1999). Teve início em 1996 e término em 1998. Para maiores detalhes basta clicar no seguinte endereço: http://www.ibase.br/modules.php?name=Conteudo&pid=902 .
É claro que somos outro país, temos outra cultura e outras leis, por isso não poderemos simplesmente transpor para cá, mecanicamente, a experiência vivida pelo povo da África do Sul. Além disso, a nossa problemática é outra, não vamos investigar violações de direitos humanos praticadas durante a vigência de um regime de apartheid, mas sim violações de direitos humanos cometidas durante o período de um regime militar ditatorial. Todavia, essa experiência africana poderá, perfeitamente, nos servir de paradigma.
Há dois filmes recentes (2004) que tratam desse assunto e que foram lançados em DVD no Brasil. Um deles é "Em minha Terra", dirigido pelo inglês John Boorman, com roteiro baseado no livro "Country of my Skull" escrito por Antjie Krog, sendo uma co-produção Reino Unido/Irlanda/África do Sul, com 103 minutos de duração; e, "Sombras do Passado", dirigido por Tom Hooper, com roteiro baseado no livro "Red Dust" escrito por Gillian Slovo, produção inglesa, com 90 minutos de duração.
As informações básicas sobre esse polêmico assunto são estas. Os brasileiros têm de discutir profundamente esse seu passado, sem censura. Agora é estudar a matéria e trocar opiniões a respeito. Há muita gente desinformada dando palpites a torto e a direito, abusando de nossa paciência.
Inês do Amaral Büschel, Promotora de Justiça de SP, aposentada; associada do Movimento do Ministério Público Democrático (http://www.mpd.org.br/).
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Comentários
Estes são temas discutidos pelo terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Na cobertura que fazem sobre o assunto, as grandes corporações de mídia atacam abertamente o projeto, obviamente, em defesa de seus interesses. Paradoxalmente, não fosse essa cobertura parcial, essas questões teriam passado sem que a sociedade se desse conta das discussões propostas pelo Governo Federal, já que a abordagem correta do assunto fica (como era de se esperar) a cargo dos veículos de comunicação independentes, ainda desconhecidos da maior parte da população.
Nas academias
O mais estranho nos acontecimentos das últimas duas semanas, é perceber que professores e estudantes de comunicação de todo o Brasil fazem eco às insinuações e ataques de jornalões, rádios, e televisão em seus blogs e twitters (novas mídias reproduzindo velhos discursos). Defender a democracia é muito fácil, quando da boca pra fora, mas apoiar medidas efetivas que atingem interesses mesquinhos, torna-se perigoso até mesmo dentro das faculdades.
A iniciativa do governo tem sido alvo de “esculhambações” maquiadas de informação, tanto por parte dos veículos tradicionais de comunicação, como por setores mais conservadores das academias, omitem e descontextualizam fatos, MENTEM DESCARADAMENTE. Nos telejornais as reportagens que tratam do assunto vêm sempre seguidas de notas da cúpula da emissora ou do editor-chefe do noticiário.
Interesses
Os jornais nacionais não cansam de afirmar que o que se pretende com a Comissão da Verdade é rever a Lei de Anistia, quando o que existe de fato é apenas uma solicitação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre dispositivos de interpretação contraditória. Mas não há interpretação a ser feita aqui… Crimes de lesa-humanidade não prescrevem, nem são alvo de anistia.
O próprio fato de a cúpula das forças armadas e a mídia negarem os crimes que, respectivamente, cometeram e encobriram durante a ditadura militar, mostra bem quem eles são: inimigos da verdade, da justiça e da democracia.
Na Alemanha, negar os crimes cometidos pelos nazistas é crime punível com prisão; no Brasil é diferente: delito é fazer memória dos anos de chumbo, crime pior ainda é exigir punição aos autores das atrocidades que deixaram tantas famílias despedaçadas, e o país vinte anos atrasado.
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