Correio da Cidadania

O ataque à Venezuela

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No dia três de maio, na pequena comunidade pesqueira de Chuao, os pescadores locais - que fazem parte de uma treinada milícia popular - acabaram fisgando um produto muito estranho: em vez dos tradicionais pescados o que veio na linha foi um atrapalhado grupo de mercenários vindos da Colômbia, aparentemente sob a liderança de dois combatentes estadunidenses, veteranos das guerras contra o Iraque e o Afeganistão.

Ao avistarem os barcos, as Forças Armadas foram acionadas e numa operação conjunta, o exército bolivariano e a população armada conseguiram abortar o grosso do desembarque. Nessa ação foram rendidos os dois estadunidenses, que estranhamente estavam portando todos os seus documentos. Eles são ligados a Silvercorps, empresa especializada em contratação de mercenários para as guerras promovidas pelos EUA, e segundo o governo bolivariano, confessaram terem sido contratados por Juan Guaidó. Os demais mercenários provavelmente todos venezuelanos, desertados das forças armadas ou populares caçadores de recompensa.

A tentativa de entrada ilegal no território venezuelano ao que parece era de conhecimento até do presidente Trump, como mostra um tuíte da empresa Silvercorps para a conta The Donald.

Também uma jornalista venezuelana, da oposição, que vive em Miami, Marianella Salazar, tuitava no dia 2 de maio, às onze da noite: “A noite promete, não será fácil conciliar o sono”. Também no feicebuque pipocavam vídeos de “comandantes” venezuelanos informando sobre as incursões e sobre uma possível “libertação” do país, com entrevistas realizadas junto a representante da Silvercorps.

Do grupo invasor, um pequeno número conseguiu desembarcar e se embrenhou nos caminhos, mas praticamente todo o contingente acabou também capturado. Ao que parece, tudo está debelado. A proposta, segundo os mercenários capturados era chegar ao presidente e assassiná-lo. Chuao fica cerca de 70 quilômetros da capital, Caracas.

A chamada “Operação Gedeon” segue um já conhecido padrão de operações comandadas pela Central de Inteligência Americana (CIA) e no campo da análise internacional pode estar vinculada a propósitos distintos.

Para o grupo ligado ao presidente Nicolás Maduro, a tentativa de golpe visava matá-lo e destruir de vez a proposta bolivariana iniciada por Hugo Chávez. Mas, há outras análises que dão conta de que a operação da CIA aconteceu mesmo para também enfraquecer um núcleo de militares venezuelanos – que hoje estão exilados na Colômbia – que querem tirar Maduro do poder para aprofundar o bolivarianismo (que eles afirmam ter sido abandonado por Maduro).

De qualquer forma, tanto Maduro está na mira dos mercenários, já que existe uma recompensa de 15 milhões pela sua cabeça, quanto os militares exilados estão enfraquecidos pelas denúncias feitas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos de que eles seriam narcotraficantes. O analista Heinz Dieterich, por exemplo, diz que assim os EUA matam dois coelhos: Maduro e um possível aprofundamento do chavismo.

O fato é que tentativa de entrada ilegal na Venezuela por um grupo de mercenários foi frustrada pela população em parceria com o exército bolivariano e deu ao governo Maduro mais munição para questionar tanto as ações criminosas dos Estados Unidos, quanto de sua oposição interna representada por Guaidó. O presidente mostrou na televisão um suposto contrato feito entre a Silvercorps e Guaidó para a contratação dos serviços dos mercenários. O dinheiro teria vindo das contas bloqueadas no exterior que foram roubadas pelos Estados Unidos e repassadas a Guaidó.

Na Venezuela cresce na população o grito para que Guaidó seja finalmente detido, afinal, não é de hoje sua sistemática ação para derrubar o governo legítimo de Maduro. Esse pode ser um momento oportuno para Maduro finalmente cortar as asas de Guaidó, mas a ordem ainda não aconteceu, apesar das prováveis provas.

Nas milícias populares, cerca de três milhões de pessoas treinadas e armadas, reside a certeza de que a revolução bolivariana segue em risco e que é preciso defendê-la.

Na mídia internacional o tema é discutido sempre de maneira distorcida. Nos jornais brasileiros, por exemplo, o nome de Maduro sempre é precedido do adjetivo “ditador”, sem que seja levado em conta o fato de que Maduro foi eleito da mesma forma democrática como foi eleito o presidente Bolsonaro. No voto, universal, livre e soberano. Também não se fala da ainda grande aceitação popular desse governo que, se realmente se desviou de vários pilares do chavismo, ainda garante algumas de suas conquistas que são muito importantes para a população. Um exemplo muito claro é a forma como está enfrentando a pandemia do coronavírus.

Justamente por sua atuação no campo da saúde comunitária e na ação dos médicos de família o país tem sido o que, depois de Cuba, está conseguindo garantir taxas muito baixas de mortes. A população se sente protegida e segue firme na defesa do governo.

De qualquer forma a tentativa de invasão acendeu novos alarmes. Lugares remotos do país são entradas fáceis para grupos mercenários e é preciso deixar a população alerta. Isso agora está sendo reforçado. A cabeça de Maduro segue valendo 15 milhões, recompensa colocada pelo governo criminoso dos Estados Unidos, sem que nenhum tribunal internacional se manifeste.

Ainda assim, há muita gente dentro do país disposta a dar a vida para defender as conquistas garantidas pelo poder popular.

Mais uma vez, não deu certo. Resta agora saber o que mais virá.


Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do IELA (Instituto de Estudos Latino-Americanos) da UFSC.

Elaine Tavares

Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC

Elaine Tavares
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