O Canadá e o genocídio indígena
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- Elaine Tavares
- 23/09/2021
No dia 27 de maio, na província de Columbia Britânica, autoridades do Canadá confirmaram que foram encontrados os corpos de 215 crianças num terreno da tristemente lembrada Escola Residencial para Indígenas Kamloops. Esta foi uma escola aberta em 1890 pelo governo canadense e dirigida pela Igreja Católica, que “reeducava” crianças indígenas, visando torná-las “canadenses”. Esse processo de sequestro das crianças de suas famílias, educação forçada, perda de cultura original, tortura e morte durou quase um século, já que a escola só foi fechada em 1970. Outras delas, dirigidas também por anglicanos, metodistas e presbiterianos, ainda seguiram funcionando até 1990.
Segundo informações da Comissão da Verdade e da Reconciliação, desde a invasão do Canadá sabe-se que as igrejas realizavam uma sistemática ação de destruição da cultura, através da evangelização. Mas a partir do ano de 1840, o Estado oficialmente assume uma parceria ao criar as primeiras escolas para indígenas na cidade de Ontário. O governo então dava os recursos e as igrejas providenciavam a “educação”. Só que o que era para ser um processo de inclusão dos povos originários na vida do país acabou sendo um circo de horrores.
Em 1898 já existiam 54 escolas no país dentro do modelo de “Escolas Residenciais”, o que no Brasil se assemelharia aos internatos. E era para esse tipo de escola que eram mandadas as crianças indígenas, num atentado sem limites contra suas crenças e seus costumes. Em 1946 foi registrado o número máximo de escolas: 74. E, segundo a lei, os pais que se recusassem a mandar os filhos eram punidos criminalmente. Não havia escapatória. Os indígenas eram obrigados a enviar os filhos para o inferno.
Não bastasse isso, muitas dessas crianças eram submetidas a violências de toda a ordem, inclusive sexuais. A comissão que hoje trabalha para trazer à luz todos esses crimes, cometidos com o apoio do Estado canadense, já documentou 3.200 mortes de crianças nessas escolas, decorrentes de maus tratos, abandono e suicídio. “O governo canadense manteve essa política de genocídio cultural porque queria se desvincular de suas obrigações legais e financeiras com os povos indígenas e assim poder controlar suas terras e seus recursos”, denunciam.
Segundo a Sociedade para Atenção a Infância e Famílias das Primeiras Nações, mais de 150 mil crianças indígenas passaram por essas escolas residenciais numa política deliberada de genocídio cultural. As famílias eram obrigadas, sob ameaças de prisão, a cederem os filhos para que aprendessem a língua do colonizador e fossem roubadas de sua cultura ancestral.
Agora, com essa descoberta de mais de 215 corpos, cresce a demanda por parte da sociedade para que o governo declare um Dia Nacional de Dor em honra de todas as crianças indígenas que foram obrigadas a viver esse terror. Existem informações de que pode haver bem mais corpos não apenas nessa escola, mas também em outras, o que leva a pensar que além do etnocídio e memoricídio, o governo e igreja também permitiram que as crianças fossem mortas sem que sequer as famílias ficassem sabendo. Um verdadeiro horror.
Há que sempre lembrar, nunca esquecer e jamais perdoar. O Estado canadense precisa prestar contas de seus crimes com os povos originários.
Elaine Tavares
Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC