Alguns informes sobre Brizola antes do golpe de 1964
- Detalhes
- Elaine Tavares
- 28/01/2022
Leonel adolescente, com 14 anos
De tudo o que se fala sobre Brizola pouco se diz de sua práxis anticapitalista, anticolonial e nacionalista. Esse ano, ao celebrar os 100 anos de seu nascimento, as lembranças, na mídia comercial, ficaram na superfície, sem apontar suas ações decisivas no sentido de garantir a soberania do povo brasileiro. Aqui reunimos algumas ações de Leonel Brizola antes do golpe de 1964, para que as novas gerações conheçam um pouco melhor esse homem extraordinário.
Leonel conheceu a realidade do trabalhador bem cedo, quando, com 10 anos de idade foi morar sozinho na cidade de Carazinho, vivendo no sótão de um hotel no qual lavava pratos e também carregava malas até a estação. Depois, com 12 anos, já em Porto Alegre, onde foi estudar, se virou sozinho como engraxate e ascensorista. Formou-se como técnico rural e sempre conseguiu aliar muito bem o estudo com a sobrevivência. Nunca teve nada de mão-beijada e sabia o quanto era difícil para um trabalhador superar os obstáculos da vida. Tanto que só conseguiu estudar por conta da ajuda de uma família metodista que lhe garantiu uma bolsa de estudo numa escola da igreja. No ensino médio já era um líder estudantil e foi um dos fundadores do Grêmio do Colégio Júlio de Castilhos. Saiu do ensino médio direto para a Faculdade de Engenharia, e trocou a luta estudantil pela militância no partido político, o PTB. Ele queria mudar a vida de todos.
Foi assim que ele se meteu na vida política e em 1947 já elegeu-se deputado estadual, defendendo as pautas estudantis e melhorias na educação básica. Começava aí a sua saga e quase obsessão com a educação pública. Ele sabia bem o quanto era difícil para um filho da classe trabalhadora estudar, tendo de depender de caridade, e queria que fosse o Estado o responsável pelo ensino. Isso marcaria sua vida para sempre.
Em 1952, quando Secretário de Obras Públicas do Rio Grande do Sul ele colocou para andar o Primeiro Plano de Obras do estado, com obras de infraestrutura, principalmente de saneamento básico e rodovias.
Comandando a Campanha da Legalidade
Em 1956, quando começou seu mandato de prefeito de Porto Alegre deu início a concretização de sua promessa de campanha que era “nenhuma criança sem escola”, aumentando significativamente as vagas na rede municipal e a inclusão dos dois turnos, permitindo assim que as crianças ficassem mais tempo na escola e os pais pudessem trabalhar com tranquilidade. Também deu sequência às obras de saneamento, porque considerava que educação e saúde eram coisas fundamentais para a população.
Em 1959, na sua campanha para governador apresentou um programa de governo no qual defendia priorizar as escolas, habitação, energia elétrica e preços justos aos produtores. Eleito, criou seis secretarias: Administração, Trabalho e Habitação, Economia, Transportes, Energia e Comunicações e Saúde. Toda sexta-feira à noite, na Rádio Farroupilha, ele prestava contas do seu governo, falando com a população e sua voz marcada ecoava por toda a pampa.
Em 1961, Brizola organizou os gaúchos e com o povo armado criou a Campanha da Legalidade, para garantir que João Goulart assumisse a presidência da República depois da renúncia de Jânio Quadros. Organizando uma cadeia de rádios ele comandou uma resistência nacional contra o golpe. Entregou o comando da Brigada Militar ao comando do Exército regional, organizou comitês paramilitares de resistência e distribuiu armas aos civis. Desde o Rio Grande ele defenderia a legalidade.
Vencida a batalha nacional com a posse de Jango, Brizola seguiu seu trabalho no Rio Grande do Sul criando um plano para industrializar o estado e um programa de serviços públicos. Nacionalizou empresas estadunidenses que lucravam com os gaúchos e levantou a ira do então presidente dos EUA, John Kennedy. Sem ligar para os achaques ianques, ele mandou embora a Bond and Share, que monopolizava a energia elétrica na região metropolitana e criou a Companhia de Energia Elétrica Riograndense, a CEEE, empresa mista de capital nacional que existe até hoje. Fez o mesmo com a International Telephone and Telegraph, que dominava a telefonia, e criou a Companhia Riograndense de Comunicações, a CRT. Seu nacionalismo não era de discursos, era de ação.
Exatamente como fez quando era prefeito, Brizola aumentou o número de vagas públicas na educação riograndense e durante seu mandato criou quase sete mil novas escolas, conhecidas à época como “brizoletas”, por conta de sua arquitetura simples, tipo uma casa familiar. Com isso abriu quase 700 mil novas vagas, tendo o Rio Grande a maior taxa de escolarização do país.
Ainda como governador, Brizola criou um programa de reforma agrária, o primeiro no país, e criou o Instituto Gaúcho de Reforma Agrária que garantia assistência técnica e ainda atuava em parceria com o Movimento dos Agricultores Sem-Terra, o Master, que organizava acampamentos de sem-terra no estado na luta por um chão para produzir. Essa luta garantiu assentamento a centenas de famílias e até uma fazenda do próprio governador foi desapropriada para a reforma agrária.
A caminhada que fazia no Rio Grande era uma preparação para o governo federal. Ele queria chegar à presidência e fazer no país tudo o que já havia começado no sul: todo apoio à educação, à reforma agrária e à nacionalização das empresas estrangeiras. Brizola queria um país industrializado e caminhando com as próprias pernas. Foi barrado pelo golpe de 1964.
Elaine Tavares
Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC