Um muro na República Dominicana
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- Elaine Tavares
- 24/02/2022
Foto: República Dominicana e Haiti dividem a mesma ilha no Caribe. Primeira etapa do muro terá 54 quilômetros e custará um bilhão de pesos. Será um misto de concreto e estrutura metálica, com 19 torres de vigilância e 10 portas de acesso, que contarão com patrulha armada. Reprodução.
Os Estados Unidos seguem sendo o maior exemplo para o mundo, principalmente no que diz respeito ao combate à pobreza que é criada pelos seus governos, sucessivamente. A técnica sempre é a de combater o empobrecido e não a pobreza em si. Por isso, desde há décadas fortalecem suas fronteiras com o restante da América Baixa usando soldados fortemente armados e muros. A ideia é não permitir a entrada das hordas de desesperados e famintos que fogem dos seus países acossados pelas políticas impostas por eles, evitando assim que essa gente reivindique seu quinhão. A exceção é com os cubanos que desistem de viver no socialismo. Esses são recebidos com honras e ainda recebem casa e trabalho.
A ideia de muro foi reproduzida também em Israel, seu parceiro econômico e político. Lá, os sionistas invadem o território palestino e vão erguendo imensos muros para controlar a entrada e a saída dos verdadeiros donos das terras, impondo humilhação e violência. Quilômetros e quilômetros de concreto que eles julgam ser capaz de deter a fome de liberdade. Não detém! Assim como os muros da fronteira estadunidense não conseguem deter os desesperados que sonham em viver no tal “mundo livre”.
Pois agora um pequeno país do Caribe decidiu adotar o mesmo exemplo dos EUA e apostar na construção de muro para impedir a entrada dos desesperados. É a República Dominicana, que faz fronteira com o Haiti. Essa semana o presidente Luis Abinader iniciou – com pompa e circunstância – essa infâmia contra os vizinhos. O muro terá uma primeira etapa de 54 quilômetros e custará um bilhão de pesos. Será um misto de concreto e estrutura metálica, com 19 torres de vigilância e 10 portas de acesso, que contarão com patrulha armada.
Esta obra terá sequência num segundo momento quando serão investidos outros tantos milhões em tecnologia inteligente, com sensores de movimentos, câmeras de segurança e drones de alta capacidade. O total do muro será de 173 quilômetros, praticamente a metade da linha de fronteira que soma 391 quilômetros. O presidente diz que a medida é para evitar o tráfico de drogas e armas e controlar o fluxo migratório intenso. Atualmente vivem mais de 500 mil haitianos no país.
É sempre importante lembrar que o Haiti é um país devastado desde 2004 quando os Estados Unidos decidiram depor o presidente democraticamente eleito e impuseram uma invasão que eles chamam de “ocupação humanitária”. Com soldados das Nações Unidas, liderados pelo Brasil, teve início mais um ciclo de desgraça para o povo haitiano, tudo para “manter a ordem” da desordem causada pelo imperialismo estadunidense. Ou seja, a mesma velha fórmula: eles desestabilizam para depois anunciarem a estabilização que só gera mais desestabilização e dependência.
Pois a ação dos soldados das Nações Unidas no Haiti gerou exatamente o esperado e hoje, depois de anos ocupando o país, a tal da Minustah deixou o Haiti ainda mais destroçado, sem um governo capaz de conduzir os destinos da nação de maneira soberana e autônoma. O que resta são os títeres, muitos deles mergulhados em corrupção, que vão engordando suas contas bancárias com a ajuda internacional que apesar de generosa não se expressa na vida dos haitianos. Por isso mesmo muitos deles encontram na fuga desesperada a saída para sobreviver. E a República Dominicana, por estar ali, ao alcance dos pés, é a primeira opção. Mas, em vez de acolher os irmãos que coabitam a mesma ilha, a resposta é o muro. E tem a aprovação de grande parte da população.
Conforme anunciou o presidente Abinader, a República Dominicana seguirá tendo relações comerciais com o Haiti, mas “não podemos tomar para nós a responsabilidade sobre a instabilidade política que ali existe e tampouco resolver seus problemas”. Outros políticos locais afirmam que o muro pode mandar uma "boa e poderosa mensagem" ao mundo, fazendo com que os demais países ajudem o Haiti. Que estranha solidariedade.
Pelo que se sabe, ao rememorar a história dos muros, não há registros de que eles suscitem ajuda. O muro dos Estados Unidos segue sendo a cova de milhares de latino-americanos todos os anos, o muro de Israel é a prova viva do horror e outros tantos muros nas fronteiras só servem para oprimir e causar sofrimento. Não é surpreendente lembrar que apenas a queda do muro de Berlim tenha sido tão esperada e saudada. Alguém arrisca explicar por quê?
Elaine Tavares
Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC