Correio da Cidadania

Bolívia segue sonhando com saída para o mar

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Foto: perfil do Telegram do presidente Luis Arce

As guerras de independência travadas na América do Sul tendo à frente Simón Bolívar tinham dois objetivos claros. O primeiro era o de libertar os países do império espanhol e o segundo era a constituição da Pátria Grande. O sonho de Bolívar era ver essa região como um bloco sólido de poder para enfrentar não apenas a Europa, mas também os Estados Unidos, que já mostrava suas garras. A ideia era garantir os governos regionais nas chamadas “pátrias chicas” unificados a partir de um governo central, o da Pátria Grande.

Mas, como acontece sempre quando a questão do poder se coloca, muitos dos generais que atuaram com Bolívar tinham seus próprios sonhos de grandeza e, na medida em que iam garantindo a libertação dos territórios dos quais eram nativos, almejavam assentar-se sobre um poder próprio. E foi assim que traíram a confiança do Libertador, mataram seu sucessor natural – Sucre – e começaram a tramar o assassinato de Bolívar, que só não aconteceu por conta da valentia de Manuela Saenz. Ainda assim, Bolívar, que já andava fraco dos pulmões, depois de passar uma noite inteira na água, escondido dos assassinos, viu sua saúde deteriorar rapidamente, morrendo em 1830. A partir daí, o sonho da Pátria Grande foi com ele para a tumba e a América do Sul se balcanizou.

A balcanização foi vista com muito bons olhos pela Grã Bretanha que passou a colocar seus olhos e seu dinheiro na América baixa, incentivando as divisões e as escaramuças entre os jovens países, afinal, dividir é a melhor estratégia para assegurar a rapina e manter os países cativos. Assim, tão logo as repúblicas foram sendo consolidadas, também começaram os conflitos envolvendo limites.

A Bolívia, que tem esse nome justamente em homenagem ao Libertador, quando se fez República em 1825 tinha uma costa de 400 quilômetros sobre o Pacífico, e foi justamente uma invasão do Chile no seu território, provocada e incentivada pelo império britânico, que tirou do país a sua saída para o mar. O país já tinha enfrentado uma invasão do Peru, que foi vencida. Por volta de 1866 começaram os conflitos com o Chile, por conta do Deserto de Atacama.

Tratados foram firmados, mas o Chile seguia de olho na riqueza que dormia no solo desértico. Havia empresas chilenas – de capital britânico - explorando a região e elas não queriam pagar as taxas cobradas pela Bolívia para a extração mineral. A Bolívia tratou de expulsar as empresas estrangeiras que se recusavam a pagar os impostos. Não bastasse isso, o guano e o salitre produzido na região próxima do mar viraram uma espécie de “ouro” cobiçado também pelo Chile. Foi assim que, com o apoio da Grã Bretanha, em 1879, o Chile invadiu Antofagasta, que era território boliviano, disposto a tomar o porto e as reservas de guano e salitre.

Estoura a guerra entre os países, um conflito largo que durou até 1884, quando a Bolívia, derrotada militarmente, foi obrigada a ceder sua área frente ao mar. No acordo de paz, o Chile se comprometeu a permitir que a Bolívia usasse a saída para o mar com vantagens alfandegárias e livre trânsito para os produtos, mas a soberania do território estava perdida.

Essa guerra e essa perda seguem sendo uma fratura exposta na relação Chile/Bolívia e ao longo dos anos provocaram muitas tensões, tanto que desde 1978 os dois países não têm relações diplomáticas formais, com embaixadas. Evo Morales quando presidente tentou movimentar a justiça internacional acerca do tema, mas não teve sucesso. Uma decisão da Corte Internacional de Justiça em 2018 deu ganho de causa ao Chile e apontou que o país não teria qualquer obrigação de negociar com a Bolívia a soberania territorial para garantir uma saída ao mar.

Agora, com a posse do novo presidente chileno, Gabriel Boric, a Bolívia deve voltar à carga na sua reivindicação. No último dia 23 de março, celebrado como o "Dia do Mar Boliviano", fazendo referência ao 143º aniversário da Defesa de Calama, o presidente boliviano Luis Arce voltou a reiterar que esta é uma reivindicação irrenunciável e que o governo deverá seguir buscando o diálogo na tentativa de fechar definitivamente as feridas do passado. Para isso, a saída para o mar é condição irrevogável. Uma situação de difícil solução visto que também encontra barreiras na população chilena que não aceita perder território ou nacionalidade. Existem algumas propostas de tríplice fronteira, com áreas soberanas, envolvendo também o Peru, mas nada tem avançado nesse sentido.

O fato é que se a América hispânica fosse uma Pátria Grande como sonhava Bolívar todos esses dramas seriam evitados, pois seria tudo uma grande e mesma nação.

 

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Elaine Tavares

Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC

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