A dura realidade brasileira
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- Elaine Tavares
- 18/05/2022
Lutas estratégicas, pouca participação - Foto: Alessandro Dantas/Fotos Públicas
Estamos quase na metade do ano, o último ano do mandato do atual presidente da República, e tudo o que se vê é a consolidação da pauta proposta lá na campanha eleitoral. O mote da candidatura era “acabar com tudo isso que está aí”. E é o que tem acontecido. Uma destruição sistemática do país. Mas, não se enganem. Esta é uma destruição que atende muito bem aos interesses da classe dominante local e estrangeira. Portanto, tudo está bem. Não é sem razão que em quase quatro anos de desmando as chamadas “instituições democráticas” tenham feito vistas grossas, quando não prestado apoio incondicional.
O governo de Jair Bolsonaro, já nos primeiros dias avançou como um trator sobre as terras indígenas, que hoje conformam 13% do território nacional. Era desejo antigo dos latifundiários e mineradores se apropriarem destas reservas de riqueza e biodiversidade. Pois o governo enfraqueceu a Funai, destruiu os órgãos de proteção, de fiscalização e incentivou a grilagem e o garimpo ilegal. Demorou quase duas semanas para agir no combate aos incêndios em terras amazônicas e pantaneiras e chegou ao cúmulo de prender ativistas que lá estavam para fazer o que era dever do Estado. Também conseguiu aprovar a Lei de Licenciamento Ambiental, a qual permite que um dono de terras destrua tudo a partir de uma autodeclararão de que está protegendo o meio ambiente.
No campo da economia o governo avançou tremendamente na aprovação de pautas demandadas pelos banqueiros, empresários, industriais decadentes, fazendeiros e comerciantes. Garantiu a autonomia do Banco Central, com pouquíssima oposição, mudou a legislação trabalhista, retirou direitos dos trabalhadores, fez crescer o trabalho informal, o desemprego e colocou milhões de brasileiros de volta para a linha da pobreza e da pobreza extrema. Aumentou juros, endividou o povo, deixou que produtos básicos como o gás, por exemplo, fosse para as alturas e permitiu que a Petrobras dobrasse seus lucros à custa da desgraça do brasileiro que já paga quase oito reais pelo litro de gasolina. Conseguiu ainda a privatização da Eletrobras, a gigante de distribuição de energia, quase sem oposição.
O governo também foi vitorioso na sua cruzada pelo direito ao porte de armas e abriu as porteiras dos armamentos para que seus apaniguados se armassem e iniciassem uma selvagem perseguição aos indígenas, ribeirinhos e quilombolas. Nessas áreas, a ação de jagunços e milícias criadas por fazendeiros e mineradores, deitam e rolam sem pejo e sem parada. Também o chamado “cidadão comum” tem garantido sua arma pessoal a qual usa para matar mulheres ou oponentes em brigas de trânsito ou de desafetos. Incomodou? Leva tiro, e está tudo bem. Os demais – que mal tem dinheiro para garantir a comida - olham e acham bom, afinal “é preciso se proteger da violência”. Esse é discurso vencedor. Também liberou agrotóxico a granel, fazendo com que a comida dos brasileiros siga sendo uma das mais venenosas.
Esse foi também o governo que atravessou a tragédia da pandemia do novo coronavírus massacrando a população. Demorou meses para aceitar que era uma pandemia, fez graça durante todo o tempo, não usou máscara, incentivou a população a não se proteger, permitiu que morressem quase 700 mil brasileiros, demorando a entrega de respiradores, oxigênio, remédios. Atrasou a vacinação e fez todo o possível para impedir que seus apoiadores se vacinassem. Um horror sem medida. E, se não bastasse tudo isso, ainda está envolvido em casos escabrosos de tentativa de lucro sobre a vida dos brasileiros em negociatas com a compra de vacinas. Até teve uma CPI para investigar, mas acabou em pizza.
Tudo isso e muito mais aconteceu praticamente sem rugosidades. No Congresso Nacional o governo garantiu maioria e foi passando quase tudo que propôs. Um número expressivo de congressistas é cúmplice desta destruição. No campo do judiciário o governo também esteve muito bem, obrigada. Apesar de algumas jogadas de cena, esse setor muito pouco atuou no sentido de defender a vida dos brasileiros e o patrimônio da nação. Isso sem contar a farsa da chamada Operação Lava-Jato que fez e aconteceu sem freios. Igualmente cúmplices.
Assim foi e segue sendo o governo de Bolsonaro, garantindo as exigências da classe dominante. Tem sido extremamente competente na sua atuação, se fazendo de bobo da corte, inventando factoides, desviando a atenção da opinião pública do que é essencial, criando cortinas de fumaça. Quando algo importante está passando no Congresso lá vai ele dizer uma bobagem e nas redes sociais pipocam os memes, enquanto a vida escorre pelo ralo.
Agora, na reta das eleições, os brasileiros vinculados a partidos de centro-esquerda, esquerda e os movimentos sociais, desatam uma campanha bem orquestrada para “derrotar o fascismo”. Anunciam que, neste momento, o mais relevante é tirar o Bolsonaro do governo. O resto resolve-se depois. Assim, se rebaixa a política, porque o que parece é que a grande cruzada é contra uma pessoa e não contra o sistema que ele representa. Aceitam-se as alianças mais espúrias e velhos inimigos são convidados para as trincheiras como se fosse possível mudar de uma hora para outra os “hábitos alimentares” de determinados políticos. Um desastre anunciado.
É certo que arte da política é arte de negociar, mas ainda assim, deveria haver limites para essa negociação. Não é o que estamos vendo. O discurso dominante é o de que todas as forças devem ser arregimentadas para tirar o capitão do governo, mesmo que para isso seja necessário abrir mão da alfabetização política e das velhas demandas da classe trabalhadora. “Não é hora de propor uma pauta radical”. Assim, vai vencendo a proposta liberal de buscar um pouco mais de democracia, um pouco mais de distribuição de renda, um pouco mais de respeito, um pouco mais disso e daquilo. Nada de balançar estruturas. Não é hora! E se alguma voz tenta discutir isso aí, pronto... Vira alvo.
E é assim que vamos caminhar até a eleição, acreditando que tudo vai dar certo e que se o cramulhão se for, a vida poderá voltar aos trilhos. É a consciência ingênua agindo. O presidente atual é só uma peça desse oligopólio mundial de poder, um gerentezinho. Sua queda não estremece o sistema. Diminui a velocidade da destruição, mas não a impede.
O que muda as coisas é a transformação radical, o povo organizado e em luta, assumindo o comando da vida. Mas, ai de mim, dizer isso é estar “fazendo o jogo da direita”. Então, cala-te, vota, e espera que tudo vai melhorar. Tu crês?
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Elaine Tavares
Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC