Os mesmos velhos caminhos da América baixa
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- Elaine Tavares
- 17/05/2023
Foto: Manu Vargas – Peruanos em luta contra a deposição de Pedro Castillo
Os tempos que configuram essa terceira década do século 21 são de assombro. Depois da escalada de um matizado “progressismo” que começou no final dos anos 1990, toda a região latino-americana começa a viver nova onda de dominação do pensamento conservador e da ultradireita. No Brasil a população votou em Jair Bolsonaro para gerir o país em quatro anos de absoluta destruição dos direitos dos trabalhadores, do emprego, da indústria nacional, do ambiente. E, ainda que nas últimas eleições a maioria tenha escolhido Lula da Silva, houve uma expressiva marca de votos para o protofascista, uma gente que segue atuando de maneira veloz e eficaz no sentido de disputar as mentes, mantendo viva a chama do conservadorismo.
Na América Central aprofunda-se cada vez mais o desejo de ver uma mão-dura dura governando e isso aparece concretamente no caso do governo de Naybe Bukele, em El Salvador, que decidiu encarcerar meio mundo e governar como um imperador. Tem 90% de aprovação da população que nunca em sua vida tinha visto alguém atuar contra as maras (gangues). E ainda que se fale em acordos entre as maras e Bukele, o que se vê, na aparência, é uma multidão de criminosos que impunham o terror sendo presos e sumindo das comunidades. Um alívio para a violência que tem levado milhares de pessoas a migrar dia após dia. O que isso vai dar no futuro parece não importar. Porque o impacto na vida cotidiana é grande.
No Paraguai, quando todas as pesquisas anunciavam um empate técnico entre o candidato colorado, cria de Horácio Cartes, e Efraín Alegre, que representaria uma aliança mais à esquerda, o que se viu foi uma vitória estrondosa de Santi Peña, mantendo no poder um partido que salvo um pequeno hiato – com Lugo – governa o país há 70 anos. Nem todas as denúncias de corrupção, nem a retirada do apoio dos Estados Unidos a Cartes fez com que a esquerda pudesse lograr uma vitória. Isso porque quem surgiu como “saída” foi um candidato ultradireitista, Payo Cubas, conhecido como o “Bolsonaro paraguaio”, com propostas de pena de morte, e mão-dura contra tudo e todos, que abocanhou impressionantes 23% dos votos.
Na Argentina, que celebrou a vitória de uma coalizão de centro-esquerda contra Macri, as coisas não estão indo bem. Novos contratos fechados com o FMI, aumento do desemprego e crise financeira tem colocado a população com as barbas de molho. Uma viragem à direita de novo não está descartada. No México, os ataques a López Obrador se aprofundam e por aí vai.
O que o cenário parece apontar é que as coalizões “progressistas” que têm assumido governos não conseguem sair da armadilha liberal. Por conta disso também se mostram incapazes de resolver problemas que são estruturais. O caso de El Salvador é paradigmático. Passou por duas gestões de governos oriundos das lutas de libertação, mas que não avançaram na relação com a violência, com a miséria, com o desemprego. Bukele deu solução pela via autoritária. A população em geral prefere políticos que tenham propostas claras, que respondam à maioria em problemas que impactam a maioria. Propostas que envolvam grupos específicos tendem a ser vistas como privilégios ou insuficientes. O que, de fato, muitas vezes são.
Outra falha bastante comum é a incapacidade de comunicar com a maioria. Os grandes temas seguem sendo decididos em espaços fechados, ou no legislativo, sem um debate público amplo. A população não é chamada para conhecer a ação dos governos e muitos menos para decidir sobre as questões. Exemplos positivos como a organização pela base em Cuba, ou as ações comunicativas do presidente Hugo Chávez, na Venezuela, não são consideradas. O resultado é que a maioria acaba sendo inoculada pelo vírus da desinformação que circula pelas redes sociais. São tantas e tão velozes as mentiras e a desinformação, e não encontram barreira eficaz.
O Brasil acaba de viver um momento assim quando o governo decidiu passar, sem amplo debate, um projeto de regulação das grandes empresas de dados e informação. A mentirada gerada pela oposição ultraliberal se espalhou como pólvora e, na dúvida sobre o conteúdo total do projeto, muita gente que não é da direita acabou se colocando contra também. Esse é um tema que precisa de muito debate e as pessoas precisam ficar certas de que isso será bom para a maioria. Não é assim que aparece. A direita fala em censura e o governo não consegue ser claro.
No Chile o governo de Boric, colocado como “progressista”, tem aplicado velhas receitas que a população não vê com bons olhos, como é o caso da militarização da região da Araucanía. E, agora, os chilenos escolherão uma nova assembleia constituinte, provavelmente muito menos à esquerda do que a que nasceu das grandes manifestações e que foi derrotada quando a população disse não ao projeto construído. Resta saber se a lição foi aprendida e as propostas que nascerão desta nova constituinte realmente busquem mudanças significativas para a maioria dos chilenos.
Via de regra o que se vê nos governos ditos progressistas é um descompasso entre o que apregoam e o que de fato fazem. Pululam propostas de caráter pequeno-burguês, de melhoria do capital, de conciliação de classe. As saídas seguem pela via liberal e não apresentam respostas para os dramas estruturais de cada nação. Nestes tempos de redes sociais, alienação estonteante e inteligências artificiais faz falta uma esquerda revolucionária que seja clara nas propostas, e que seja capaz de carregar o povo todo, não para humanizar o que não tem como ser humanizado – o capitalismo – mas para constituir uma nova sociedade de verdade.
A resposta a tal crítica tem sido a mesma: se busca transformação precisa enfrentar o império. Ou seja, insiste-se na receita de fazer omelete sem quebrar os ovos. E, ainda que a conciliação sempre acabe mal, é nela que se amparam.
Enfim, andamos longe da mudança, mas caminhamos.
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Elaine Tavares
Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC