Correio da Cidadania

Falta uma esquerda revolucionária

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A Comuna, o Estado e a revolução | Blog da Boitempo
Danilo Carneiro era um comunista, militante social que participou da Guerrilha do Araguaia – durante a ditadura militar - e tinha princípios muito claros sobre o caminho a seguir. Atuando junto ao IELA desde a sua criação em 2004, era assim uma espécie de decano. Vinha ao Instituto todos os dias para estudar e ficava até umas dez horas da noite lendo e conversando com os estudantes. Era um mestre. Fez isso até poucas semanas antes de morrer, aos 80 anos de idade, no primeiro dia do ano de 2022, sofrendo as sequelas das torturas que sofreu. Dentre as muitas lições que nos deixou há duas que seguem sendo suleadoras: para lutar tem de estar organizado e para mudar há que ter um partido revolucionário. “Sem isso não dá, nega”. Era o seu bordão.

Observando a política latino-americana, eivada de novos golpes, e particularmente a brasileira, completamente entregue a conciliação, fica nítido o quão distante estamos da ação de uma esquerda revolucionária. Mesmo depois de termos passado por um governo como o de Jair Bolsonaro, quando comandaram a nação as criaturas mais ignóbeis, o que se vê é o mesmo velho jogo da conciliação. Nada avança. Patinamos. Não há uma esquerda visível e as forças em ação são da chamada realpolitik: “É o que se pode fazer agora”. “Não podemos puxar a corda”. “Há que entender a realidade”. E coisas do tipo. Criticar o governo não se pode, senão já vem a etiqueta de “fazer o jogo da direita”. Lutar, fazer greve, manifestações, também não pode, porque senão é jogar água no moinho da direita.

Ou seja, há que aceitar as coisas mais absurdas como a nova Lei da Polícia Militar, ou a mesma lógica econômica que rege o mundo neoliberal, as alianças no Congresso com os mesmos que jogaram o país no inferno em 2016, ou as esdrúxulas parcerias que vão se arranjando para as eleições municipais. “Vamos agora ganhar as prefeituras, depois a gente avança”, dizem. E tudo gira em torno do eleitoral. As mudanças profundas e necessárias não vêm. Não virão.

Lendo Lukács, na sua análise sobre o irracionalismo alemão que levou a Hitler, fui me surpreendendo com sua escrita. Parecia estar falando de nós. Diz ele que a vitória do reformismo e da conciliação na construção do que foi a República de Weimar foi o passo decisivo para que mais tarde a população da Alemanha aceitasse os horrores do nazismo. Para barrar a revolução – o levante das massas - durante a grande crise os reformistas diziam: tem que estabilizar a república, os comunistas são muito radicais, não se deve fazer greve por conta de salário, não se deve fazer manifestação, acalmem-se.

Ou seja: a razão reformista não apenas deixou a classe trabalhadora incapaz de lutar contra o capitalismo imperialista que se instalava na Alemanha, bem como impossibilitada de enfrentar o fascismo. Além disso, destruiu a ideia do desenvolvimento histórico no qual a classe trabalhadora luta e avança. Os alemães, abobados pelos pregadores da realpolitik, acabaram mais tarde elegendo Hitler e deu no que deu.

Voltando ao presente, pressinto que os sacerdotes da atual realpolitk estejam agindo com desenvoltura visando abobalhar os trabalhadores. Obviamente a história só se repete como farsa, mas ainda assim é um grande risco. O país da conciliação já gerou um “mito”, figura típica do irracionalismo político. O que mais pode vir? Chegaremos ainda mais fundo nesse poço? Por isso me volta a lição do Danilo, da necessidade de um partido revolucionário de verdade. Mas, ando cética. Creio que com essa humanidade tik tok não iremos muito longe. Os tempos são grises...

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Elaine Tavares

Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC

Elaine Tavares
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