Correio da Cidadania

Encantou Martin Almada

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Partiu no sábado, dia 30 de março, o homem que descortinou a Operação Condor, a megaoperação liderada pelos Estados Unidos para criar ditaduras e terror na América Latina. Intelectual, advogado e ativista dos direitos humanos, Almada lutou contra a ditadura de Stroessner no Paraguai e em 2002 ganhou o Prêmio Nobel Alternativo por sua batalha por memória e justiça. Martin esteve no Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC em várias ocasiões, inclusive em uma das Jornadas Bolivarianas.

Quando Stroessner deu o golpe no Paraguai e instaurou a ditadura, Martin era um simples professor que queria apenas melhorar o salário do sistema. Ele acreditava que ser professor era ter um sacerdócio, seguir o exemplo de Jesus. “Mas os professores seguiam um Jesus manso e eu descobri, com Paulo Freire, que há um Jesus revolucionário, e eu o segui”.

E foi por conta dessa sua luta que acabou preso nos porões da ditadura. Ficou encarcerado de 1975 a 1978, sofrendo a horríveis torturas, cujos áudios eram repassados pelos milicos à sua mulher, Celestina, que acabou morrendo em função destas torturas psicológicas. Uma chaga aberta no seu peito, jamais esquecida ou perdoada. Em 1978, depois de uma longa greve de fome, ele foi libertado e exilado no Panamá, seguindo depois para a França. Dedicou sua vida a desvelar os crimes da ditadura.

Quando voltou para o Paraguai depois da queda do ditador pôs-se a denunciar tudo o regime. Ele lembrava que as ditaduras latino-americanas foram responsáveis pela morte de mais de 300 mil pessoas, sendo mais de 50% dirigentes sindicais. Os demais eram professores e estudantes, ou seja, foi uma conspiração contra a sociedade do conhecimento, contra os trabalhadores.

Apesar de todas as dores vividas na tortura, a perda da esposa e o drama de um regime de força, Martin nunca perdeu a ternura. Seus olhos mansos miravam o mundo com profundo amor, sempre dispostos a ver o que ninguém via. Foi assim que encontrou os arquivos da Operação Condor, em 1992, na cidade de Lambaré, próxima da capital.

“Nas minhas andanças em busca da memória eu encontrei uma avozinha que contou sobre o neto que havia sido torturado e morto, uma história triste demais. Então ela me mostrou uma casa e disse: ali, naquela casa, os argentinos, uruguaios, paraguaios e brasileiros choraram pelas noites a fio. Ela é até hoje assombrada pelos gritos de dor. Não entre ali”. Ele mesmo um assombrado por seus próprios gritos e de seus companheiros de tortura não hesitou um segundo. Entrou na casa e lá estavam mais de três toneladas de documentos da Operação Condor. Hoje, ali, funciona a Fundação Celestina Pérez de Almada (nome da esposa que morreu por conta das torturas psicológicas) e os gritos que escapam da casa clamam por justiça.

Agora, esse adorável homem, de sorriso doce e olhos cheios de ternura encerrou sua jornada. Que sua luta seja seguida pelos paraguaios deste tempo para que nunca mais a América Latina tenha de viver um período de tanta dor. Martin Almada vive para sempre. Que seja bem-vindo na casa da beleza.

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Elaine Tavares

Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC

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