Correio da Cidadania

A universidade, o governo e a greve dos técnicos

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Greve nas universidades nunca foi fácil. Até porque uma universidade não é uma fábrica de salsichas. Quando os trabalhadores param não há um patrão específico perdendo seus lucros. É uma batalha contra um governo de plantão.

No geral, os motivos são salariais e isso não é um acaso. Ocorre que os trabalhadores públicos, ao contrário dos que atuam no mundo privado, não têm uma data-base, que é aquele momento obrigatório no qual são recompostas as perdas do ano. Por conta disso o governo vai se fazendo de morto, não recompõe os salários, não repõe a inflação e vai deixando os trabalhadores na lona. Sem a recomposição da inflação o salário vai minguando, perdendo poder de compra. Quando fica insustentável, a única saída é a greve.

Outro motivo que obriga os trabalhadores a parar o trabalho é a destruição sistemática da universidade, quando o governo – seguindo receitas externas – vai diminuindo as verbas, sucateando, arruinando, arrasando a estrutura e minguando as políticas de permanência. Chega uma hora que fica impossível trabalhar e estudar. Assim, os trabalhadores precisam agir em consequência e parar, a fim de que o governo seja provocado a recompor também o orçamento das instituições federais, melhorando assim o ambiente de trabalho e permitindo que mais estudantes possam se manter na universidade. Esse é, portanto, o cenário no qual se movem os trabalhadores e os governos. É como um interminável jogo de força.

Nesse ano os trabalhadores técnico-administrativos, amargando perdas de 76% desde 2015, tiveram de parar. Iniciaram uma greve para recompor os salários e também exigir o aumento das verbas de custeio para a universidade, que diminuíram mais de 50% desde 2015 até aqui. São perdas muito significativas na vida do trabalhador e na da universidade. É uma derrocada que impacta muito mais do que os mais de 200 mil TAEs (entre ativos e aposentados), afinal, a universidade caindo aos pedaços interfere também na vida de mais de um 1,2 milhão de alunos que ainda estudam no modo presencial. Pois é esta pauta que move a greve iniciada em março deste ano.

Agora o movimento chega aos três meses tendo apenas duas mesas de negociação com o governo, nas quais a proposta tem sido a mesma: zero de reajuste para este ano, mudanças insignificantes no plano de cargos e nenhum aceno para o aumento de verbas para as universidades. O governo de Luiz Inácio já negociou com outras categorias e concedeu aumentos graúdos para algumas delas, mas para os trabalhadores das universidades a regra tem sido: endurecer e não ceder. Diante disso há que se compreender duas questões importantes.

As mudanças ocorridas no desenvolvimento do sistema capitalista têm colocado os países periféricos como o Brasil na condição – cada vez mais fortalecida – de meros exportadores de matérias primas: grãos, petróleo, carne. Por isso os governos fortalecem tanto o setor do agronegócio bem como o da extração mineral. Os incentivos para esses setores crescem de maneira vertiginosa, enquanto a educação vai perdendo na mesma medida. Para um país que exporta commodities (mercadorias de origem primária) e importa tecnologias, não se faz necessário investir em escolas ou universidades. Por isso um ensino médio voltado ao “empreendedorismo”, e uma universidade cada dia mais sucateada.

Oferece-se uma educação meia-boca para capacitar minimamente o trabalhador e deixam-se essas coisas de ciência e pesquisa para os países centrais. Não é sem razão que hoje, no Brasil, o número de estudantes fazendo faculdade no modo on-line, pagando 50 reais de mensalidade, cresce sem parar. Já são mais de três milhões de alunos nessa modalidade, enquanto nas universidades públicas, no ensino regular e presencial são pouco mais de um milhão. Como bem avalia o economista Nildo Ouriques, isso resolve o problema da formação de profissionais e gente minimamente capacitada. A universidade pública, tal como a conhecemos, está ficando desnecessária.

Com essa decisão política de enxugar as universidades públicas ao máximo, o governo federal vai estrangulando os atuais trabalhadores, visando justamente extinguir a carreira de técnico-administrativo, ideia que vem desde o governo Fernando Henrique. Os sucessivos governos foram extinguindo cargos, terceirizando e tornando esta carreira cada vez menos atrativa. A tal ponto que hoje o que mais se ouve entre os trabalhadores das universidades é a vontade de passar em outro concurso, para uma carreira mais vantajosa. A condição material real tem afugentado os trabalhadores. Só na UFSC há um déficit de mais de 300 que ou se aposentaram ou abandonaram a carreira. E não há reposição destes cargos, o que sobrecarrega os que ficam.

Agora na greve essa política de extinção dos TAEs fica bem clara. Pela primeira vez não se vê movimentação da base de apoio do governo no sentido de cavar reuniões ou influenciar o presidente para que atenda as demandas dos trabalhadores. Há apoios ritualísticos, mas nenhuma ação concreta por parte de deputados federais e senadores. É certo que alguns têm gritado no deserto, mas são exceções e acabam não tendo muita força. Audiências sobre educação são feitas, mas não há pressão sobre o executivo, que é quem tem a caneta. Por parte do governo de Luiz Inácio a intenção é de oferecer o mínimo possível e ainda dividido em dois anos, com zero ajuste nesse ano. Com o agravante de manter o movimento em greve, prejudicando ainda mais a universidade. Nem mesmo os professores, que sempre são os que aparecem para a sociedade como “os trabalhadores” das universidades estão sendo ouvidos. A negociação tem sido dura.

Neste diapasão o governo vai mantendo a ideia de que a universidade é desnecessária, que os trabalhadores técnico-administrativos precisam ser privatizados e os professores precisam aceitar os novos tempos. A sociedade, como sempre mal informada pelos sacerdotes do capital (mídia comercial), começa a acreditar que fazer dancinha no tik tok pode ser mais rentável para seus filhos do que queimar pestanas na universidade, e assim a educação vai perdendo força e importância.

O mais dramático é que esta universidade que aí está nem chegou a ser a universidade que sonhamos, aquela, necessária, rebelde, que se debruça sobre os problemas nacionais, que avance nas pesquisas estratégicas para o país, que abre caminhos para o fim da dependência. E, mesmo assim, caminha-se para sua destruição.

O cenário é esse. Para os trabalhadores só resta o caminho da luta.

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Elaine Tavares

Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC

Elaine Tavares
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