Um mundo sem lei
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- Elaine Tavares
- 09/10/2024
Presidente da Colômbia, Gustavo Petro denuncia tentativa de desestabilização do governo
Já faz um bom tempo que o chamado direito burguês não consegue mais manter a ilusão de justiça. Qualquer criança sabe que via o judiciário só o que se pode esperar é o reforço ao poder dominante. Vimos isso no cotidiano, quando um cara com um vinagre na bolsa passa anos na cadeia, enquanto um candidato que forja um atestado médico segue atuando livremente, enganando incautos. Ou quando algum milionário que atropela e mata alguém segue sua vida sem rugosidades. Ou quando algum político saúda torturadores e a ditadura, e não sofre qualquer sanção. Ninguém crê no judiciário. Por isso é tão angustiante ver gente da chamada esquerda se amparando em tipos como Alexandre Moraes.
O caráter de classe do judiciário esteve por muito tempo obscurecido por essa ilusão de que poderia haver justiça. Agora não mais. Tudo está às claras. Na macropolítica, assim como no cotidiano, é justamente o judiciário o poder que vem aplicando e consolidando golpes de Estado naquilo que as mentes colonizadas chamam de “lawfare”, ou seja, uma guerra jurídica.
Para quem não se lembra, foi assim em Honduras, em 2009, quando o presidente Mel Zelaya queria fazer uma consulta à população e a Suprema Corte decidiu que era ilegal, e permitiu o golpe. No Paraguai, em 2012, também foi o judiciário que decidiu responsabilizar o presidente Fernando Lugo por um conflito entre camponeses e policiais. Lugo foi deposto praticamente sem direito a se defender.
No Brasil, em 2016, Dilma Rousseff foi acusada de pedaladas fiscais e também sacada da presidência. As tais pedaladas que eram práticas correntes foram legalizadas pouco depois. Na Bolívia, em 2019, Evo Morales também sofreu os ataques do judiciário e acabou tendo de abandonar o governo. Pedro Castillo, do Peru, em 2022 igualmente sofreu perseguição por parte do judiciário que alegava não ter ele as “condições morais e intelectuais” de governar. Um verdadeiro acinte à inteligência humana.
Agora, em 2024, mais uma vez em Honduras, a presidente Xiomara Castro denuncia tentativas de desestabilização do governo por parte dos Estados Unidos, que não quer que Honduras atue junto com a Venezuela em práticas comerciais e políticas. Além disso, Xiomara decidiu encerrar um tratado de extradição com os EUA que, segundo ela, é uma arma contra as autoridades locais. Que ninguém se surpreenda se não vier alguma acusação de crime para a presidente.
Nesta semana o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, foi surpreendido pela abertura de investigação por exceder o limite de financiamento para sua campanha em 2022. Quem pediu a investigação foi um juiz ligado a Álvaro Uribe. Ou seja. Novidade alguma no front. Petro já está denunciando que isso faz parte de uma tentativa de golpe no país e tem conclamado a
população a sair às ruas para defender o governo. Coisa que se põe difícil já que as reformas esperadas pela maioria não chegam.
Esse tem sido o drama dos governos tidos como progressistas ou populares na América Latina. Apesar de não se colocarem no caminho do socialismo, as pequenas mudanças que realizam já são suficientes para que a classe dominante – que dirige os países há séculos – arreganhe os dentes e passe a atuar em consequência, desestabilizando os governos. Aproveita-se do fato de que esses governos agem com frouxidão, não assumem uma crítica radical ao sistema e não se arriscam em mudanças estruturais.
Com o advento das redes sociais, que difundem mentiras sem limite ou controle, a ação da classe dominante ficou ainda mais facilitada. Com boa parte das gentes vivendo uma espécie de dissociação cognitiva, ocupar e colonizar as mentes tem sido bem fácil.
Assim, paradoxalmente, é justamente nesse mundo sem lei que a lei é usada para os chamados “golpes suaves”, que de suaves não têm nada, uma vez que são os responsáveis pela destruição dos países e de seus habitantes, na medida em que mantêm o permanente roubo das riquezas e aprofundam cada vez mais a dependência e o subdesenvolvimento.
A batalha pela Pátria Grande segue. Haveremos de encontrar as novas armas...
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Elaine Tavares
Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC