Um marco histórico na vida política da Unicamp
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- Correio da Cidadania
- 11/04/2016
A Placa-Totem inaugurada pela Reitoria em cerimônia pública no último dia 17 de março é, a meu ver, um marco histórico na vida política da Universidade Estadual de Campinas. Além de homenagear os membros da comunidade acadêmica que foram punidos pela ditadura militar (1964-1985), a obra instalada na Praça das Bandeiras simboliza também um claro repúdio aos golpes contra o Estado de direito democrático.
Denominada de “´Reconhecimento, Memória e Verdade Histórica” a Placa-Totem foi a solução encontrada pela Reitoria a fim de atender uma das Recomendações do Relatório Final da Comissão da Verdade e Memória “Octávio Ianni” (1); por meio dessa Recomendação, a Comissão solicitava que a Reitoria produzisse um artefato artístico que questionasse a honrosa menção feita, em extenso Painel da Praça das Bandeiras, ao militar golpista Mal. Humberto de Alencar Castelo Branco.
De forma democrática, a CGU – em resposta a um documento dirigido à Reitoria (subscrito por 35 docentes de várias unidades da Universidade) –, convidou uma comissão de signatários para examinar o assunto em uma reunião. Na conversa foi aprovada uma proposta, feita pela Reitoria, da construção de uma Placa-Totem no campus; no mesmo encontro, a CGU solicitou à comissão de docentes a elaboração de um texto a fim de constar da obra (2).
Reconhecimento e homenagem
Por meio desta iniciativa, a Unicamp torna público seu reconhecimento e presta homenagem a dois tipos de membros da nossa comunidade:
a) Todo/as os que estavam vinculado/as à Universidade quando sofreram punições por injunções ou pressões do regime militar. Esses arbítrios se manifestaram de diferentes formas: prisões, torturas, perseguições e afastamentos.
No Relatório Final da Comissão da Verdade e Memória da Unicamp a quase totalidade desses membros é mencionada. Foram eles:
Ademir Gebara, Alberto Pelegrini Filho, Alberto Zeitune (in memoriam), Alcides Mamizuka, Álvaro Caropreso, Anamaria Testa Tambellini, Antônio Sérgio da Silva Arouca (in memoriam), Cristina Possas, Edson Corrêa da Silva, Eduardo Maia de Carvalho Freese, Eleonora Machado Freire (in memoriam), Elisabeth Moreira dos Santos, Francisco Eduardo Campos, Francisco Viacava, Gustavo Zimmermann, Hélio Rodrigues, João Aidar Filho, Joaquim Alberto Cardoso de Melo (in memoriam), José Augusto Cabral de Barros, José Eduardo Passos Jorge, José Rubens de Alcântara Bonfim, José Welmovick, Lais Tolentino, Luiz Antonio Vasconcelos, Luiz Carlos Toledo, Marilia Bernardes Marques, Osvaldo de Oliveira, Raimundo Araujo dos Santos (in memoriam), Rodolpho Caniato, Rosali Ziller de Araújo, Rubens Murillo Marques e Simão Lukowiecki (in memoriam).
b) Todo/as os demais membros da comunidade acadêmica que – antes de pertencerem aos quadros da Unicamp – sofreram algum tipo de sanções por parte do regime militar.
Esta específica homenagem tem um inequívoco significado político e educacional: durante os 21 anos de regime discricionário, a Unicamp foi uma instituição que, de forma destemida e sem hesitação, abriu suas portas a dezenas de pessoas que foram perseguidas e punidas pela política de terror implantada pela ditadura militar. Nesta categoria se encontram o/as que foram preso/as, torturado/as, exilado/as políticos e afastado/as de suas funções públicas.
Esclarecendo que a lista abaixo não é exaustiva, os seguintes membros da comunidade acadêmica se enquadrariam nesta situação:
Álvaro Caropreso, Ana Fonseca, Ana Valderez (in memoriam), Ângela Araujo, Ângela Soligo, Antônio Carlos de Oliveira, Benito Damasceno, Bento Prado Ferraz Junior (in memoriam), Bernardino Figueiredo, Carlos Alberto Lobão, Carlos Eduardo Viegas da Silva, Carlos Estevam Martins (in memoriam), Carlos Lessa, Claudio Torres (in memoriam), Clovis Goldemberg (in memoriam), Dilma Rousseff, Elza Berquó (in memoriam), Frederico Mazzucchelli, Helena de Freitas, Izabel Marson, João Quartim de Moraes, Jorge Baptista Filho (in memoriam), Jorge Mattoso, José Serra, Leda Gitahy, Liana Aureliano, Lourdes Sola, Luiz Carlos Freitas, José Luiz Paes Nunes, José Machado, José Tomaselli, Leslie Denise Beloche, Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida, Luiz Carlos Cintra, Luiz Werneck Vianna, Lylia Guedes Galetti, Maria Lygia Quartim de Moraes, Marcelo Moreira Ganzarolli, Marco Aurélio Garcia, Maurício Tragtenberg (in memoriam), Nelson Rodrigues dos Santos, Ondina da Silva Pregnolatto, Osvair Vidal Trevisan, Paulo Freire (in memoriam), Paulo Roberto Beskow, Paulo Renato de Souza (in memoriam), Raul Pont, Renato Dagnino, Robêni Baptista da Costa, Roberto Romano da Silva, Roberto Schwarz, Sandra Negraes Brisolla (in memoriam), Sebastião Velasco e Cruz, Sérgio Salazar, Sérgio Silva, Sônia Draibe, Sílvio de Alencastro Pregnolatto, Vilma Barban, Waldir Quadros, Waldir Ribeiro Gallo e Zenaide Machado.
Na sessão pública que homenageou os membros da comunidade acadêmica que lutaram contra a ilegitimidade do regime militar, a Unicamp reiterou seu permanente compromisso com o pensamento crítico, a verdade histórica e os valores da democracia.
De forma lúcida e consequente, a Reitoria entendeu que, ao invés de destruir o Painel que comemora a presença de uma importante liderança do golpe de 1964 no campus da Unicamp, impunha-se erigir uma placa por meio da qual fosse esclarecido que o “Senhor Presidente da República Humberto de Alencar Castelo Branco” foi, na verdade, um proeminente militar que teve elevada responsabilidade pelos crimes do regime de 1964.
A instalação da Placa-Totem no campus revela – como afirma o texto nela transcrito – que a Unicamp está afinada com todas as iniciativas de caráter simbólico, dentro e fora dos meios acadêmicos brasileiros, que, hoje, repudiam qualquer homenagem prestada a quem tenha apoiado os arbítrios e as violências perpetrados pela ditadura militar.
Notas:
1 O Relatório final pode ser acessado pelo site: https://www.comissaoverdade.unicamp.br
2 O texto é o seguinte:
“Por meio desta Placa, a Unicamp presta sua homenagem aos homens e mulheres da comunidade acadêmica que, lutando pela redemocratização, sofreram violências físicas e morais durante o longo período da ditadura militar.
O militar Humberto de Alencar Castelo Branco, dignificado no extenso Painel ao lado, teve papel decisivo no golpe de Estado que derrubou o governo democrático de João Goulart (1961-1964) e na implantação da ditadura militar. Como ficou evidenciado por inúmeras pesquisas históricas e pelos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, os cinco governos militares (1964-1985) causaram profundos danos à economia, à educação, à cultura e ao meio ambiente do país, sendo responsáveis por graves violações dos direitos humanos (prisões, torturas, desaparecimentos e mortes) e pelo sistemático cerceamento das liberdades democráticas. Esta placa cumpre, também, a necessária função de repudiar qualquer homenagem prestada a quem apoiou tais crimes”.
O projeto da Placa-Totem é de autoria da arquiteta Flavia Brito Garboggini.
Por Caio Navarro Toledo, professor da Unicamp.