O sentimento de um rio
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- Eduardo Gudynas
- 04/12/2023
O que o rio sente quando é iminente a seca que levará à sua morte? O que ele sente quando a poluição persistente o adoece, a cada ano um pouco mais, sem pausas? O que ele sente quando é mutilado por represas, barragens, docas ou canais? Estas são perguntas que raramente são feitas, mas que a severa crise da água que o Uruguai enfrentou no inverno tornaram inevitáveis.
A resposta mais simples insistirá que os rios não sentem. Não pensam e carecem de emoções, outros acrescentariam. Mas o que não pode ser negado é que os rios estão vivos, e essa condição justifica entender o que eles sentem. A incapacidade dos humanos de entender isso é precisamente uma das razões pelas quais os rios estão morrendo: quase ninguém ouve suas agonias.
Os rios estão vivos porque abrigam a vida, tanto em suas águas quanto em suas margens. Podem ser peixes ou algas, caranguejos ou rãs, grandes ou pequenos. Os rios, além disso, pulsam. Eles se expandem e contraem ao ritmo das chuvas e estações; há momentos em que suas águas invadem banhados e montanhas, alimentando lagoas.
Os rios estão sempre em movimento. Fluem encadeando riachos para os arroios, dali para rios menores, para outros maiores, até que, geralmente, desaguam nos oceanos. Nem mesmo estão mudos. A água nesse movimento compartilha murmúrios, aos quais respondem as conversas entre insetos, sapos ou aves.
Surdos e contaminados
A situação dos rios uruguaios mostra que são muitos que não os ouvem e persistem em concebê-los como recursos a serem explorados. Isso pode se dar ao considerá-los apenas como fornecedores de água para cidades, destinos turísticos para tirar uma foto ou meio para uma indústria.
Todos os grandes rios do país sofrem algum tipo de poluição; nenhuma bacia está livre desse problema. São vítimas das batalhas dos humanos contra a Natureza, e em todos os rios serão encontradas cicatrizes ou amputações. O que está acontecendo na bacia do Rio Santa Lúcia é outra consequência dessas guerras, embora, dada sua gravidade, agora tenha ficado evidente para toda a população metropolitana. Há anos são registrados valores inaceitáveis de contaminantes como fósforo e nitrogênio, episódios de cianobactérias e quase 500 obras que interceptam as águas, como barragens ou represas. É um problema cheio de cúmplices, pois estima-se que 80% dessa poluição vem do que é conhecido como "fontes difusas", como ocorre com as práticas agropecuárias disseminadas em toda aquela região. Além da seca atual, suas águas estão tão contaminadas e a bacia tão alterada que o qualificativo que deve ser usado é o de uma "brutal" artificialização. É ainda mais grave que isso continue sem ser reconhecido em toda a sua urgência.
Impactos dessa severidade se repetem em muitos países. Em sua essência, respondem a uma impostura clássica, organizada pelo menos desde o Iluminismo, pela qual se buscava controlar e dominar os rios, assim como o restante da Natureza. Nas terras americanas, a colonização acentuou mais essa postura, já que os europeus que chegavam se deparavam com os enormes rios que mal entendiam e interpretavam como obstáculos a serem superados para avançar na conquista.
Com o tempo, disseminou-se uma cultura que despojava os rios de sua vitalidade para defini-los como "recursos" hídricos, celebrando a construção de barragens, canais ou represas, enquanto a poluição era ocultada. A surdez ficou instalada. Os rios são alterados, amordaçados ou mutilados, e isso só é possível se não ouvirmos seus lamentos. Essas situações não são apenas o resultado de incapacidades tecnológicas ou ineficiências nos controles governamentais, mas também repousam em uma matriz de culturas e sensibilidades que toleram que as águas estejam impregnadas de agroquímicos ou efluentes, ou aprisionadas entre muros e barragens.
Direitos dos rios
Existem várias iniciativas que se voltam para outras raízes culturais para se reconectar com os rios. Elas não pretendem, como afirmam algumas críticas simplistas, "ensinar os rios a falar", mas sim o desafio está em nós, humanos, voltarmos a aprender a ouvi-los. Entre os esforços mais inovadores está o reconhecimento dos rios e suas bacias como sujeitos vivos e, portanto, com direitos próprios. Não é uma mudança pequena, pois exige abandonar aquela cultura que os define como objetos a serem usados ou apropriados de acordo com a utilidade humana. Em vez disso, eles são abordados como sujeitos em si mesmos e, portanto, imediatamente recebem a cobertura de direitos.
Esse reconhecimento é uma das formas pelas quais os direitos da Natureza se expressam. Isso não é fácil de entender no Uruguai, já que sofremos dois graves atrasos nesse assunto. Em primeiro lugar, continuamos sendo um dos poucos países da América Latina onde a qualidade ambiental e a proteção da Natureza não fazem parte da cobertura dos direitos. Em nossa reforma constitucional, a proteção do ambiente é uma questão de "interesse geral", ou depende dos "proprietários" sobre um "recurso". Até foram adicionadas algumas linhas indicando que a água é um "recurso" e o que é um direito é o acesso à água potável e saneamento, mas não a sobrevivência dos rios, riachos ou lagos.
Em contraste, em outros países prevalece a noção de considerar a proteção ambiental, como a conservação de rios e lagos, como parte dos direitos humanos de terceira geração. Tomando como exemplo a Argentina, sua constituição indica que "todos os habitantes têm o direito a um ambiente saudável", adequado para o desenvolvimento, para as necessidades presentes, mas sem comprometê-las no futuro.
Em segundo lugar, o Uruguai está atrasado nas discussões sobre essa ampliação dos direitos à Natureza. Observando o que acontece nos países vizinhos, descobre-se, por exemplo, que pouco tempo atrás, na Colômbia, o Rio Atrato foi reconhecido como sujeito de direito. Esse curso de água deságua no Oceano Pacífico e está cheio de problemas ambientais, especialmente devido à poluição mineradora. Não é apenas o lar da fauna e flora que vivem e dependem de suas águas, mas também é o lar de comunidades indígenas que se veem como humanas em relação ao rio. Destruir o Rio Atrato se tornava ao mesmo tempo um genocídio contra esses povos ribeirinhos.
Possivelmente o caso mais conhecido ocorreu na Nova Zelândia em 2017, quando o rio Whanganui foi reconhecido como uma pessoa jurídica. Esse rio é, para os Māori iwi, o povo original dessa ilha, a fonte da vida e, com isso, da saúde e do bem-estar de todas as espécies vivas, bem como dos humanos. "Eu sou o rio, e o rio sou eu", dizem os māori. Sua própria essência como indivíduos depende de suas águas e de que elas gozem de boa saúde. O rio, agora transformado em sujeito, passou a ter "guardiões" que o representam perante as diferentes agências estatais e os atores privados.
As iniciativas para proteger os rios concedendo-lhes direitos estão se multiplicando em todo o mundo e se juntaram, por exemplo, a resoluções ou debates no Canadá, Índia, Austrália, Peru, Estados Unidos ou Alemanha, ou, em um sentido mais amplo, como parte dos direitos da Natureza, conforme aprovado na nova constituição do Equador.
O Uruguai já não pode evitar esse problema. Os rios são as artérias e veias que sustentam nosso país; a nação seria inconcebível, mas também inviável, sem rios como o Negro, o Santa Lúcia e muitos outros, e, é claro, sem os rios Uruguai ou da Prata. Recuperar suas águas requer, como primeiro passo, romper com essa surdez cultural e voltar a ouvir nossos rios. É perguntar-se: o que os rios sentem?
Site do autor: Acción y Reacción.
Tradução: Gabriel Brito, editor do Correio da Cidadania.
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