Cúpula da Unasul rechaça presença militar dos EUA
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- Eduardo Gudynas
- 02/09/2009
A recente reunião da Unasul (União das Nações Sul-americanas) saiu melhor que o esperado. Apesar das diferentes posturas defendidas pelos presidentes, ficou claro que a maior parte dos governos rejeita a instalação de novas bases militares dos EUA na Colômbia. O governo Uribe está um pouco mais solitário no continente.
Em que pese a Colômbia ter insistido na cúpula de Bariloche (Argentina), assim como em uma excursão prévia de Uribe por vários países, que as tais bases não existiam, e na realidade eram destacamentos dentro de bases sob soberania colombiana, os demais países interpretaram a questão como uma escalada da presença militar dos Estados Unidos.
O tema era de tal importância que o acompanharam todos os chefes de Estado da América do Sul. A resolução final não censurou esse acordo militar entre Bogotá e Washington, já que quase todos os países ressaltaram a necessidade de respeitar as decisões soberanas de cada nação. Mas nenhum dos demais presidentes apoiou esse movimento. Alguns tentaram conseguir uma censura explícita, porém até Alan Garcia, presidente do Peru e aliado mais próximo da Colômbia, deixou claro que se o convênio deriva numa presença militar ofensiva sobre o resto do continente ele deverá se opor.
As posturas mais enérgicas, e que incluíram reclamos desde a censura explícita ao pedido de procedimentos de verificação dentro da Colômbia, estiveram em mãos dos presidentes Hugo Chávez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador). A posição mais moderada partiu do Peru, enquanto Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai tentavam deixar claro que não concordavam com essa presença dos Estados Unidos, apesar de evitarem um enfrentamento direto que derivasse em uma censura.
Tanto Cristina Fernandez de Kirchner (da Argentina) como Lula evitaram que a reunião caísse em um debate ácido e agressivo. O objetivo era claro: que Uribe não se sentisse encurralado, já que poderia abandonar a Unasul como espaço de diálogo político. O governo colombiano apresenta essa falta de censura explícita como um êxito uribista, porém, mais além desse respeito diplomático, a mensagem foi clara tanto para Bogotá como para muitos em Washington: a postura claramente prevalecente na região é contrária a essas bases. A administração de Barack Obama devera tomar outro caminho em suas relações com a América do Sul.
Muitas outras questões também apareceram nos debates entre os presidentes, o que era explicável pelo fato de toda a solenidade ter sido diretamente transmitida pela televisão. Apesar da tentação de se dirigir às audiências em seus próprios países, os presidentes conseguiram manter certa compostura. Tabaré Vazquez (Uruguai) deixou claro sua desaprovação com as bases, mas aproveitou para tornar pública uma mensagem aos argentinos, com quem mantém diversas controvérsias. Lembrou que, defendendo a idéia de uma América do Sul como região de paz, não se permita que os aviões britânicos em vôo às Ilhas Malvinas façam escala em seu território. Alan Garcia (Peru) deu algumas alfinetadas em Chávez sobre a exportação de petróleo venezuelano aos EUA.
Mesmo assim, a tentativa de abordar a questão militar em toda sua envergadura tampouco frutificou. Se bem a imprensa tradicional apresenta o governo Chávez como militarista, na verdade outros países gastam muito mais dinheiro em armamentos. O Brasil é o primeiro nessa lista, e além do mais mantém diversos acordos com os EUA, ou empresas deste país (por exemplo, que implicam no sistema de vigilância amazônica ou na compra de novos aviões de combate). O Chile apresenta uma situação semelhante. Isso explica que na realidade quase ninguém está interessado em um sistema de revisão de todos os acordos militares.
Apesar da escalada do gasto militar no continente, os efeitos mais agudos do conflito interno colombiano agora se derramam sobre as fronteiras vizinhas, e o primeiro afetado é o Equador. Isso possivelmente explica que Correa fosse mais além da questão das bases militares para abordar toda a problemática da luta contra o narcotráfico e a guerrilha. Qual deveria ser a estratégia de luta contra o narcotráfico? Correa apresentou alguns dados substantivos, tais como sua experiência em retomar o controle nacional das ações contra o narcotráfico, deixando de lado os convênios com os Estados Unidos, e a importância de diferenciar os atores envolvidos neste tráfico. E também mostrou várias cifras para assinalar que o Plano Colômbia implica uma enorme entrada de dinheiro, mas com muito pouco êxito.
Esses e outros temas excediam amplamente a convocatória da cúpula presidencial, e por momentos se corria o risco de cair em recriminações. Um par de vezes Lula claramente mostrou sua irritação (primeiro com Correa, depois com Evo Morales), insistindo em contar com resultados concretos e incomodado com a transmissão pública.
Porém, a questão colombiana não pode mais ser evitada por Brasília. À medida que as FARCs estão sendo encurraladas, cresce o risco de que ingressem em território brasileiro. E em que pese os países ricos continuarem sendo os grandes consumidores de drogas, ninguém pode negar que há uma enorme demanda nas grandes cidades brasileiras. É assim que o conflito colombiano é cada vez menos ‘interno’ e mais amazônico. Isso obriga que Brasília se envolva cada vez mais na temática, e entre os países com os quais pode avançar o faz mais rapidamente com o Peru, já que mantém algumas diferenças com Equador e Venezuelana.
A cúpula foi um teste para a caminhada da Unasul. O organismo está claramente transformado em um foro político e, se por um lado é muito importante contar com esse tipo de espaço, tampouco se devem buscar ilusões. Por hora, não está em marcha uma ‘união’, e não há negociações para convertê-la em um processo de integração. Apesar disso, os presidentes conseguem se reunir e começa um incipiente exercício de se darem explicações mútuas e receberem algumas coordenadas. O resultado em Bariloche possivelmente não conformará a todos, já que não se conseguiu uma condenação explícita, mas deve admitir-se que, apesar das diferentes posições, ficou clara a falta de apoio ao aprofundamento dos convênios militares da Colômbia com os Estados Unidos. Não é um resultado menor.
A Declaracão da cúpula de Bariloche está disponível em: http://www.comunidadandina.org/unasur/28-8-09bariloche.htm
Eduardo Gudynas é analista de informação no D3E (Desenvolvimento, Economia, Ecologia e Eqüidade), centro de investigações dos assuntos latino-americanos sediado em Montevidéu.
Traduzido por Gabriel Brito, jornalista, Correio da Cidadania.
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Só homens escrevem no Correio?
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