‘MP do Flamengo’: Brasil cada vez mais “orgulhosamente só”
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- Emanuel Leite Jr.
- 29/06/2020
No dia 7 de junho de 2020, escrevi no Twitter que “a forma como o (des)Governo Bolsonaro tem conduzido o país, criando um pandemônio em meio à pandemia de Covid-19, leva o Brasil ao abismo e o torna um pária internacional. Nunca ninguém levou tão a sério o lema do fascista Salazar – ‘Virando costas ao mundo, orgulhosamente sós’”. Os clubistas emocionados que não se ofendam com a crudeza da analogia, mas ao ver a Medida Provisória (MP) 984, assinada por Jair Bolsonaro no dia 18 de junho e jocosamente apelidada de “MP do Flamengo” no Congresso Nacional, é inevitável ter cada vez mais convicção de que o Brasil se esmera em virar suas costas ao mundo e ficar orgulhosamente só. Até mesmo no esporte, afinal a MP que altera o chamado “direito de arena” coloca o país na contramão do que ocorre em praticamente todas as principais ligas esportivas do mundo.
Inscrito no artigo 42 de Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), o tal “direito de arena” previa, até a última quinta-feira, que “pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem”. E o que isso significava na prática? Que com o “direito de arena”, em uma partida de futebol, os dois clubes intervenientes (“entidades de prática desportiva”) eram os detentores dos direitos de transmissão. Ou seja, só poderia haver transmissão televisiva se as duas equipes tivessem contratos celebrados com a mesma emissora. E qual era o espírito da lei, ou seja, qual era a razão que justificava esta norma? A intenção era excluir o individualismo da negociação, uma vez que um clube, sozinho, não tem o direito de negociar a transmissão de um jogo. Ficava evidente, portanto, que a legislação brasileira estabelecia uma forma de Princípio da Solidariedade, cumprindo o disposto no art. 3º da Constituição Federal. Solidariedade, aliás, que pressupunha a lógica preconizada pelo jurisfilósofo John Rawls e pelo economista John Nash: a responsabilidade recíproca e a busca por ajudar os menos favorecidos.
E o que mudou com a canetada de Jair Bolsonaro, costurada pelo presidente do Flamengo (segundo notícia publicada no UOL)? Com a MP 984, o art. 42 da Lei Pelé passa a determinar o seguinte: “Pertence à entidade de prática desportiva mandante o direito de arena sobre o espetáculo desportivo, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, do espetáculo desportivo”. Portanto, sai o espírito de solidariedade inscrito em “as entidades de prática desportiva” e entra a primazia do individualismo, com o direito de arena sendo propriedade exclusiva do clube mandante. Ou seja, deixamos de ter uma norma legal que impunha de alguma forma (por mais frágil que pudesse ser essa imposição, como vimos na ocasião da implosão do Clube dos 13) o respeito à lógica de cooperação entre os competidores, para termos a lógica da “lei da selva”, como interpreta Walter Graziano ao analisar o Problema da Barganha, de Nash. Assim, o Brasil agora se iguala ao que era a Espanha até o Real Decreto-Ley 5/2015 e a Portugal que, segundo relatório publicado pela UEFA em 2018, é a única liga nacional, entre 25 analisadas, que não possui venda coletiva dos direitos de transmissão.
Embora Rodolfo Landim negue que tenha atuado politicamente junto ao governo populista de extrema-direita por interesse exclusivo do clube que preside, parece-nos evidente que o maior beneficiário imediato da MP 984 é o Flamengo. Por um lado, porque uma Medida Provisória só tem vigência de 60 dias, podendo ser prorrogada por outros 60 dias. Para ser convertida em lei e, portanto, alterar definitivamente o art. 42 da Lei Pelé, a MP precisa ser discutida no Congresso Nacional. E o que pode ser feito em um espaço tão curto de tempo (no máximo quatro meses de vigência da MP)? Primeiro, o Flamengo pode negociar os direitos televisivos do que ainda resta do Campeonato Carioca, uma vez que não tem contrato com a Globo, emissora detentora dos direitos da competição. Além disso, a MP 984 também revogou os parágrafos 5 e 6 do art. 27-A da Lei Pelé, que proibiam que “empresas detentoras de concessão, permissão ou autorização para exploração de serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, bem como de televisão por assinatura”, patrocinassem clubes. Ou seja, agora o clube carioca pode livremente assinar um contrato de patrocínio com a Amazon, que tem sido especulado já há algum tempo (e o fato de terem fechado acordo com o Banco de Brasília para o espaço nobre da camisa não impede, como é óbvio, que seja negociado o espaço da manga, por exemplo).
Além do Flamengo, outros três clubes podem tentar tirar proveito da MP. O Athletico-PR, que não tem contrato assinado com nenhuma transmissora para o chamado pay-per-view, Coritiba e o clube-empresa do energético austríaco, de Bragança Paulista, que não têm contratos para televisão aberta e pay-per-view. Contudo, é preciso lembrar que há clubes com direitos de transmissão já assinados, seja em sinal aberto, fechado ou pay-per-view e isso pode gerar um imbróglio jurídico mais à frente, afinal, na democracia neoliberal o Direito Civil se pauta, dentre outros, pelo princípio "pacta sunt servanda" (do Latim "Acordos devem ser mantidos"), que podemos entender como "os contratos assinados devem ser cumpridos", uma vez que foram assinados de acordo com as vontades das partes e os objetos dos contratos são lícitos, celebrados em conformidade à lei vigente na altura de sua assinatura. Portanto, são “atos jurídicos perfeitos”, protegidos pelo incisivo XXXVI do art. 5º da Constituição da República.
Globalização, futebol e a importância dos direitos televisivos
David Harvey argumenta que a “desregulamentação das finanças, que começou no fim dos anos 1970, acelerou-se depois de 1986, tornou-se irrefreável nos anos 1990”. Ao que Manuel Castells vai corroborar, dizendo que a liberalização do mercado financeiro com o “Big Bang da City of London” em 1987 como fator determinante para a “globalização capitalista”. O fato é que esta globalização capitalista, com os mercados internacionais de capitais tendo rédeas curtas para avançarem em especulações desreguladas, as instituições internacionais impondo políticas pró-Ocidente e as corporações transnacionais tendo livre reinado, foi, segundo Jonathan Michie, resultado direto de políticas elaboradas e aplicadas por governos Ocidentais e corporações financeiras e de outras esferas envolvidas nesse processo de hegemonização neoliberal.
O futebol não ficou alheio a este fenômeno. Em “The globalization of football: a study in the glocalization of the ‘serious life’” (2004), Richard Giulianotti e Roland Robertson sustentam que “o esporte, em particular o futebol, constitui um dos domínios mais dinâmicos e sociologicamente esclarecedores da globalização”. Para eles, o futebol, como o “jogo global”, nos ajuda a explorar teórica e empiricamente os processos multidimensionais e de longo-termo da globalização. Para estes autores, o futebol não escapou à crescente interpenetração das ideologias e instituições econômicas dominantes (p. 29), especialmente a partir dos anos 1970, em que a esfera global do futebol passou por uma rápida transformação comercial (p. 63), sendo diretamente influenciada pela escalada mundial do “livre-mercado” e das diretrizes político-econômicas neoliberais (p. 64). A comercialização e mercantilização do futebol, iniciadas entre os anos 1960 e 1970, ou seja, precisamente no período que Giulianotti e Robertson definem como de incerteza na globalização, aprofundam-se nos anos 1990, período que Giulianotti, em “Sociologia do Futebol”, vai definir como “futebol pós-moderno”.
Giulianotti aponta precisamente para o que ele considera “revolução dos direitos de transmissão televisiva” como fator determinante para a inauguração desta era “pós-moderna” do futebol. Uma mudança significativa, fruto da “quebra de barreiras” da globalização capitalista, por um lado graças ao surgimento dos novos sistemas de comunicações, por outro beneficiando-se das desregulações dos mercados e que facilitou a difusão cada vez mais global do futebol.
A fase pós-moderna do futebol, caracterizada pelo crescimento financeiro pós-Copa do Mundo FIFA 1990, fez com que se aprofundasse o fosso que separa o centro da periferia em todas as escalas – global, continental e nacional (podemos acrescentar a escala estadual, no caso brasileiro). Isso porque, segundo Giulianotti, a “distribuição desigual dos pagamentos feitos pela televisão entre os clubes resulta em uma concentração ainda maior de riqueza financeira e do sucesso no futebol”.
No mesmo sentido argumentam Christine Oughton e Jonathan Michie, em “Competitive Balance in Football: Trends and Effects” (2004), ao afirmarem que “regulação e redistribuição dentro das ligas esportivas são necessárias porque as ligas profissionais têm uma tendência inerente à desigualdade”. Para Oughton e Michie, a ausência de regulação na distribuição dos recursos econômicos gera a tendência para que os clubes bem-sucedidos se tornem cada vez mais ricos, fazendo com que os menos bem-sucedidos fiquem, proporcionalmente, mais pobres.
E aqui estamos diante de algo lógico dentro do sistema capitalista, que tem sua gênese na “assim chamada acumulação primitiva” (Marx), e cuja própria expansão envolve o aprofundamento das expropriações, que no ambiente da competição esportiva significa dizer que os clubes mais bem-sucedidos terão mais dinheiro para contratar os melhores jogadores, treinadores, comissão técnica e demais infraestruturas necessárias no futebol pós-moderno, enquanto os clubes mais pobres vão ficando cada vez mais alijados da possibilidade de sequer montarem times competitivos. É por isso que campeonatos desregulados apresentam esta dinâmica de capitalismo por espoliação, com consequência direta no escavar do abismo entre os clubes de topo e de fundo, provocando o declínio do balanço competitivo.
É por essa razão, como escreve Paul Madden, que desde 1961 a legislação estadunidense permite que as ligas negociem coletivamente com as empresas os direitos de transmissão televisivos e a distribuir os recursos de forma equânime entre as suas franquias. O que é feito, cada uma à sua maneira, nas quatro grandes ligas da América do Norte. Esta é, inclusive, a opinião da Comissão Europeia, que argumenta que as negociações coletivas tornam a “competição mais atrativa, uma vez que as equipes competem em um contexto de maior igualdade de oportunidades” e proporcionam “uma maior estabilidade financeira para as equipes de futebol, devido a uma melhor redistribuição dos dividendos da televisão”.
Engana-se que estas ligas – sejam as da América do Norte, sejam as europeias – que tratam os esportes como meros negócios, aplicam a lógica de primazia coletiva por um espírito socialista e muito menos comunista. É o liberalismo que orienta estas posturas. Não confundamos com o ultraliberalismo ou libertarianismo. Afinal, os Liberais John Nash com sua Teoria dos Jogos e o Problema da Barganha, e John Rawls, com sua Teoria da Justiça como Equidade, apontam no sentido de que a cooperação gera mais benefícios à coletividade do que o individualismo, quando na busca pelo seu bem-estar o indivíduo não perde de vista os dos demais membros da sociedade. Afinal, como foi dito anteriormente, Graziano argumenta que, em sua teoria, Nash comprova que o comportamento individualista pode levar a sociedade à “lei da selva”.
É o sistema, estúpido: centro-periferia e o escavar do abismo
Ao que me consta, acompanhando as notícias e algumas repercussões no Twitter, existem algumas pessoas esperançosas com a alteração trazida pela MP 984. Eu não consigo partilhar deste otimismo. E peço desculpas se soar ofensivo ao parafrasear James Carville, mas é que me parece a forma mais adequada para explicar o meu pessimismo com a nova normatização do direito de arena. A razão para o meu ceticismo é muito simples: “é o sistema (mundo), estúpido”.
Em sua “teoria do sistema mundo”, Immanuel Wallerstein vai olhar para a globalização como um processo que encontra suas origens na expansão colonialista da Europa, principalmente a partir do século 16. Este processo permitiu aos países europeus o acúmulo de capital (“a assim chamada acumulação primitiva”) através da exploração dos recursos dos territórios por eles colonizados. Wallerstein define o sistema mundo como "mundo-economia", integrado através do mercado, no qual duas ou mais regiões são interdependentes no que diz respeito a necessidades como comida, combustível e proteção. Esta divisão do trabalho refere às forças e relações na produção na economia mundial, o que leva à existência da interdependência.
Como consequência da exploração colonial e da acumulação de capital, há uma divisão desigual de ganhos, permitindo a estes países exploradores o controle das riquezas e dos avanços tecnológicos, gerando uma hierarquia de poder: composto por “centro, semiperiferia e periferia”. Neste sentido, Raúl Prebisch vai argumentar que o centro do poder global relegou à periferia do sistema econômico a mera condição de fornecedor de alimentos e matérias-primas, não havendo espaço para que os países novos desenvolvessem suas indústrias.
Giulianotti considera que “o futebol é uma das grandes instituições culturais”, sendo, portanto, reflexo do contexto social, político e econômico no qual se encontra inserido. Parece-nos indiscutível, portanto, que o futebol replica o conceito de centro-periferia sob o prisma das relações econômicas. Em analogia à realidade do futebol brasileiro, é possível dizer que a concentração do poder econômico no futebol nacional se encontra no centro do poder financeiro do país - eixo Rio-São Paulo majoritariamente, mas também alargado às regiões Sul/Sudeste. A concentração do poder econômico do futebol brasileiro faz com que as regiões periféricas sigam sendo fornecedoras de matérias-primas para os clubes das regiões do centro e, em muitos locais, seu povo não tem outra alternativa a não ser consumidor do produto final – os campeonatos estaduais de Rio de Janeiro e São Paulo (massificadas pela alta exposição midiática), além do ciclo ininterrupto da popularização dos grandes clubes daqueles estados, nas regiões periféricas.
Rosa Luxemburgo foi uma das principais autoras sobre acumulação de capital. E os ensinamentos de Luxemburgo nos são muito úteis para podermos compreender a lógica da expansão do capitalismo. Para o capitalismo se expandir (e não nos esqueçamos que o capitalismo é um modo de produção expansivo), precisa de uma fronteira externa, de algo fora dele, para colonizar, devastar e absorver. Se transpusermos esta análise para o mercado esportivo, verificamos que os capitalistas do futebol (os clubes-empresa, o futebol gerido como um mero negócio) também precisam de uma fronteira externa, de algo para devastar e absorver. É por isso que o futebol eurocêntrico busca se expandir a todo o globo, para assegurar mercado consumidor para os seus produtos em todos os recantos do mundo. Por outro lado, as elites da periferia do sistema – o Brasil – replicam esta lógica de centro-periferia, e buscam se expandir para os territórios da semiperiferia e periferia brasileiras, como forma de preservação e reserva de mercado. Ao mesmo tempo em que clubes da semiperiferia – como vemos no caso da “CEPEBA” (Ceará, Pernambuco e Bahia) – tentam se preservar no mercado nordestino, fagocitando os menores de seus estados e dos estados vizinhos. Afinal, como já nos mostrou Marx, os capitalistas menores também vão sendo expropriados, conforme vão se expandindo a centralização e acumulação de capital. E sem regulação, recordemos, ficamos entregues à lei da selva.
E a história do futebol brasileiro desde 1987 é pródiga em exemplos desta selvagem luta devoradora. A começar pelo Clube dos Treze, que surgiu, em 1987, com a ideia de contraposição dos clubes aos desmandos da CBF. Era uma tentativa de os clubes tomarem para si as rédeas do futebol. Como uma liga de clubes. Ideia salutar, portanto. Infelizmente, aquela entidade privada já nasceu partindo de uma premissa deturpada. Logo no artigo 1º do seu estatuto se autodenominava “União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro”. Ou seja, já surgia com uma visão elitista e segregadora, procurando separar os seus membros dos demais clubes nacionais a partir do “mérito” da “grandeza”. O privilégio aos clubes associados ao Clube dos Treze evidenciava este segregacionismo, posto que o seu estatuto, na alínea “a” do art. 6º era expresso: “são atribuições da Associação, para atingir seus objetivos: a) – promover e responsabilizar-se pela defesa dos interesses comuns dos associados”.
O Clube dos Treze sempre teve por finalidade precípua a defesa e a promoção dos interesses de seus associados, ou seja, dos vinte clubes que o constituíam. Por isso, quando repartia os recursos entre os clubes participantes do campeonato brasileiro, o Clube dos Treze agia sem critérios de equidade, priorizando os seus associados em desproveito das demais associações esportivas as quais não faziam parte de seu seleto grupo. Bem como todas as viradas de mesa que aconteceram após sua constituição, que sempre visavam a resgatar os seus membros (todos fundadores, frise-se, pois internamente havia uma divisão de castas). Neste sentido, com esta visão oligárquica, o Clube dos Treze teve enorme contributo no aprofundamento do abismo estrutural entre os clubes brasileiros, promovendo o “apartheid futebolístico”.
Lamentavelmente, no Brasil a lógica Tiririca parece acontecer sempre ao contrário – ou seja, sempre é possível ficar pior do que está. E foi isso o que aconteceu em 2011, quando o Clube dos 13 foi implodido. Tentando cumprir um acordo com o CADE, o C13 formou uma espécie de processo licitatório para a assinatura do novo contrato. Alguns clubes, que haviam perdido a eleição interna no C13, articularam uma insurgência contra a entidade. Não reconheceram a legitimidade do processo licitatório conduzido pelo C13 e resolveram assinar acordos individuais com a Rede Globo. Se em 2011 a diferença entre Flamengo e Corinthians era de 4,2:1 em relação aos clubes que menos recebiam, nos contratos de 2012 a 2015 passou a ser de 6,1:1 (R$ 110 milhões x R$ 18 milhões), ao passo que no Campeonato Brasileiro 2018 foi de 7,3:1 (R$ 170 milhões contra os cerca de R$ 23 milhões que recebem América-MG, Ceará e Paraná).
O oposto aconteceu na Espanha, após o Real Decreto-Ley 5/2015. Até 2015, os clubes espanhóis negociavam exatamente como a MP do Flamengo passa a vigorar: o mandante tinha o direito sobre a transmissão televisiva do seu jogo em casa. Com RDL 5/15, foi implementada a negociação coletiva. O faturamento total aumentou cerca de 335 milhões de Euros e a diferença caiu de 5:1 para cerca de 3,1:1. Na Itália já havia acontecido o mesmo anos antes.
Em 2007, um relatório de 170 páginas elaborado pela autoridade antitruste do país levou o Ministério do Esporte a determinar que as negociações passassem a ser coletivas. Resultado: enquanto anteriormente Juventus, Milan e Inter concentravam 75% dos recursos, com a nova lei em vigor, a diferença entre o topo e o fundo caiu para uma razão de 3:1. Os números espanhóis e italiano mostram que a negociação centralizada beneficiou o coletivo, aumentando o faturamento global e distribuindo de forma menos desigual os recursos.
Com a “MP do Flamengo”, o Brasil passa a ter uma legislação como a portuguesa. Com o sétimo maior faturamento em direitos televisivos da Europa, a Liga Portugal é a única entre 25 que não negocia os direitos coletivamente. Talvez isto nos ajude a compreender porque Benfica, FC Porto e Sporting somem um ratio de cerca de 15,4:1 em relação aos clubes que menos faturam (a segunda liga mais desigual é a do Chipre: 4,1:1). Ou seja, é o Brasil (quase) orgulhosamente só (já que além de Portugal tem também o México).
Diante do exposto, conhecendo a história política, social e econômica do Brasil e sabendo como opera a lógica de expansão capitalista, não consigo olhar para esta MP e vislumbrar um futuro positivo para os clubes da semiperiferia e muito menos da periferia do futebol brasileiro. Só consigo olhar para o abismo e vê-lo ainda mais escavado.
Nota:
*Emanuel Leite Jr. é jornalista, doutorando em Políticas Públicas (Universidade de Aveiro), autor dos livros "Cotas de televisão do Campeonato Brasileiro" e "A história do futebol na União Soviética".
Publicado originalmente no Portal Vermelho.