Trump esboça virada na política internacional
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- Luiz Eça
- 16/11/2016
Donald Trump deu uma entrevista pra ninguém botar defeito. Pelo menos em política internacional (Wall Street Journal, 10 de novembro). Ele se propõe a deixar a pé os rebeldes apoiados pelos EUA, os chamados “moderados”.
Dias antes, Obama já dera os primeiros passos nesse sentido. Havia ordenado o ataque aos jihadistas da Frente Al-Nusra, filial da Al-Qaeda na Síria, as mais eficientes forças na revolução anti-Assad.
Até então, o governo estadunidense vinha fazendo vistas grossas à colaboração entre os moderados, que Washington apoia com armamentos, e à Frente Al-Nusra, reconhecidamente um grupo terrorista. Havia muitas dúvidas sobre o acerto destas medidas, embora a Frente Al-Nusra fosse tida como essencial pelas forças rebeldes moderadas.
Aos poucos, uma nova convicção foi sendo firmada na estratégia norte-americana. Obama e os generais do Pentágono preocupavam-se com a transformação de vastas áreas ocupadas pela Al-Nusra nas províncias de Idlib e Aleppo em refúgio de líderes da Al-Qaeda, vindos do Paquistão e do Afeganistão.
Temiam que a Frente Al-Nusra continuasse crescendo e, em caso de queda do regime Assad, passasse a disputar o governo do país, atraindo os milicianos antiamericanos, em geral, e até do Estado Islâmico (EI).
O resultado seria semelhante ao que aconteceu à Líbia após a derrota de Kadafi: estabeleceu-se um verdadeiro caos, sem lei, nem segurança ou instituições respeitadas.
A Al-Nusra era também um ponto de discórdia com os russos. Nossos bombardeiros, dizia Moscou, visam destruir esses terroristas. Mas por estarem os “moderados” misturados com eles, compartilhando bases, acabavam também levando bomba. Tudo isso pesou no tratamento dado à Al-Nusra.
Inicialmente, o presidente ordenou que drones, aviões de vigilância e recursos de inteligência fossem alocados para localizar e matar os chefes da Frente.
Evidentemente, espera-se que os rebeldes moderados se conformem em se separar desses perigosos “amigos”, embora a Al-Nusra seja importante na defesa de Aleppo Oriental e em outras frentes da guerra anti-Assad.
Na entrevista ao Wall Street Journal, Trump foi mais longe do que Obama. Defendeu um foco muito mais concentrado na guerra contra o Estado Islâmico do que no investimento nas forças rebeldes e na queda do regime de Damasco.
Acompanhemos seu raciocínio: “eu tenho uma visão oposta à de muita gente quanto à Síria. Estamos guerreando na Síria, a Síria faz guerra ao Estado Islâmico e você tem necessidade de se livrar do EI. E a Rússia está agora totalmente alinhada com a Síria. Vejo que agora nós estamos apoiando rebeldes contra a Síria e nem sequer temos a menor ideia de quem são e onde estas pessoas estão”. E Trump concluiu: “acabaremos lutando contra a Rússia ao lutar contra a Síria”.
Por estas frases, dá para se chegar a algumas hipóteses próximas à realidade. Para Trump, o EI é o inimigo número um. Ele quer lançar tudo que puder contra os bárbaros fundamentalistas.
Parece considerar inconveniente o apoio norte-americano aos rebeldes anti-Assad, pois estaria reduzindo recursos dos ataques ao EI, a principal campanha militar dos EUA na região. Ainda mais porque considera a causa rebelde pouco realista: “nem sequer temos ideia de quem são e onde eles (os moderados) estão”.
Mas, para Trump, o grande problema é a possível consequência de uma ação militar dos EUA na região: uma guerra contra a Rússia. E isso o novo presidente quer evitar a todo custo.
Pelo contrário, a amizade EUA-Rússia é o objetivo central de Trump. Isso ele declarou várias vezes durante a campanha eleitoral, além de trocar elogios com o presidente Putin.
E olhe que, estando a opinião pública dos EUA envenenada contra o chefe russo, a troca de agrados entre ele e Trump poderia ter tirado muitos votos do republicano.
Na entrevista ao Wall Street Journal, o novo presidente contou ter recebido uma “bonita carta” do presidente Putin. E que, muito em breve, “será programada uma conversa telefônica entre os dois”. Esta possível aproximação com Moscou é de elevada importância, especialmente no contexto atual.
Nos últimos anos, devido principalmente à questão ucraniana e ao aumento das tensões entre as tropas da OTAN e as de Moscou, concentradas junto às fronteiras da Rússia e da Ucrânia e dos Países Bálticos, teme-se por um choque armado. Embora isolado poderia degenerar numa guerra geral. Os EUA, no seu papel imperial de controle do mundo, vinha sendo o protagonista no drama de uma nova Guerra Fria. Como defensor de países fracos países diante de um suposto expansionismo de Moscou, punha lenha na fogueira, em vez de tentar apagá-la.
Generais recentemente concluíram que a Rússia seria o grande inimigo do país, com quem os EUA teriam mais chances de entrarem em guerra. Trump, com seu America First, não a quer de jeito nenhum, pois um conflito armado Rússia versus OTAN causaria uma crise altamente prejudicial à economia nacional.
Por sua vez, Putin tem afirmado repetidas vezes que guerra na Rússia não passa de uma fantasia dos grupos que deitaram e rolaram durante a Guerra Fria. E como a vontade dos líderes das duas grandes nações parece convergir na busca da paz, um entendimento entre eles, em vez do mau humor atual, é da maior conveniência.
Assim entendem respeitáveis analistas como Ron Paul, líder dos libertários do Partido Republicano, além de diversas autoridades do governo de Moscou.
Dmitry Peskov, porta-voz do Ministério do Exterior russo, afirmou em Nova Iorque que vê incríveis semelhanças entre as ideias de política exterior (de Putin e de Trump), o que seria uma sólida base para se iniciar um significativo diálogo Moscou/Washington.
Para Sergei Glazyev (Reuters, 10 de novembro) alto conselheiro do Kremlin, Trump pode simbolizar uma grande mudança nos EUA. Sua eleição poderia, em última análise, evitar a Terceira Guerra Mundial.
Trump também falou, embora rapidamente, sobre a questão palestina. Depois de qualificá-la como “a guerra que nunca termina”, anunciou que esperava ajudar a elaborar uma solução entre as duas partes. “Vai ser o acordo definitivo”, afirmou, esperançoso. “Como um fazedor de acordos, gostaria de (fazer) o acordo que não pôde ser feito. E fazê-lo pelo bem da humanidade” (Wall Street Journal, 10 de novembro).
Ausência de modéstia à parte, esta declaração parece ter mais sentido do que aparenta. Líderes principais da direita israelense não devem ter ficado muito animados.
Netanyahu, que insiste ser o acordo israelense-palestino só do interesse das duas partes e que, portanto, só elas devem negociá-las, não vai ouvir com alegria que esse acordo seria “para o bem da humanidade”.
Sendo assim, outros países teriam o direito de intervirem, o que Bibi (apelido de Netanyahu) não aceita de jeito nenhum.
Um eufórico Naftali Bennett, ministro da Educação de Israel e líder da ultradireita, havia declarado que Trump enterraria a ideia de uma Palestina independente.
Sabe-se que sem ela, um acordo dos palestinos com Israel será impossível. Trump diz que pretende resolver a questão, pois é um grande negociador. Em quais termos, em breve saberemos.
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Luiz Eça é jornalista
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