Correio da Cidadania

“Milei quer destruir tudo o que diz respeito à identidade do país”

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Marina Rubino, fundadora do Grupo Documento, coletivo de artistas, profissionais, professores e técnicos de audiovisual da Argentina (Divulgação)

A artista visual, cineasta e professora argentina Marina Rubino acredita que o caminho da unidade e da mobilização é o único possível para derrotar o governo de Javier Milei e seu Decreto de Necessidade e Urgência (DNU). “Milei veio para destruir tudo o que diz respeito à identidade do país”, afirma Rubino, em entrevista exclusiva, alertando para a gravidade do ataque “às entidades ligadas aos institutos de cultura que têm a ver com teatro, bibliotecas populares, cinema e música”.

Trabalhando desde 1994 em diferentes produtoras de conteúdo audiovisual como arquivista, assistente de direção, produção e de montagem, ativa participante de exibições de artes visuais em galerias, museus e centros culturais, Maria Rubino é instrutora do cinema comunitário da Escola Nacional de Experimentação e Realização Cinematográfica, e fundadora do Grupo Documenta, coletivo de artistas, profissionais, professores e técnicos da Argentina.

Entre outras valiosas contribuições, a cineasta dirigiu os longas metragens “Tunteyh, o el rumor de las piedras” (2014) e “Yvonne” (2018), que encheram de entusiasmo e reflexão as salas de cinema e festivais internacionais, centros culturais e bibliotecas, recebendo prêmios e menções.

Qual o significado do governo de Javier Milei para o presente e o futuro da nação Argentina?

Desde que este governo assumiu, temos sido alvo, não só o campo do cinema como toda a cultura argentina, de um ataque sistemático. Geraram um Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) que está em vigência desde dezembro, e tentaram implantar algo que se chamou Lei Ônibus, buscando implementar o cancelamento do registro de entidades ligadas a institutos culturais que têm a ver com teatro, bibliotecas populares, cinema e música. São entes geralmente autárquicos, que se financiam a si mesmos por diversos fundos e impostos, e não geram gastos.

Esse é um governo que vê tudo do ponto de vista econômico, por isso é importante esclarecer: são entidades que não geram gastos e nem perdas. Falando de todo o ataque no universo cinematográfico, o que estão fazendo é desfinanciar uma produção que financia a si mesma.

Como funciona o Instituto Nacional de Cinema e Artes Audiovisuais (Incaa), referência de produção de qualidade na América Latina que o governo está ávido para fechar as portas, em benefício do cartel cinematográfico estadunidense?

O Incaa tem uma lei de cinema que se alimenta da venda de entradas, das emissoras de televisão, de vários impostos da loteria e aluguéis de audiovisuais, somando vários fundos de produção. Não só se financiam filmes, como também por lei há uma Escola Nacional de Cinema que está em Buenos Aires e cinco sedes distribuídas por todo o país. Além disso, há vários programas, como o de extensão acadêmica, que é onde trabalho, na província [Estado] de Córdoba. O que o governo está fazendo é suspender todos os aportes econômicos.

A diretiva é a “racionalização” de recursos que tem a ver com apoios a financiamentos de obras cinematográficas, inviabilizando a realização de festivais de cinema, o funcionamento das escolas de cinema e inclusive dos próprios cinemas. Por quê? Na última segunda-feira (11) foi publicado no Diário Oficial a suspensão dos pagamentos das horas extras dos trabalhadores nos feriados, sendo que é nos sábados e domingos que os cinemas funcionam, basicamente, quando as salas ficam abertas para o grande público. Também se suspendem as viagens dos professores para as diversas escolas, se suspendem os festivais, como o de Cinema de Mar del Plata.

Foram canceladas todas as estreias dos nossos filmes, fechada a plataforma Cine Ar Play – que é onde se encontra disponível para o país toda a nossa produção -, fechado o Cine Ar TV – que funciona como um canal de televisão, em que divulgamos todos os nossos filmes. Eles nos atacam por todos os lados. Atacam o capital simbólico basicamente, não apenas o capital económico.

A mobilização em frente ao Cine Gaumont expressou esta indignação.

Nosso ato no Cine Gaumont de Buenos Aires durante a semana foi simbólico. O Gaumont foi comprado pelo Instituto de Cinema há uns 20 anos e está a uma quadra do Congresso. É em suas salas onde estreamos nossos filmes. Para os produtores e produtoras argentinos, os realizadores, é o nosso cinema mais importante. Por isso querem vendê-lo.

O que está passando neste momento é que todos os projetos que haviam sido aprovados para receber financiamentos para a produção de filmes foram suspensos. Não sabemos em que limbo ficaram congelados. Esta suspensão da produção não é somente uma frase, nós ficamos sem emprego. Umas 700 mil pessoas, porque a indústria cinematográfica move em maior ou menor medida centenas de milhares de pessoas que trabalham com a produção, no universo da gastronomia, dos hotéis, da advocacia, de viagens, gerando muitos empregos. Da mesma forma que na Argentina, no Brasil também.

Estão tratando de apagar nossa memória, apagar nossa identidade, apagar nossos espelhos através dos nossos filmes. É um governo que veio para destruir tudo, principalmente aquilo que tem a ver com a identidade do nosso país. Na prática está doando tudo.

Como cineasta, qual o impacto destas medidas adotadas por Milei?

A nível pessoal me afeta muito no aspecto produtivo porque me encontro às vésperas de apresentar um projeto. E agora, onde o apresentarei? Se apropriaram deste ente autárquico. Por outro lado, sendo docente da Escola Nacional de Experimentação e Realização Cinematográfica (Enerc), como faço para chegar até o fim do mês? Estão nos quebrando emocionalmente e por todos os lados. Daí a necessidade de uma resposta comum e por isso levantamos a voz: “Não apaguem o cinema nacional! Abaixo o DNU! Não ao esvaziamento do Incaa. A cultura se mobiliza!”.

TRAILER E SINOPSE DE DOIS LONGAS METRAGENS DE MARINA RUBINO

 

Tunteyh, o el rumor de las piedras (Tunteyh, ou o boato das pedras)

De quantas maneiras podemos sobreviver à poluição, ao saque agrícola e ao conceito ocidental de progresso? Dizem que desviaram o rio para o Paraguai para irrigar os campos e por isso quase não há peixes. Dizem que estão desmatando para o norte e por isso não há plantas de chaguar (bromélia serra) por perto e a área está inundada porque não há árvores para estancar a água. Dizem que as minas da Bolívia jogam veneno no rio. Dizem que as crianças têm que rezar a um deus estrangeiro na escola. Eles dizem.

O boato é o leito sobre o qual se tece a história oral e escrita das pessoas. Em Nop ok wet, comunidade Wichí em Salta, também circula informação truncada, fragmentada, tendenciosa e volumosa. Mas alguém decide certificar um daqueles rumores que preocupam muito.

Dentro de uma comunidade Wichí, uma abordagem de como as mudanças ambientais são vivenciadas.

YVONNE

https://vimeo.com/319567699 
Um possível retrato de Yvonne Pierron, a freira francesa companheira de Alice Domon e Léonie Duquet, detida e desaparecida durante a ditadura argentina, e que salvou sua vida ao se exilar em seu próprio país.

Uma professora alfabetizadora multicultural. Lutadora incansável e ativista marginal dos movimentos populares da América Latina, nos quais atuou nos últimos 60 anos. Yvonne, filme, nos leva à sua memória.

Leonardo Severo é jornalista do Hora do Povo e do Coletivo ComunicaSul.

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