Correio da Cidadania

Todos eles

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Paulinho,

 

Quando nosso pai morreu, eu lembro uma cena: sentado na escadaria da Igreja do Bomfim em Salvador (e o nome não parecia casual), cruzei as pernas enquanto passava a madrugada, e a gente chorava.

 

Aí houve um momento em que o Celo e você se exauriram. Aquele suspiro gostoso de criança que chorou e agora se acalma. Então cada um deitou em uma coxa da minha perna e adormeceu.

Fiquei ali olhando a Bahia de todos os Santos e naquele momento, nossa também. Conversei com Deus aquela noite.

 

E quando essa semana faleceu nosso avô, pai do papai, essa cena voltou. Você, que agora tem um metro e noventa, de pé no canto do velório. O Celo encostou em seu peito e começou a chorar. Ele esperava o momento. Então eu cheguei do outro lado, e também deitei minha cabeça. E você nos acolheu e segurou. Choramos e você afagou. Curioso: a sua idade hoje era a minha no Bomfim.

 

Perdemos o pai antes do esperado, e foi uma tristeza. Dor grande, que as circunstâncias da vida nos ofereceram pouco tempo para velar.

 

Então na hora em que se vai o avô, que era a cara do pai, o jeito do pai, os olhos do pai, é desejado e bem-vindo o choro.

 

Não é que tinha pranto engasgado. Graças a Deus, a gente sempre foi do time de levar até o fim, e nunca teve vergonha do sentir. Nóis chora, mais nóis cura.

 

Aliás, tenho a intuição que quem chora com intensidade também ama inteiro. Goza a felicidade. Flui. Espraia. Inspira, expira; transpira e depois dorme sorriso.

 

Mas uma tristeza que nos toca fundo é sempre uma chance de arar o peito. Você sabe que sentimento é confuso, não tem precisão na fronteira. Então quando transborda, o bom é irrigar toda a plantação. O coração fica fértil.

 

Quero que saiba que fiquei orgulhoso em ver você chorar.

 

Viveu a despedida do vovô com responsabilidade, envolvimento e maturidade. E bom humor: você pendurou aquelas fotos da gente fazendo careta na UTI. Arrancou o que deve ter sido a última risada dele. São sinais límpidos de que está atento para as pessoas ao redor. Sua humanidade está em flor.

 

E às vezes, lágrimas a regam.

 

E o bom de testemunhar isso é que, sendo irmão, a gente se sente amparado. Sabe que pode contar com uma pessoa assim – que é do tipo que comparece. A gente nunca sabe.

 

O mérito desse movimento é todo seu. Te engrandece, dignifica e reafirma a sua humanidade.

 

Quem chora sente, quem sente ama. E quem ama, está salvo.

 

Certamente o nosso Pai te abençoa. Todos eles.

 

 

Fábio Luís é jornalista.

 

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