Em defesa da unicidade e do imposto sindical
- Detalhes
- Henrique Júdice
- 25/11/2008
Em banho-maria desde o fim das reuniões do Fórum Nacional do Trabalho (2004), a reforma sindical voltou à tona com a divulgação do texto-síntese(1) dos encontros entre as centrais CUT, Força Sindical, CGTB, UGT, CTB e NCST (ficaram de fora a Intersindical e a Conlutas) e o ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger. Para que qualquer coisa de positivo possa ser feita nessa seara, contudo, é preciso adotar uma posição firme quanto a dois temas que ele trata de maneira inconclusiva: imposto sindical e unicidade.
O direito das categorias profissionais a um sindicato que as represente é uma das grandes conquistas do movimento operário nos últimos duzentos anos. No Brasil, porém, há aproximadamente trinta, todos os matizes do antigetulismo e do anticomunismo – "liberais e libertários, acadêmicos e ativistas, trotskistas e católicos", nas palavras de João Guilherme Vargas Netto – investem contra ele por considerarem-no um resquício autoritário inspirado na Carta del Lavoro italiana de Mussolini.
O mesmo Vargas Netto já mostrou(2) que a legislação fascista previa o pluralismo sindical; após a derrota do regime, os trabalhadores italianos e seus dirigentes – dos comunistas aos democrata-cristãos – optaram pela unicidade. Pior que o erro histórico-factual, no entanto, é o erro de avaliação consistente em enxergá-la como um atentado à liberdade dos trabalhadores.
O sindicato único serve justamente para resguardar a liberdade que eles têm de escolher em quem vai representá-los. Uma categoria com mais de um sindicato não é representada por nenhum; todos representarão apenas parte dela. Junto com a representatividade, se dilui a força. Pior: os adversários dos trabalhadores ganham o direito de escolher, entre as várias representações, a que for mais de seu agrado. No fascismo, pelas regras de Carta del Lavoro, cabia ao Estado definir qual sindicato seria reconhecido como porta-voz de sua categoria. Na "democracia" sonhada por alguns, essa prerrogativa passaria a ser dos patrões.
Mas a unicidade, por si, não é suficiente para a defesa dos interesses dos trabalhadores. É preciso também que os sindicatos possam andar com as próprias pernas. Por isso, a cada ano, todo trabalhador empregado desconta para seu sindicato o equivalente a um dia de salário.
Como seria de se esperar, o imposto sindical suscita uma oposição igual ou maior que a dirigida contra a unicidade. Fala-se que ele é antidemocrático e que sustenta direções corruptas e burocráticas de sindicatos sem representatividade. Fala-se que o trabalhador deveria escolher entre contribuir ou não ao sindicato. Fala-se, por fim, que o imposto tolhe a autonomia das próprias entidades sindicais, atrelando-as ao Estado. Dizer que esses argumentos são furados é pouco.
Na condição de advogado, estou sujeito, por lei, a uma contribuição compulsória anual à OAB. O mesmo ocorre com os médicos, contadores, enfermeiras, engenheiros e dentistas, entre outras categorias organizadas em ordens e conselhos. Essa contribuição custa bem mais que um dia de trabalho e os profissionais submetidos a essas entidades não têm sequer o direito de escolher entre filiar-se a elas ou não; até o voto em suas eleições é obrigatório, coisa que não acontece nos sindicatos. No entanto, nunca se ouviu alguém dizer que isso fere a liberdade desses profissionais, ou que a OAB, o CRM, o CRC ou o CREA estão submetidos ao arbítrio estatal – o que nem seria verdade. É fácil entender a razão dos dois pesos e duas medidas: tais entidades não são peças da luta entre capital e trabalho; os sindicatos sim.
Daí a constante difamação contra eles, expressa, por exemplo, na acusação de que o imposto sindical sustenta sindicatos sem representatividade e direções corruptas e acomodadas. O imposto sindical sustenta todos os sindicatos; o problema da representatividade não está ligado a ele, mas ao grau de consciência de cada categoria. Já a qualidade dos dirigentes é assunto para ser resolvido pelos trabalhadores, que detêm o poder de pô-los e tirá-los de seus cargos. Eliminar a principal fonte de custeio da atividade sindical é que não vai ajudar a resolver nenhum dos dois problemas.
O imposto sindical protege o trabalhador. Sabe-se bem que várias empresas – Wal Mart e Mc Donald's são os casos mais conhecidos mundialmente, mas a prática é generalizada – consideram a filiação sindical motivo suficiente para demitir um empregado. Se a contribuição ao sindicato fosse facultativa, quem trabalha nessas empresas poderia, "livremente", optar por pagá-la?
Interessa ao grande capital estrangular financeiramente as entidades sindicais para submeter os trabalhadores a uma exploração sem limites. A Gerdau, por exemplo, obriga seus empregados a trabalharem até nos domingos à noite; mas, ciosa de sua liberdade, incentiva-os a sair da fábrica ou escritório em dia útil e no horário de expediente, desde que seja para ir ao sindicato desautorizar o desconto das contribuições facultativas definidas em assembléia. Não é preciso muita perspicácia para entender que, se empresas como essa querem acabar com um imposto equivalente a um dia de salário, é para poder arrancar de seus trabalhadores muito mais que isso.
Dos 365 dias/ano de trabalho de cada brasileiro empregado, um vai para o sindicato. Quantos vão – por força de uma mais-valia que só não é maior porque os sindicatos, apesar dos pesares, existem e lutam – para o bolso dos patrões?
[1] www.sae.gov.br/site/index.php?option=com_banners&task=click&bid=1
[2] Unicidade sindical: resposta a uma questão, revista Debate Sindical nº 39, setembro/novembro de 2001.
Henrique Júdice Magalhães é jornalista, advogado (OAB-RS 72.676), ex-servidor do INSS e pesquisador independente em Seguridade Social em Porto Alegre (RS).
E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
{moscomment}
Comentários
Assine o RSS dos comentários