Correio da Cidadania

Dilma e a teoria do beijo na testa

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Antes de falar das chances e atributos da ministra-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Dilma Rousseff, em uma ainda longínqua, mas cada vez mais presente campanha eleitoral de 2010, vale a pena a leitura do diálogo abaixo, entre o jornalista Paulo Henrique Amorim e um motorista de táxi de Salvador, que iniciou a conversa:

 

– Cada um vai para o seu canto.

– Vai alguém para o canto de Jacques Wagner?

– Vai, respondeu o Souza, “e alguém agüenta ficar três anos fora do puder? (Puder, com u mesmo.)

– E quem é o puder?, perguntou o jornalista.

– É Jacques Wagner aqui e Lula no Nordeste, respondeu Souza.

– E no Brasil?

– No Sul, não sei como é que é.

– Você entende é da Bahia...

– Sim, e aqui sempre votei em ACM e em Wagner.

– Mas, como assim, em ACM e Wagner?, perguntou Amorim, perplexo.

– ACM arrumou o emprego da minha filha na Ford. Voto nele sempre que for preciso. Mas não na turma dele. Voto NELE!

– E Wagner?

– Porque Wagner é Lula.

– E porque Lula é tão importante assim?

– Porque, “a nível de Nordeste”, só tem pra Lula...

– Ah, é o Bolsa Família...

– Não, eu não tenho nada com o Bolsa Família, não. Eu sou diabético e por causa da Drogaria do Povo, hoje pago 10% do que eu pagava por meus remédios, explicou Souza.

– E quem você acha que vai suceder o Lula?

– Wagner!

– Mas você acha que Wagner entra no Sul?

– No Sul, não sei, mas, ‘a nível de Nordeste’, é só ele.

– E lá no Sul, quem pode ser?

– Bom, meditou o Souza, tem o Aécio e o Serra.

– É, parece que é, confirmou o jornalista.

 

Souza continuou sua análise, “a nível do Sul”:

 

– O Aécio pode ser, mas o Serra, depois de tudo o que ele já disse do Lula, acho muito difícil ele sair candidato.

– Mas, péra aí, Souza, ele pode sair candidato CONTRA o Lula, argumentou Amorim.

– Ah, mas ai não dá. O cara só se elege se o Lula der um beijo na testa...

 

Além de divertido, o diálogo serve como uma fotografia da realidade política do Nordeste brasileiro hoje. A popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na região é espantosa, basta lembrar que na última pesquisa realizada pelo instituto Sensus, em abril, a aprovação dos nordestinos a Lula passou de 80% – exatos 82,9% contra a média nacional de 63,7%. É bastante provável que o presidente se torne uma espécie de mito na região, o que não impede, como fica claro no diálogo, que caciques locais, ainda que adversários do PT e de Lula, consigam sobrevida política em seus estados.

 

Onda feminina e as pedras no caminho

 

O Brasil é realmente muito mais complicado do que parece à primeira vista. Nos últimos dias, jornalistas e analistas políticos têm comentado a suposta disposição da ministra Dilma Rousseff para ser candidata à sucessão de Lula. Alguns se animam com a “tendência internacional” da eleição de mulheres: a lista é longa e tem em Cristina Kirchner (Argentina), Angela Merkel (Alemanha), Michelle Bachelet (Chile) e Hillary Clinton (EUA) alguns exemplos já entronados ou em vias de chegar lá. Outros afirmam que Dilma é a única solução politicamente viável no PT e que o partido de Lula jamais aceitaria ficar de fora ou compor chapa em 2010. Há até os que chegam a afirmar peremptoriamente que Dilma já recebeu o “beijo na testa” de Lula e foi ungida à condição de “plano A” do atual chefe do governo federal.

 

É melhor ir devagar com o andor, o santo é de barro. Quem conhece minimamente o Partido dos Trabalhadores sabe que à exceção da inconteste liderança de Lula, nada por lá é resolvido de forma fácil e tranqüila. É da natureza dos petistas a disputa interna, muitas vezes acirrada e dura. Até mesmo o presidente Lula teve de disputar uma prévia em 2002, por causa da insistência do senador Eduardo Suplicy em levar a sua pré-candidatura adiante... Ademais, como se sabe, o PT só teve um candidato à presidência do Brasil em toda a sua história. Em 1998, Lula dizia que não disputaria, deixou o jogo correr, mas matou politicamente as lideranças que se apresentaram como alternativa na disputa – o atual ministro da Justiça, Tarso Genro, é o exemplo mais notável.

 

Processo complicado

 

A escolha de um nome para a sucessão de Lula, portanto, não será algo tão simples quanto parece. Ademais, o presidente tem reiterado que gostaria de ver a sua base aliada seguir unida para a eleição, a fim de enfrentar a oposição, hoje curiosamente melhor posicionada nas pesquisas de intenção de voto não por méritos próprios, mas justamente pela ausência de um nome que a população perceba vinculado ao presidente. Não, ele não pode ser candidato, mas coloque-se o presidente Lula na pesquisa e o tamanho da oposição será outro.

 

De toda maneira, também não há um “nome natural” a unir os partidos da atual aliança. Ciro Gomes (PSB) é quem mais se aproxima deste perfil, com a vantagem de já ter concorrido à presidência, mas há setores do PT bastante resistentes ao cearense, até pelo seu passado de homem da Arena e do PSDB. Nelson Jobim, se bem sucedido no ministério da Defesa, pode também se tornar uma opção viável, mas sofre ainda mais com a restrição dos petistas mais à esquerda, que o tem como grande amigo de Fernando Henrique Cardoso e o consideram o mais tucano dos peemedebistas.

 

Com este cenário, muitos analistas pensam que Lula pode optar por entrar na disputa com vários cavalos – Ciro, sem dúvida; um peemedebista que pode ser Jobim ou o governador do Rio, Sérgio Cabral; e um petista. Dilma seria, hoje, a favorita, à frente de Tarso Genro por estar mais próxima do chamado núcleo duro do Planalto (o ministro da Justiça nem sequer faz parte da corrente majoritária do PT). A ministra de fato tem alguns bons atributos para a disputa: assumiu a gerência do governo com discrição, foi crescendo como liderança relevante, adquirindo um status maior do que o inicial e deixando para trás a sombra do super-poderoso José Dirceu. Dilma é gaúcha, região onde Lula é pior avaliado no país, tem fama de ser durona, foi guerrilheira, e não há uma única denúncia no campo ético contra ela. Enfim, na mão de um marqueteiro experiente, é um “produto” bem vendável: com um pouco de treino, se comunicará melhor e conseguirá maior empatia com os eleitores.

 

O problema real, porém, não é a viabilidade eleitoral da ministra, mas o cenário político. Em uma disputa com vários cavalos, a população pode achar que Lula não beijou a testa de Dilma, para lembrar a conversa de Paulo Henrique e o taxista. A ministra só vence a eleição se a economia continuar indo bem, é óbvio, e se o povão reconhecer nela a marca do presidente Lula. A grande questão é saber se Lula vai querer mesmo beijar a testa de alguém...

 

 

Luiz Antônio Magalhães é editor de política do DCI e editor-assistente do Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br).

Blog do autor: www.blogentrelinhas.blogspot.com

 

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