Lula e Bento XVI estão certos
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- Luiz Antonio Magalhães
- 14/05/2007
O título deste artigo pode parecer estranho ou até enigmático, mas a verdade é que ele sintetiza com precisão o suposto embate ocorrido entre o governo brasileiro e a Igreja Católica durante a visita do papa Bento XVI ao Brasil.
Segundo o noticiário corrente, o papa veio ao Brasil com a intenção de pressionar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela assinatura de uma concordata – espécie de acordo diplomático entre o país e a Santa Sé, acordo este que contemplaria algumas medidas do interesse da Igreja, como a interdição do debate sobre o aborto, a introdução do ensino religioso em escolas públicas, a permissão para que missionários atuassem em reservas indígenas, entre outras mais.
Bento XVI, nos pronunciamentos que fez, foi bastante claro sobre temas morais – defendeu a castidade, pregou os valores católicos e criticou duramente o aborto e o divórcio. O papa está certo porque é o líder máximo da Igreja e precisa ser referência para os católicos. É verdade que há algumas controvérsias internas na Igreja – Leonardo Boff que o diga –, mas certos dogmas são... dogmas, ou seja “verdades divinas, reveladas e acatadas pelos fiéis”. Assim, quem é casado segundo as regras católicas sabe a brincadeira é séria, “até que a morte os separe”, E como disse o próprio Bento, segundo casamento é um “chaga”.
Portanto, é perfeitamente natural que o papa condene o aborto, defenda a castidade e lute para ampliar o ensino religioso. Também é natural que o papa pressione as autoridades de nações que a Igreja considera amigas, especialmente em relação aos dogmas católicos. Do ponto de vista de Bento XVI e sua Igreja, a liberação do aborto, por exemplo, significaria uma derrota política considerável, porque o Estado estaria reconhecendo como legal e natural uma prática que a Igreja considera pecado.
Se Bento XVI, portanto, está absolutamente correto, como líder da Igreja Católica, em vir brigar por suas idéias, o presidente Lula também acertou a mão no comportamento diante do Santo Padre. Polidamente, Lula recusou a concordata e reafirmou o caráter laico do Estado brasileiro. Antes do papa desembarcar, explicou que é pessoalmente contra o aborto, mas que, no papel de presidente da República, não pode ignorar um grave problema de saúde pública do país. Muita gente, por sinal, viu aí uma postura demagógica de Lula, como se ele não pudesse pensar de um jeito e agir de outro no exercício da Presidência. Ora, o oposto disto – o presidente impor seu próprio pensamento – é que seria um ranço de autoritarismo de fato condenável.
Lula está correto em manter as conquistas da separação entre Estado e Igreja: não faz nenhum sentido haver ensino religioso em escolas públicas nem o debate sobre o aborto pode ser interditado em uma democracia. É bom lembrar que quando foi votada a lei que liberou o divórcio, no final de 1977, a Igreja fez enorme pressão sobre os políticos. De lá para cá, muita gente casou, separou, casou de novo e tornou a separar. No começo, havia preconceito com os divorciados, mas hoje a prática da separação é tão corrente que já tem criança por aí achando estranho ter pais casados... Em suma, o debate público dos costumes privados é algo que a Igreja não pode deter, embora tenha o direito líquido e certo de tentar influenciar. Na democracia, é assim.
Ao recusar a pressão católica, o presidente Lula, ele mesmo católico e aliado da Igreja em diversas outras frentes, soube lidar bem com um problema espinhoso, difícil, especialmente em um país cuja população é majoritariamente católica. É bem verdade que é muito mais fácil dizer não para Ratzinger do que para João Paulo II...
Luiz Antônio Magalhães é editor de Política do DCI e editor-assistente do Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br).
Blog do autor: www.blogentrelinhas.blogspot.com
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