Correio da Cidadania

O tempo da crise e o tempo da política

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O ano já vai caminhando para a metade e o Brasil segue com um olho na economia e outro nas safadezas no Congresso Nacional. É o que há para se ler nos jornais e revistas. Isto para quem se interessa pelos chamados "assuntos sérios", porque o povão quer saber mesmo é das idas e vindas de Ronaldo e sua fenomenal capacidade de recuperação quando (quase) todos o consideravam definitivamente acabado, pelo menos para o futebol profissional.

 

E é melhor mesmo ficar pelo futebol, pois, apesar da péssima qualidade do ludopédio nacional, este ainda está anos luz à frente da política praticada no Congresso Nacional. De fato, o mundo dos "assuntos sérios" anda muito aborrecido. Desde o início do ano que o legislativo federal não consegue resolver a crise em que se meteu após uma guerra aberta na disputa pelo comando do Senado, especialmente, e da Câmara. A cada semana surge uma nova denúncia, mais tosca e espantosa do que a anterior, e não se vislumbra no horizonte nenhuma boa idéia para solucionar as lambanças.

 

Na semana que passou, chamou atenção a reação completamente intempestiva da ex-senadora Heloísa Helena, presidente nacional do PSOL, à denúncia de continuar utilizando passagens aéreas da cota de seu extinto mandato parlamentar. Heloísa esperneou, xingou Deus e o mundo, mas não explicou o essencial: por que utiliza bilhetes pagos com recursos do Senado se não é mais senadora da República? "Está dentro do marco da legalidade" - a frase serviu para a vereadora alagoana, para Eduardo Suplicy (que anunciou a devolução da quantia gasta com o envio da namorada a Paris e Brasil afora) ou para Fernando Gabeira tanto quanto para um Edmar Moreira, o deputado do castelo não-contabilizado, e um Gerson Camata, o senador chorão que tem casa em Brasília e não abre mão do auxílio-moradia.

 

No caso de Helena, porém, a velha e surrada teoria conspiratória não serve mais de desculpa para nada. Estaria a malvada mídia burguesa interessada em destruir a candidatura presidencial da vereadora mais do que a de Ciro Gomes (e seus cascalhos, proferidos em alto e bom tom e bastante repercutidos na imprensa)? O site que deu o furo sobre as passagens utilizadas por Helena revelou que o democrata Jorge Bornhausen faz a mesmíssima coisa e já tinha alvejado Roseana Sarney (PMDB), Tasso Jereissati (PSDB), para não falar de gente menos cotada, como o deputado-playboy que levava a "cônjuge" Adriane Galisteu para passear no Nordeste. Bem, seria a primeira vez que a malvada mídia burguesa atiraria tão forte para tantos lados com intuito de "disfarçar" o seu real objetivo - acabar com a candidatura de Heloísa Helena. Mal comparando, seria o mesmo que o sujeito atirar primeiro no próprio pé, depois na própria virilha, mais adiante no próprio ombro e só então mirasse no verdadeiro inimigo.

 

A verdade é que a política nacional anda girando em torno desses pequenos escândalos, que na soma se traduzem em uma grande pouca vergonha assumida por todos os parlamentares (e ex-parlamentares), sem exceção até agora - é incrível, mas não apareceu um único deputado ou senador para dizer "eu não fiz, estou limpo". A desmoralização do Congresso aumenta a cada nova denúncia e, é claro, favorece tremendamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo menos enquanto a imprensa não se interessar em investigar como estão sendo usadas as passagens aéreas no Executivo.

 

De qualquer forma, o debate é bem pouco "político", no sentido das discussões em torno de temas de real interesse da população. O que se vê no Congresso é uma desesperada tentativa de votar a tal "agenda positiva" como resposta às más práticas agora expostas para a execração pública dos brasileiros, além da introdução de medidas paliativas para tentar estancar a sangria, que mais um pouco se transforma em uma hemorragia incontrolável.

 

No plano do Poder Executivo, todos os olhos estão voltados para o gerenciamento de medidas que minimizem os efeitos da crise econômica mundial no país. Até aqui, aparentemente, o Brasil vai sobrevivendo melhor do que muitos outros países. A crise cambial não veio - ao contrário, o Banco Central agora começa a atuar para evitar que o real se fortaleça demais em relação ao dólar -; o desemprego não disparou; o consumo interno continua sustentando um crescimento, pequeno, é verdade, do comércio e até da indústria; a inflação segue controlada e com tendência de queda; e a balança comercial não mostra sinais de nenhuma tragédia de grandes proporções se aproximando. Para quem contava com um cenário de crise aguda e catastrófica, os primeiros três meses do ano foram uma decepção. É claro que não vai ser a mesma coisa do ano passado, mas até aqui os efeitos da crise não são nem marolinha nem tsunami. É vida que segue, apesar do tamanho da crise lá fora.

 

O que anda em jogo na política brasileira é no fundo a velocidade dos acontecimentos na economia. Ninguém sabe quanto tempo vai levar a recuperação dos Estados Unidos, especialmente, e da União Européia, Japão e demais economias desenvolvidas. Da recuperação por lá depende boa parte do crescimento por aqui. Ninguém sabe, por outro lado, se é possível que os emergentes continuem crescendo, ainda que a taxas mais modestas, em um cenário de estagnação dos países ricos. O que todo mundo sabe, porém, é que crise não é bom para governo algum, quanto mais grave a situação econômica, pior para o governante de plantão.

 

Lula, mais do que todos, sabe disto e parece ter total consciência de estar jogando uma partida em que não tem controle da maior parte das variáveis. O governo vem tomando várias medidas, é óbvio, mas a essência do problema já não está nas mãos do presidente, que governa com um olho nos indicadores, outro no calendário. Se a situação permanecer estável, com baixo crescimento em 2009 ou pequena queda, mas indicar recuperação em 2010, é muitíssimo provável que Lula deixe o governo consagrado, com a popularidade nas alturas. Mesmo que não faça o sucessor, ele passa a ser pule de dez para 2014. Uma situação de agravamento dos problemas lá fora e aqui dentro, porém, pode ter força para chamuscar a liderança do presidente e oferecer uma nova chance aos tucanos, hoje aliados do que de pior a direita produziu no país.

 

O tempo da crise e o tempo da política vão se cruzar em algum momento entre agora e outubro de 2010. Este cruzamento é que definirá a eleição e o tal cenário do Brasil "pós-Lula". Poderá ser um momento tranqüilo e sem grandes percalços ou extremamente turbulento. Não depende de Lula, muito menos de José Serra ou Dilma Rousseff. Neste momento, depende mais do trabalho de Ben Bernanke e Timothy Geithner lá nos EUA do que de qualquer líder brasileiro. Enquanto eles trabalham, melhor espiar os piques do Ronaldo.

 

Luiz Antonio Magalhães é jornalista e Editor Executivo do Observatório da Imprensa. Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

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