Correio da Cidadania

O dilema de José Serra

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O governador José Serra (PSDB) aparentemente ainda não se deu conta do preço político que terá que pagar por uma barbeiragem do início de seu mandato. O enfrentamento com as universidades estaduais paulistas era desnecessário, foi executado de forma impensada e resultou em uma crise de dimensões bem maiores do que os fatos ensejariam.

Na sexta-feira passada, os estudantes da USP decidiram manter a ocupação da Reitoria e os professores, continuar em greve. Os funcionários também devem prosseguir a paralisação. Antes de Serra assumir o governo, nada disto estava nos planos dessas três "categorias", digamos assim.

O movimento estudantil estava completamente paralisado pela inação das entidades representativas, boa parte delas comandadas pelo PCdoB lulista ou mesmo por petistas. Os professores e funcionários das universidades paulistas já vinham de uma relativa vitória na campanha salarial do ano retrasado, quando o então governador e pré-candidato a presidente Geraldo Alckmin negociou um bom acordo para evitar um foco de tensão durante a campanha.

Nada, portanto, indicava a possibilidade de ascenso de um movimento reivindicatório de forma tão súbita. Nada, exceto a arrogância do tucanato serrista. Alckmin pode ter muitos defeitos, mas arrogante, não é. O governador José Serra, recém-eleito, começou a fazer bobagem ao pedir ao então titular do cargo, o Democrata Cláudio Lembo, para vetar um aumento do repasse de verba para as três universidades, angariando, antes mesmo de tomar posse, a má vontade da comunidade acadêmica.

Logo no primeiro dia de mandato, Serra anunciou a criação da secretaria de Ensino Superior, para a qual nomeou José Aristodemo Pinotti. O autismo do novo secretário era tamanho que ele imaginava que também as faculdades particulares do Estado estivessem sob a jurisdição de sua secretaria, para espanto de quadros experientes, do próprio PSDB, que militam no setor de educação.

Os já famosos decretos de Serra demoraram um pouco para repercutir, em meio às férias acadêmicas, mas, quando foram compreendidos por professores, estudantes, funcionários e até pelos perplexos reitores, a revolta rapidamente se instalou. Primeiro, na forma de protestos formais, cartas delicadas enviadas na esfera da burocracia do governo estadual.

Serra esboçou um primeiro recuo, retirando o secretário Pinotti do comando do Cruesp, colegiado que sempre foi comandado em regime de rodízio pelos reitores das três universidades (USP, Unicamp e Unesp). O centro das divergências, porém, não estava sanado. Serra insistia em controlar o Orçamento das universidades e seu secretário de Planejamento garantia que os remanejamentos que as reitorias pedissem seriam "atendidos em 24 horas", com a assinatura de decretos do governador. Dias depois, desmentia sua própria informação, dispensando o decreto do governador para os remanejamentos. Na letra da lei, que é o que vale nas relações intra-governamentais, os decretos continuavam impondo o controle orçamentário.

A ocupação da Reitoria pelos estudantes, há quase um mês, foi o estopim do processo de revolta contra a falta de tato do governo Serra, cuja estratégia primeira foi enfrentar a comunidade acadêmica negando o óbvio e sugerindo que professores, estudantes e funcionários das três universidades não estavam compreendendo os decretos do tucanato – os vários secretários que entraram na negociação insistiam que "nenhum dos decretos" feria a autonomia universitária, apesar de todas as evidências em contrário.

Com a ocupação realizada pelos estudantes, professores e funcionários perceberam que o clima geral na sociedade já era favorável a um movimento reivindicatório e pararam, dando suporte aos alunos. Só então Serra parece ter percebido a gravidade dos erros cometidos no início do mandato e, na semana passada, recuou mais um pouco, editando um novo decreto que modifica várias atribuições da secretaria de Ensino Superior, mas ainda mantém a tentativa de tutela do orçamento das três universidades.

Do outro lado, professores e estudantes já avisaram que a luta não acaba com o pequeno recuo - já são mais de 400 decretos desde janeiro, em total desprezo ao poder Legislativo. O impasse está criado e agora o governador tem apenas duas opções: ou reconhece o erro por inteiro e revoga os decretos, colocando fim à crise; ou apela para truculência e manda a polícia desocupar a Reitoria. Pode também tentar ganhar dos estudantes por cansaço, mas, se apostar nesta tática, corre o risco de enfrentar uma greve longa e com desgaste contínuo.

Quem conhece Serra de perto descarta a primeira hipótese, pois o orgulho do governador não permitiria o reconhecimento completo da bobagem realizada. Sobram as outras duas hipóteses: enfrentamento ou uma negociação longa e desgastante. Nos próximos dias, o leitor saberá qual foi a opção de José Serra

 

Luiz Antônio Magalhães é editor de Política do DCI e editor-assistente do Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br).

Blog do autor: www.blogentrelinhas.blogspot.com

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