Exame de consciência
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- Mateus Alves
- 06/08/2007
O termo “self-hating jew” – que pode ser traduzido livremente como “judeu que odeia a si próprio” - é usado para classificar aqueles que, tendo nascido em família de origens judaicas, escondem, sentem-se envergonhados ou não compreendem tal herança.
No entanto, o termo também passou a ser usado recentemente, de uma maneira depreciativa, para classificar judeus que se opõem ao sionismo e que possuem opiniões contrárias às práticas do Estado de Israel, em especial à ocupação dos territórios palestinos.
Intelectuais e militantes conhecidos mundialmente, como Noam Chomsky e o rabino Michael Lerner, são comumente classificados como “self-hating jews” por sionistas e partidários da direita americana.
Suas posições e declarações freqüentemente esclarecem as práticas agressivas dos governantes israelenses e, devido à razoável exposição que encontram na mídia – em especial nos principais veículos considerados “alternativos” -, servem como contrapesos à propaganda pró-Israel que predomina nos principais meios de comunicação norte-americanos (como denunciado no documentário “Peace, propaganda & the Promised Land”).
Recentemente, o jornal israelense Ha’aretz publicou um artigo intitulado “What self-hating Jews can teach Muslims” (O que judeus que odeiam a si próprios podem ensinar a muçulmanos), escrito por Bradley Burston. Além de exaltar as lições que israelenses mais radicais na defesa de seu Estado podem tomar com aqueles que supostamente “renegam suas origens” por meio de um exame de consciência, o autor propõe que os muçulmanos, especialmente os jihadistas e radicais, escutem os “self-hating muslims”, aqueles que, da mesma maneira que seus similares judaicos, combatem o extremismo responsável pelos sofrimento de seus povos.
Como o próprio autor cita em seu artigo, parece ser esta a tendência no Oriente Médio – e a esperança dos setores progressistas, de ambos os lados do conflito, para a conquista da paz na região.
O próprio Hamas, considerado terrorista e extremista pela grande maioria do mundo ocidental, está dando indícios de que busca o diálogo e um afastamento do extremismo a que sempre lhe foi atribuído; Michel Warschawski, israelense também considerado “self-hater”, escreve sobre os eventos recentes em Gaza que levaram o Hamas ao poder e suas intenções em um artigo publicado neste mesmo Correio.
De Warschawski, jornalista e ativista, e de seu Alternative Information Center (AIC), também partiu a última iniciativa que pode ser considerada como uma “análise de consciência” a serviço do estabelecimento de uma paz duradoura entre judeus e palestinos.
No dia 27 de julho, sob o auspício do AIC, mais de 100 entidades e militantes, palestinos e israelenses, se reuniram em Belém, na Cisjordânia, para discutir a nova situação na região e reiterar a importância de seguir os passos delineados na Declaração de Bilbao para a solução do conflito.
A Declaração, ponto central de rara – em tempos recentes - iniciativa de discussão conjunta, além de apresentar as condições mínimas sob as quais se pode criar uma paz justa e duradoura, proporciona uma base sólida sobre a qual ativistas palestinos e israelenses podem trabalhar conjuntamente em busca de seu objetivo. Assinada em 2003, mais de 20 organizações engajadas na criação de um processo de paz já reconhecem a sua extrema importância.
Tudo indica que, na nova configuração política que surge nos territórios palestinos, a paz será a grande tônica de ações futuras. O exame de consciência e o combate aos egos, algo que aqueles contrários a mudanças pregariam como “ódio próprio”, nunca esteve tão apropriado e urgente quanto agora, como maneira de resgatar a esperança de que se resolva um conflito do qual o mundo já está cansado e desiludido com tentativas fúteis de reconciliação.
Mateus Alves é jornalista.
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