O prazer da enganação
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- Osiris Lopes Filho
- 05/12/2007
Tardiamente, entrou no balcão das negociações a desvinculação das receitas da União – a DRU. Desde a aprovação da prorrogação da CPMF em 2003 até 31 de dezembro deste ano, o governo Lula teve quase quatro anos para se preparar para a extinção desse tributo, perverso, enganador, entreguista e gilete (corta dos dois lados, a produção e o consumo).
Optou, obcecado pela avidez arrecadatória, por deixar para a última hora a questão da CPMF.
Afinal, trata-se da arrecadação de 40 bilhões de reais e muita coisa se pode fazer com esta fabulosa quantia, inclusive comprar convicções e votos.
Na Câmara a prorrogação foi fácil. A experiência do mensalão demonstrou que a moeda resolve votações nessa casa que, infelizmente, está aí, suscetível à realização de operações de compra e venda.
No Senado, em que a maioria governamental não prima pela firmeza e pela lealdade estrita, a crise se acumulou, pois à amnésia seletiva que caracteriza o governo Lula se agregou a cegueira oportunista de apoiar a continuidade de Renan Calheiros na presidência do Senado, contra a opinião pública e a moralidade.
Instalaram-se, em clima de desespero governamental, operações de escambo, em nome de interesses regionais e políticos. E aí, a DRU, irmã siamesa da CPMF que seguia esquecida, aflorou no toma-lá-dá-cá que vai empolgando as negociações.
É que alguns senadores ou blocos de senadores uniram-se e fizeram exigências tópicas no balcão das negociações. Claro, no melhor dos propósitos. As primeiras foram com relação a limites nos gastos de custeio, outras de redução da carga tributária, que ultrapassa os limites da razoabilidade e está há muito tempo situada no palco da indecência explícita.
O senador Cristóvam Buarque, cuja campanha presidencial focou-se na educação, fez exigência pública de que só votaria pela prorrogação da CPMF se houvesse ressalva dos recursos destinados à educação. Outros exigem se respeitem os gastos na saúde.
E aí entrou no balcão das negociações a DRU, este instrumento de castração financeira. Mais de 70% da arrecadação da União concentram-se nas contribuições. A relevância arrecadatória situa-se nas contribuições, que constituem tributos vinculados a uma finalidade, por fornecerem, em tese, benefício ou vantagem aos seus contribuintes ou ao setor que suporta a sua incidência. Foram criadas essas contribuições em função da sua finalidade específica. Pela DRU, 20% da sua arrecadação são retirados da sua finalidade e utilizados para atender aos gastos gerais da União.
Em verdade, esses 20% são utilizados para compor o superávit primário, bolo de recursos destinado a pagar os juros da dívida pública federal. A própria CPMF tem 20% capados pela DRU – cerca de 8 bilhões, antes da sua destinação à saúde, à previdência e ao combate à pobreza. A CIDE dos combustíveis perde o mesmo percentual retirado de sua destinação de melhorar a nossa infra-estrutura de transportes: estradas e aeroportos. A COFINS e o PIS, que poderiam resolver a crise da saúde, da previdência e da assistência social, sofrem idêntico desvio.
Na Emenda Constitucional nº. 42, que prorroga a CPMF e a DRU, foram excepcionados do desvio os recursos arrecadados pelo salário-educação. E tem sido respeitada a integralidade de destinação. É necessário introduzir o respeito e a observância da destinação das contribuições, pois as suas finalidades são relevantes e merecem respeito em nome do interesse nacional e da lealdade com os contribuintes. Se os senadores votarem na prorrogação da CPMF e da DRU, confiantes apenas nas promessas do governo, para salvar a sua imagem, poderão a partir do próximo carnaval compor o bloco “me engana que eu gosto”. Será a adesão à autenticidade.
Osiris de Azevedo Lopes Filho, Advogado, Professor de Direito na Universidade de Brasília – UnB – e Ex-Secretário da Receita Federal.
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