2008 e a mobilização social
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- Waldemar Rossi
- 22/12/2008
Como havíamos previsto no início do ano, 2008 caracterizou-se pela ampliação das mobilizações populares. Não foi o esperado, mas significou uma saudável progressão ante a apatia anterior. Um dos fatores que muito contribuíram para que os protestos não se acelerassem, como esperava a esquerda, foi o ano eleitoral. A figura popular e carismática do presidente Lula comandou o processo eleitoral no Brasil inteiro. Tanto que a direita mais sectária foi a que teve a maior derrota, o que não significa que a esquerda tenha avançado, pois foram os setores conservadores, aliados do governo federal, que abocanharam um bom naco do espaço político.
Entretanto, o ano começou "mais quente", com vários setores do movimento social ocupando as ruas, prédios e terras. A começar pelos Sem Terra e pelos Sem Teto. Os primeiros desenvolveram o seu "abril vermelho", que se estendeu até agosto, com ocupações de norte a sul do país, em protesto pelos massacres contra trabalhadores sem terra que vêm ocorrendo desde a década de 90 e que permanecem impunes, assim como em protesto pela não realização da reforma agrária – um clamor nacional de longos anos. Foram ocupações contra a política de apoio político e financeiro ao agronegócio, que só interessa aos latifundiários (e grileiros das terras públicas) que visam grandes lucros com a exportação para os países ricos.
O movimento dos Sem Teto (MTST) realizou, em várias cidades do país, ocupações de prédios públicos desocupados e sem destinação, assim como terrenos urbanos municipais e particulares que permanecem estocados para fins meramente especulativos, o que contraria as normas constitucionais.
Funcionários públicos municipais, estaduais e federais cruzaram os braços em várias ocasiões, exigindo reajuste de salários e/ou definição de planos de carreiras, entre outras reivindicações já históricas. Muitos protestos se deram contra reformas da Constituição que são contrárias ao interesse dos trabalhadores e à nação brasileira. As greves do setor privado foram bem mais extensas que as greves dos anos anteriores, revelando que, apesar de os sindicatos pelegos permanecerem com os braços amarrados aos compromissos com o patronato e com o governo Lula, a classe trabalhadora vai passando por um progressivo despertar de consciência. Movimentos em defesa da saúde e da educação públicas também evoluíram, embora ainda de forma tímida. Nas grandes cidades, habitantes dos bairros periféricos ampliaram suas demandas coletivas.
Movimentos contra a corrupção na política se desenvolvem no país. Debates sobre a problemática brasileira e as possíveis saídas se multiplicaram e um Tribunal Popular colocou o Brasil no banco dos réus, devido aos milhares de assassinatos praticados por criminosos das instituições policiais que permanecem impunes.
Vários movimentos da esquerda vêm ensaiando um entrosamento que não acontecia há anos, em busca da unidade de ação em defesa dos interesses dos trabalhadores e do conjunto do povo brasileiro. Passos significativos de ação unitária se deram pelo Primeiro de Maio e pelo Grito dos Excluídos, com ações realizadas em inúmeras cidades do país, bem mais concorridas que em anos anteriores. Apesar dos esforços de parcela do movimento em patrocinar a divisão das atividades populares de protesto, tentando a "blindagem" do presidente Lula. São setores que detêm postos no governo federal, defendendo seus privilégios em prejuízo dos interesses do povo em geral.
Setores do Poder Judiciário, conservador em sua essência, se desdobram para criminalizar os movimentos sociais, contando com governantes vendidos às grandes empresas e polícias estaduais que não hesitam em reprimir com muita violência os protestos populares.
Se as eleições foram um fator que impediu o maior avanço da mobilização social, a crise da economia capitalista acaba por trazer uma enorme interrogação quanto à evolução das lutas sociais, já que o desemprego não é apenas uma ameaça: ele está chegando mais cedo do que previam os arautos do neoliberalismo. Tal crise - que pelos indicadores está muito longe do seu fim - poderá trazer mais desmobilização, ou ainda, e por causa dos seus estragos, ser motivação para mais amplos movimentos de protestos populares.
Para que o pessimismo e a apatia não se aprofundem, cabe aos movimentos sociais acelerar o processo de debates e atividades de esclarecimentos sobre as causas da crise, assim como a compreensão de que as soluções dos problemas que afetam a vida do povo não podem vir do sistema que nos rege há mais de 200 anos: o sistema burguês capitalista de dominação e exploração dos povos. O povo precisa entender que Papai Noel não existe, que é invenção e manutenção do capitalismo enganador. Não adianta pendurar meias na porta de entrada, nem dormir cedinho e esperar o raiar do dia.
Até mesmo por essas e outras razões é que os setores da esquerda vêm se desdobrando para acelerar tal processo de aproximação e entendimento. É urgente acelerar o processo de conscientização para que os trabalhadores percebam que "não podem esperar pelos lá de cima".
Tendo em vista que um período de maiores privações se aproxima, é possível dizer a todos, e com muita sinceridade "Feliz Natal"? Só será possível se o entendimento vier, para os cristãos, de que a celebração do 25 de dezembro é a memória do nascimento daquele que veio para "Abater os poderosos dos seus tronos, enviar os ricos de mãos vazias e encher de bens os famintos". E para todos é necessária a convicção de que "a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores", na luta sem trégua contra seus exploradores.
Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.
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