Correio da Cidadania

O canto da sereia da economia neoliberal

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De Getúlio Vargas até o ano de 1964, o Brasil trilhou um caminho do desenvolvimento industrial alicerçado na economia nacional. O plano de Getúlio, para garantir ao país sua autonomia em relação ao modelo industrial estadunidense e europeu, deveria garantir que a indústria brasileira crescesse com recursos nacionais e desenvolvesse sua própria tecnologia. Mas isso mudou com o golpe militar de 1964. A ditadura impôs ao país uma profunda mudança econômica, estrangulando a indústria nacional e abrindo as portas para a livre entrada (e saída) da indústria multinacional.

 

O resultado imediato foi um enorme crescimento industrial e profundas mudanças na composição da população brasileira - que se tornou rapidamente urbana, esvaziando o campo e inchando as cidades. A nova classe operária (formada pela veloz migração) se sentia bem próxima do Paraíso. Milhões de trabalhadores oriundos do campo e das pequenas cidades tinham seu salário mensal, férias, 13º, assistência médica e muita promessa de vida com dignidade, coisas que não existiam no interior do país. A felicidade tinha batido à nossa porta.

 

O canto da sereia do "Este é um país que vai pra frente..." passou em parcos 10 anos da grande produção industrial. Produção que atendeu à classe média ávida do bem estar segundo o modelo norte-americano e que abarrotou milhões de casas com seus produtos maravilhosos! Mas a crise da superprodução chegou ao Brasil bem mais rápido do que havia ocorrido na Europa e nos Estados Unidos. Lá o desenvolvimento industrial se deu ao longo de mais de 150 anos. Aqui bastaram 10 anos. Lá o desemprego demorou mais 50 anos até chegar perto do fundo do poço. Nos países de economia dependente a crise do desemprego já passou dos 25 anos e continua sem saída.

 

Como a economia daqueles países era genuinamente nacional e, portanto, relativamente autônoma, tanto empresários quanto governantes conseguiram contornar seus efeitos mais drásticos, diminuindo a carga horária de trabalho dos seus funcionários, ampliando as exportações e exportando indústrias, cujas filiais foram sendo instaladas nos países subdesenvolvidos. Como no caso do Brasil. Entretanto, os interesses das indústrias aqui instaladas não são os mesmos interesses que os dos países de suas origens. Tanto no Brasil quanto nos demais países dependentes a crise da superprodução gerou desemprego em massa, o que ainda não havia acontecido por lá.

 

Surge agora, segundo a imprensa e defensores do governo, uma nova onda, ou, como diria Lula, uma "marolinha" de crescimento econômico brasileiro. Em 2010, segundo informes oficiais, o capital externo investiu no Brasil US$ 48 bilhões destinados ao setor produtivo. Parte significativa desse dinheiro está voltada para o setor de exploração do petróleo. Com certeza tais investimentos farão crescer o conjunto da economia porque haverá necessidade de equipamentos, consumo de matéria-prima, assim como de bens de produção (equipamentos). Crescimento que irá gerar empregos e, com isto, favorecer muitas famílias de trabalhadores. Mas isto não pode ser motivo para ufanos, porque se trata de mais um "canto da sereia". Por várias razões.

 

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que o capital – particularmente em tempos de neoliberalismo – só faz investimentos visando retorno breve. Por exemplo: uma vez montadas as plataformas para extração do petróleo, que exige muito equipamento, e impulsiona crescimento, essa demanda se esgotará e a indústria desse setor (equipamentos) entrará em recesso. Com desemprego. O retorno financeiro para o capital é o petróleo que os gringos estarão levando daqui a preço de banana em fim de feira. E os trabalhadores dispensados do trabalho não mais necessário que se virem como der. Outros setores industriais, que também subsidiaram o setor petrolífero, passarão pelos mesmos efeitos. Vejam bem: tal crescimento econômico poderá ocorrer, desde que não haja uma nova super crise do capitalismo, como a que estourou no ano 2008 e que não está superada. A Europa, os Estados Unidos e o Japão que o digam!

 

É certo que há também investimentos em outros setores industriais, como de veículos e de tantas bugigangas que vêm sendo vendidas por aí. Mas é preciso lembrar que as novas indústrias vêm com tecnologia moderna, com capacidade para alta produção, gerando poucos empregos, forçando outros setores à modernização e, com a modernização, as demissões. O outro lado do engodo é que, como já ocorreu no Brasil, abarrotando o comércio com os novos produtos em tempo muito curto, nova onda de demissões será provocada pelas indústrias, virão novos arrochos salariais, novos ataques aos direitos dos trabalhadores, como ocorre na Europa, nos Estados Unidos, no Japão, no Canadá e em vários países da América Latina e do sudoeste asiático.

 

Ora, não temos o direito de fazer de conta que nada mudou neste país, e que tudo caminha às mil maravilhas, porque os efeitos das mudanças promovidas pelo capitalismo são desastrosos, no mundo inteiro. E o Brasil não está fora deste mundo comandado pelo capital predador. Não são apenas efeitos nocivos aos povos pelo fato do desemprego. Tais mudanças geram superpovoamento das cidades, que se transformam num verdadeiro flagelo para milhões de pessoas. São famílias forçadas a morar precariamente, a penar no sistema de transporte e sentir na pele os efeitos de uma sistema de educação e de saúde públicas caóticos. Ocorre o rebaixamento do padrão de vida, a exclusão, a desesperança para a juventude, a revolta, o consumo do álcool e da droga, a violência, enfim, a degradação da vida.

 

É urgente que o povo tome consciência do engodo a que o sistema nos submete constantemente. É urgente que os movimentos sociais não se deixem cooptar e busquem a verdadeira unidade nas lutas populares, exigindo que os governantes que elegemos promovam mudanças substanciais na política econômica. Que essa política econômica contemple o desenvolvimento interno, conforme os interesses do povo, e não mais os dos exploradores do povo. Somente com altos investimentos nos setores mais carentes é que este país terá, de fato, seu desenvolvimento com autonomia, inclusão permanente de milhões no mercado de trabalho, distribuição de renda e elevação do padrão de vida para todo o povo brasileiro. Povo que anseia por felicidade.

 

Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.

 

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Comentários   

0 #2 Debate RecorrenteRaymundo Araujo Filho 10-02-2011 09:09
Sou veterinário de profissão mas, mesmo sem ser nenhum especialista em economia, já superei há muito este tatibitati de economistas neoliberais, brandindo a chada "economia austríaca", como exemplo de austeridade republicana.

Estes neoliberais envergonhados, tentam dar os anéis para salvar os dedos. Esquecem-se que, e este é a pedra angular do debate, que é a POLÍTICA que determina o que a ECONOMIA vai propor. E não o contrário.

A Política é atividade humana basilar, "mãe" de todos os instrumentos sociohumanos, entre eles, a ECONOMIA.

Portanto, o crítico ao excelente artigo de Waldemar Rossi, "paga mico" ao vir aqui brandir a "economia austríaca" (http://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_Austr%C3%ADaca), pois isso não passa de mais uma baboseira derivativa do Inocente Inútil Adam Smith (que parece um colegial, frente aos seus seguidores da "Mão Reguladora da Economia" (Será Deus?).

Falta a compreensão a este austro- brasileiro acima, que não é nada elogioso aos países citados que eles tenham "resolvidos os seus problemas", pois foi a custa de muito sangue, suor e lágrimas, mas daqueles que foram rapinados há séculos peos países do Império Anglo Saxão e seus aliados obscurantistas do Oriente Médio (os Shakes de Agadir de hoje)e Ásia.

Recomendo ao comentarista acima, as páginas de Olavo de Carvalho, Sandemberg, Demétrio Magnoli, Reinaldo Azevedo. Suas observações seriam recebidas com grandes elogios. Tão grandes quanto o reacionarismo político dos citados.

Como diria o velho Chacrinha Barbosa : Vai láááá! Vai láááá!



Vai lá!
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0 #1 O CANTO DA SEREIA DA ECONOMIA NEOLIBERALLeocir 09-02-2011 14:52
Ao ler o artigo têm-se a nítida impressão que o capitalismo ou o liberalismo é prejudicial ao desenvolvimento de um povo. Engraçado é que economias onde existe mais liberdade, diga-se menos estado interferindo na economia, maior é o desenvolvimento destas nações, cite Canadá, Suíça, Finlândia, Hong Kong entre tantas outras.O que precisa na verdade em nosso País, é separar o Público do Privado e o Estado se preocupar com o que realmente é estratégio para esta nação, como: EDUAÇÃO, SAÚDE E SEGURANÇA, uma vez que já fica com quase 40% de toda a riqueza gerada. Lamento mas o autor precisa conhecer mais sobre ECONOMIA especialmente a escola AUSTRIACA.
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