Herança bendita ou...
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- Waldemar Rossi
- 21/07/2011
A campanha eleitoral de 2010 para a presidência da República foi patrocinada pelo então presidente Lula. Indicou e bancou Dilma Rousseff, e com sucesso. Após a proclamação da vitória da petista, corria à boca pequena, nos meios petistas, que Dilma receberia uma herança bendita, uma forma de contrapor à campanha de 2002, vencida por Lula, cujo legado para a direção do país era tido como “Herança Maldita”, fruto dos descalabros de FHC.
Pois bem, Dilma, mostrando sua fidelidade ao padrinho político, bancou vários ministros (e seus subordinados) indicados (ou impostos sutilmente) por ele - pessoas da sua confiança e que fizeram parte do seu governo.
Passados menos de sete meses, Dilma vê seu governo envolto num enorme vendaval de denúncias de corrupção com a coisa pública. Como era de se esperar, passou a sofrer ataques da “oposição” política, da mídia, da base do seu partido e de parte significativa da população, principalmente de alguns movimentos organizados. Por incrível coincidência (?), todos os acusados de envolvimento com falcatruas em suas esferas de poder foram bancados por Lula.
Causa estranheza os esforços de um ministro (Gilberto Carvalho, Secretário Geral da Presidência), também bancado por Lula, em defender o retorno do diretor do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), Luiz António Pagot, afastado do cargo enquanto está em férias.
Até o momento em que escrevo este comentário, já são sete os assessores da mesma pasta demitidos por Dilma. Convém lembrar que o ex-ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento – ministério a que o Dnit está vinculado –, já havia sido demitido e substituído. A corrupção denunciada pela Controladoria Geral da União (CGU) envolve os próprios demitidos, seja pela ação direta seja pela conivência com os desvios do dinheiro público, praticados, segundo denúncias também públicas, por alguns familiares desses “servidores”.
Não causa, porém, estranheza saber que grandes empresas estão envolvidas nas denúncias de corrupção, porque já era sabido que empresas não fazem favores. Fazem investimento e querem o retorno sobre o capital investido especialmente nas campanhas eleitorais. Como nossa “Justiça” é vesga, grandes empresas, historicamente envolvidas em denúncias – muitas delas comprovadas por investigações mais sérias – não sofrem condenações e muito menos são banidas dos contratos com a gestão pública.
Até pelo contrário, as empresas mais acusadas de improbidade são as que detêm os contratos mais rentáveis, tanto com a União quanto com vários estados e prefeituras. E a mídia tem revelado tais escândalos com muita frequência. Aliás, é deprimente folhear jornais, ver ou ouvir noticiários em que prevalecem os lamentáveis fatos da criminalidade política que impera no país. E isto vai contaminando a mente e a moral do nosso povo, que já não se abala com tais novidades. Pior, a elas se acostuma, chegando a justificar os desmandos como práticas normais dos políticos. Não é por menos que o crime organizado cresce concomitantemente com a organização e evolução do crime do colarinho branco, corroendo, infelizmente, os Três Poderes da “República” em seus vários níveis.
É de se considerar a luta interna da presidente Dilma, que, imaginamos, se vê na obrigação ética de se livrar de tamanha herança nem tão bendita, considerando que está à mostra apenas a ponta desse iceberg da corrupção institucional. Não tenhamos dúvidas de que outros vendavais virão porque o sistema está apodrecido. Basta acompanhar as informações diárias dos contratos criminosos para a construção de estádios e demais obras, que visam adequar o país às “exigências” da FIFA e do COI, tendo em vista a Copa do Mundo 2014 e os Jogos Olímpicos 2016.
Enquanto esse caudaloso rio de dinheiro público é desviado para a farra financeira a serviço das grandes empresas e de dirigentes nacionais e internacionais dos “esportes”, sentimos a sangria nos orçamentos da saúde, da educação, do transporte público, do saneamento básico, da moradia popular, da reforma agrária, da preservação ambiental (das nossas matas, nascentes, biomas, da poluição sonora e atmosférica).
Nem tudo, porém, são espinhos. Felizmente estamos vendo que parte significativa da população está reagindo, ainda que com muita fragilidade. Movimentos vão se organizando, manifestações populares estão em curso, embora embrionárias. O que se pode esperar é que os esforços da minoria que jamais se rendeu ao canto da sereia do poder e da vida fácil dêem o resultado esperado. Temos esperanças também de que bons ventos vindos do movimento social europeu e norte-africano soprem suaves, mas eficazmente no Brasil.
A Esperança está mudando de curso, não mais restando na doce ilusão da fácil solução dos nossos graves problemas. Que assim seja, para felicidade do nosso povo, sobretudo das novas e futuras gerações. Porém, é indispensável que cada um faça a sua parte, se entenda como protagonista do processo das mudanças tão sonhadas por todos nós. Que já não sejamos “paus mandados” e sim mandantes.
Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.
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