A atualidade da Revolução Russa
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- Fernando Silva
- 12/11/2007
Felizmente, os 90 anos da Revolução Socialista de 1917 na Rússia não passaram em branco na esquerda brasileira. Artigos, seminários de debate, atos comemorativos estão resgatando a herança deste acontecimento de repercussão mundial, balizador da história do movimento operário e socialista.
Não se trata apenas de reverenciar essa data e homenagear a Revolução de Outubro como algo posto no passado. Trata-se de resgatar a atualidade e a idéia da revolução social. Pois o colapso da União Soviética e o retrocesso que culminou na restauração do capitalismo na última década do século passado colocaram em questão se não estaria encerrada a época histórica das revoluções sociais que atravessaram o século 20.
Nos dias de hoje, estão ainda mais exacerbadas as contradições inerentes à manutenção e expansão predatória e agressiva do sistema capitalista, em todos os pontos do planeta. A época do capitalismo em sua fase imperialista, ou no seu momento atual chamada com algum sentido de “globalização”, é ainda mais visível em todo o mundo do que há cem anos atrás.
A extrema fusão de capitais, a predominância e consolidação do que Lênin chamou de “oligarquia financeira”, com resultado deste processo de fusão na etapa monopolista e imperialista do capitalismo, são hoje de uma atualidade impressionante em relação aos escritos e análises de Lênin em O imperialismo, fase superior do capitalismo.
E este período tem conseqüências cada vez mais intoleráveis para a humanidade.
A contradição capital e trabalho já alcança um patamar em que a manutenção do modo de produção capitalista ameaça e põe em risco no futuro a vida no planeta.
É a partir da análise dos dias de hoje, e não apenas do passado, que podemos afirmar que a Revolução Russa conserva enorme atualidade.
A derrota do primeiro grande fluxo revolucionário da humanidade e o retrocesso político e ideológico das próprias idéias revolucionárias nas últimas duas décadas não podem nos fazer perder de vista que a revolução de 1917 foi um marco inicial nessa época histórica na qual estamos vivendo e atuando.
Reflexões da derrota e parâmetros futuros
Mas a derrota da Revolução Russa e o desfecho do século 20 não vieram de um golpe só. Ela retrocedeu lenta e agonicamente sob o manto de um Estado totalitário.
Estado que, em nome do socialismo, promoveu um monolitismo político e cinzento nas sociedades que tinham expropriado o capital, varreu a auto-organização na classe trabalhadora, perseguiu e matou milhares que não aceitavam que o socialismo fosse um modelo monolítico de estado policial e, por fim, afastou paulatinamente centenas e centenas de milhões de trabalhadores e trabalhadoras das idéias do socialismo.
Esta última talvez ainda seja a mais grave conseqüência, para os socialistas e a classe trabalhadora, da derrota da Revolução Russa.
No final das contas (e do século), ficaram as evidências de que “o modelo stalinista” foi um conjunto de teorias (como a do “socialismo em um só país”) e “procedimentos” (como os processos de Moscou) para justificar a manutenção no poder, com enormes vantagens materiais e econômicas para uma autêntica aristocracia social. Claro, tudo em nome do comunismo...
Por isso, não será pouco o esforço para recuperar as idéias do socialismo e da revolução na consciência dos povos.
Para essa tarefa do presente e do futuro, vale muito a pena recorrer ao passado e alguns parâmetros colocados pela Revolução Russa:
a) O profundo internacionalismo do processo revolucionário, pois os trabalhadores russos e seus dirigentes foram conscientes de que a revolução em um dos países (na ocasião) mais atrasados da Europa dependeria de uma continuidade nos países capitalistas centrais para se poder superar estrategicamente o capitalismo. Idéia hoje mais atual do que nunca nas condições do capitalismo “globalizado”, que deve enterrar as ilusões a respeito das possibilidades de um socialismo em um só país.
b) Uma verdadeira revolução não pode prescindir da extraordinária combinação da auto-organização massiva e democrática dos explorados com uma direção política consciente dos seus objetivos.
Muitos desenlaces de lutas e processos históricos da classe trabalhadora não dependem da vontade dos dirigentes e vanguardas destes processos. Mas os que reivindicam as idéias revolucionárias e pretendem lutar para que elas voltem a encantar o imaginário de milhões de trabalhadores e trabalhadoras não podem deixar escapar esses parâmetros colocados pela Revolução Russa.
Para citar um personagem de um filme alemão chamado Edukators, “as revoluções podem até ser derrotadas, o importante é que suas melhores idéias sobrevivam”.
Sem elas, cedo ou tarde, mesmo processos e revoluções novas retrocedem, podendo ainda gerar caricaturas do passado em nome de um socialismo para o novo século.
Para encerrar, vale aqui resgatar a atualidade da perspectiva histórica colocada pela Revolução Russa nas palavras reflexivas de Leon Trotsky:
“Na Rússia, a classe trabalhadora, guiada pelos bolcheviques, tentou reconstruir a vida, para eliminar a possibilidade dos acessos periódicos de loucura da humanidade e lançar as bases de uma cultura mais elevada. Este é o sentido da Revolução de Outubro. É claro que o problema posto por ela ainda não está resolvido. Mas, no fundo, esta questão supõe uma perspectiva histórica de muitos anos. Devemos pois considerar a Revolução de Outubro como ponto de partida da nova história da humanidade em seu conjunto”.*
*Minha Vida, Ensaio Autobiográfico, Leon Trotsky.
Fernando Silva é jornalista, membro do Diretório Nacional do PSOL e do conselho editorial da revista Debate Socialista.
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